Bom dia!
Há 11 anos, estava na
Praça de São Pedro quando o Papa Francisco se abeirou da varanda central da
Basílica Vaticana e, antes de abençoar os que esperavam para conhecer o novo
Pontífice, a cidade de Roma e todo o mundo, pediu para ser abençoado, pediu
para que todos rezassemos pelo novo Papa. Um gesto que inaugurou um
pontificado, repleto não só de gestos, mas sobretudo de factos, de modos de
pertença e de governo da Igreja Católica inaugurados pelo cardeal que chegava
da Argentina. Um percurso e um perfil que hoje evocamos na Agência Ecclesia e
que partilho desde já nesta mensagem matinal. O texto é do vaticanista da Agência
ECCLESIA, Octávio Carmo, publicado no portal de notícias desde as
primeiras horas do dia e pode também ser visto em
vídeo.
Votos de uma ótima
jornada!
Paulo Rocha
De Lampedusa ao Sínodo:
11 momentos que definiram percurso do Papa
O Papa celebra hoje o
11.º aniversário da sua eleição, num percurso marcado pela preocupação com a
renovação da Igreja e a atenção às crises sociais e humanas nos vários
continentes.
Desde a sua primeira
viagem, à ilha italiana de Lampedusa, a 6 de julho de 2013, Francisco alertou
para a “globalização da indiferença”, seguindo-se várias críticas contra o
“dogma” neoliberal – denunciando uma economia que “mata” -, pedindo maior
atenção às “periferias” geográficas e existenciais.
Entre 2014 e 2015, a
Igreja Católica viveu um processo sinodal dedicado à família, que chamou a
atenção da opinião pública pela atenção dedicada aos casais em segunda união
e à defesa da misericórdia como critério pastoral.
“As situações de
miséria e de conflitos são para Deus ocasiões de misericórdia. Hoje é tempo
de misericórdia”, disse Francisco, no final da assembleia geral ordinária de
2015.
Ainda em 2015, o Papa
lançou a primeira encíclica dedicada ao tema da ecologia, ‘Laudato si’, na
qual defende a valorização do ser humano, da natureza, da fé e da cultura
para superar a atual crise ambiental.
Francisco pede “um
olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um
estilo de vida e uma espiritualidade” que consigam resistir ao “avanço do
paradigma tecnocrático”.
O tema da misericórdia
esteve no centro do Jubileu extraordinário que se encerrou em 2016, durante o
qual, simbolicamente, o Papa canonizou Madre Teresa de Calcutá.
“Comprometeu-se na
defesa da vida, proclamando incessantemente que quem ainda não nasceu é o
mais fraco, o menor, o mais miserável. Inclinou-se sobre as pessoas
indefesas, deixadas a morrer à beira da estrada, reconhecendo a dignidade que
Deus lhes dera; fez ouvir a sua voz aos poderosos da terra, para que
reconhecessem a sua culpa diante dos crimes – diante dos crimes! – da pobreza
criada por eles mesmos”, referiu.
A 12 e 13 de maio de
2017, o Papa cumpriu a sua primeira visita a Portugal, assinalando o
centenário das Aparições de Fátima, num programa de celebrações que inclui a
canonização dos dois pastorinhos mais jovens, Francisco e Jacinta Marto.
A 4 de fevereiro de
2019, em Abu Dhabi, Francisco assinou a declaração sobre a Fraternidade
Humana, com o grande-imã de Al-Azhar, a mais importante
instituição do Islão sunita.
“Hoje também nós, em
nome de Deus, para salvaguardar a paz, precisamos de entrar juntos, como uma
única família, numa arca que possa sulcar os mares tempestuosos do mundo: a
arca de fraternidade. O ponto de partida é reconhecer que Deus está na origem
da única família humana”, declarou, perante representantes de várias
religiões, na primeira visita de um pontífice à Península Arábica.
De 21 a 24 de
fevereiro de 2019, Francisco fez história ao convocar para o Vaticano
presidentes de conferências episcopais, religiosos, vítimas, responsáveis da
Cúria Romana e jornalistas para debater a crise provocada pelos casos de abusos sexuais
e as políticas a implementar para a proteção de menores.
A 27 de março de
2020, numa Praça de São Pedro deserta, por causa da pandemia de Covid-19,
e debaixo de chuva intensa, o Papa presidiu a uma celebração com bênção
especial ‘urbi et orbi’ [à cidade (de Roma) e ao mundo] –, falando de uma
humanidade em que todos estavam “no mesmo barco”.
Para esta oração,
foram levados até ao Vaticano o ícone de Maria ‘Salus populi Romani’, que se
venera na Basílica de Santa Maria Maior, local onde o Papa costuma rezar
antes e depois de cada viagem internacional, para pedir a intercessão da
Virgem Maria; e a cruz venerada na igreja de São Marcelo al Corso, um
crucifixo considerado milagroso que, segundo a tradição popular, pôs fim à
peste de 1522.
A primeira viagem
internacional depois da pandemia teve como destino o Iraque,
em março de 2021, com uma passagem pela cidade de Mossul, ainda a recuperar
da destruição do autoproclamado Estado Islâmico.
“Se Deus é o Deus da
vida – e assim é –, não nos é lícito matar os irmãos no seu nome. Se Deus é o
Deus da paz – e assim é –, não nos é lícito fazer a guerra no seu nome. Se
Deus é o Deus do amor – e assim é –, não nos é lícito odiar os irmãos”, disse
Francisco, no ‘Hosh al-Bieaa’ (praça das igrejas), diante de locais de culto
danificados ou destruídos pelo Daesh, entre 2014 e 2017.
A segunda viagem
do Papa a Portugal decorreu de 2 a 6 de agosto, para presidir
à Jornada
Mundial da Juventude 2023, em Lisboa, e visitar o Santuário
de Fátima, reforçando intervenções em favor de uma Igreja mais aberta.
“Jovens e idosos,
sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar
para todos”, disse, no primeiro encontro com peregrinos, que decorreu no
Parque Eduardo VII.
Mais de 1,5 milhões
de pessoas viriam a participar nas celebrações conclusivas, acolhidas pelo
renovado Parque Tejo.
O Papa, que reformou
a Cúria
Romana e as instituições financeiras do Vaticano, tem vindo a
enfrentar problemas de saúde, com limitações de mobilidade, e enfrenta
tensões internas, visíveis nas recentes polémicas relativas à declaração
sobre bênçãos a casais em situação irregular.
O processo
sinodal 2021-2024, dedicado ao tema da sinodalidade, tem
mobilizado milhares de comunidades católicas e aponta a um novo modo de ser
Igreja, marcado pela escuta e a responsabilização de todos.
“Uma Igreja de jugo
suave, que não impõe pesos e, a todos, repete: Vinde, cansados e oprimidos;
vinde, vós que vos extraviastes ou sentis distantes; vinde, vós que fechastes
as portas à esperança: a Igreja está aqui para vós! A Igreja das portas
abertas para todos, todos, todos”, disse Francisco, na Missa de abertura da
XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, em outubro de 2023.
Do ponto de vista
global, a atenção tem estado centrada no conflito na Ucrânia, após a invasão
russa de 24 de fevereiro de 2022, e na guerra que rebentou na Terra Santa, em
outubro de 2023.
Aos 87 anos de idade, completados no último dia 17 de
dezembro, Francisco é o terceiro pontífice mais velho a governar a Igreja,
nos últimos 700 anos.
Jorge Mario Bergoglio
nasceu em Buenos Aires, capital da Argentina, a 17 de dezembro de 1936; filho
de emigrantes italianos, trabalhou como técnico químico antes de se decidir
pelo sacerdócio, no seio da Companhia de Jesus, licenciando-se em filosofia e
teologia.
Ordenado padre a 13
de dezembro de 1969, foi responsável pela formação dos novos jesuítas e
depois provincial dos religiosos na Argentina (1973-1979).
João Paulo II
nomeou-o bispo auxiliar de Buenos Aires em 1992 e foi ordenado bispo a 27 de
junho desse ano, assumindo a liderança da diocese a 28 de fevereiro de 1998,
após a morte do cardeal Antonio Quarracino.
O primaz da Argentina
seria criado cardeal pelo Papa polaco a 21 de fevereiro de 2001, ano no qual
foi relator da 10ª assembleia do Sínodo dos Bispos.
Tem como lema
‘Miserando atque eligendo’, frase que evoca uma passagem do Evangelho segundo
São Mateus: “Olhou-o com misericórdia e escolheu-o”.
O cardeal Jorge Mario
Bergoglio foi eleito como sucessor de Bento XVI a 13 de março de 2013, após a
renúncia do agora Papa emérito, assumindo o inédito nome de Francisco; é
também o primeiro Papa jesuíta na história da Igreja.
Desde 2013, fez 44
viagens internacionais, nas quais visitou 61 países, incluindo Portugal (2017
e 2023), Brasil, Jordânia, Israel, Palestina, Coreia do Sul, Turquia, Sri
Lanka, Filipinas, Equador, Bolívia, Paraguai, Cuba, Estados Unidos da
América, Quénia, Uganda, República Centro-Africana, México, Arménia, Polónia,
Geórgia, Azerbaijão, Suécia, Egito, Colômbia, Mianmar, Bangladesh, Chile,
Perú, Bélgica, Irlanda, Lituânia, Estónia, Letónia, Panamá, Emirados Árabes
Unidos, Marrocos, Bulgária, Macedónia do Norte, Roménia, Moçambique,
Madagáscar, Maurícia, Tailândia, Japão, Iraque, Eslováquia, Chipre, Grécia
(após ter estado anteriormente em Lesbos), Malta, Canadá, Cazaquistão, Barém,
RD Congo, Sudão do Sul, Hungria (após uma primeira passagem por Budapeste) e
Mongólia; Estrasburgo e Marselha (França), Tirana (Albânia), Sarajevo
(Bósnia-Herzegovina) e Genebra (Suíça).
Dentro da Itália, o
Papa visitou mais de 50 localidades, incluindo a ilha de Lampedusa e a cidade
de Assis.
Entre os principais
documentos do atual pontificado estão as encíclicas ‘Fratelli Tutti’ (2020),
sobre a fraternidade humana e a amizade social; ‘Laudato si’ (2015), dedicada
a questões ecológicas; a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé, 2013), que recolhe
reflexões de Bento XVI; as exortações apostólicas ‘Evangelii Gaudium’ (A
alegria do Evangelho); ‘Amoris Laetitia’ (A alegria do amor), após as duas
assembleias sinodais sobre a família, de 2014 e 2015; “Gaudate et Exsultate”,
sobre o chamamento à santidade no mundo atual; “Christus Vivit”, dedicado aos
jovens, após o Sínodo de 2018; e “Querida Amazónia”, na sequência do Sínodo
especial dedicado a esta região, em 2019.
A 4 de outubro foi
publicada a exortação ‘Laudate Deum’, que deu continuidade à reflexão sobre
ecologia integral lançada em 2015, alertando para um “ponto de rutura” na
crise ambiental.
O texto visava
preparar a COP28, no Dubai, onde se fez anunciar a presença de Francisco,
cancelada por motivos de saúde – sendo o seu discurso lido pelo secretário de
Estado do Vaticano.
No atual pontificado
foram proclamados mais de 900 santos e santas – incluindo um grupo de 805
cristãos que morreram em Otranto (Itália), às mãos dos otomanos muçulmanos em
agosto de 1480 – e mais de 1440 novos beatos.
O elenco inclui
incluindo várias figuras ligadas a Portugal: Francisco e Jacinta Marto,
pastorinhos de Fátima, canonizados a 13 de maio de 2017 na Cova da Iria; D.
Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), arcebispo de Braga, por canonização
equipolente (dispensando o milagre requerido após a beatificação); o
sacerdote português Ambrósio Francisco Ferro, morto no Brasil a 3 de outubro
de 1645 durante perseguições anticatólicas, por tropas holandesas; o padre
José Vaz, nascido em Goa, então território português, a 21 de abril de 1651,
que foi declarado santo no Sri Lanka; e José de Anchieta (1534-1597),
religioso espanhol que passou por Portugal e se empenhou na evangelização do
Brasil.
Francisco convocou ainda nove Consistórios, nos
quais criou 142 cardeais, entre eles D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal; D.
Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa; D. António Marto, bispo emérito
de Leiria-Fátima; e D. José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a
Cultura e Educação.
O atual Papa criou,
entre outros, o Dia Mundial dos Pobres, o Domingo da Palavra de Deus e o Dia
Mundial dos Avós e dos Idosos.
Octávio Carmo
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