Tim Farron demitiu-se do seu cargo de dirigente do Partido Liberal-Democrata britânico depois das recentes eleições. Mas o resultado destas não o justificaria; não se verificou nenhum insucesso no plano político, pelo contrário: esse partido reforçou a sua votação e representação parlamentar e afirmou-se como o mais convictamente europeísta, ocupando, assim, um espaço político próprio e bem delimitado. A razão dessa demissão foi, antes, no dizer do próprio, a dificuldade em conciliar essa sua posição de dirigente de um partido que ele qualificou como “liberal e progressista” com as suas convicções pessoais de cristão evan-gélico que procura ser fiel aos ensinamentos bíblicos.
Durante a campanha eleitoral, Tim Farron foi insistentemente assediado por jornalistas para se pronunciar sobre as suas convicções a respeito da moralidade de aborto e do comportamento homossexual, questões em que essas suas convicções mais contrariam os critérios hoje culturalmente dominantes. Numa entrevista, depois de acentuar que a sua convicção sobre a moralidade do comportamento homossexual nunca o impediria de reconhecer os direitos civis das pessoas homossexuais, até acabou por, hesitantemente, afirmar que não considerava que esse comportamento fosse pecaminoso, muito provavelmente contra o que verdadeiramente pensa, mas cedendo às pressões da cultura dominante.
Também quis deixar claro que as suas convicções liberais o impediam de tentar impor aos outros as suas opiniões morais sobre o aborto ou outras questões. Por isso, afirmou não pretender alterar a muito permissiva legislação britânica relativa ao aborto (tal como afirmou não pretender alterar a lei sobre o casamento homossexual). É certamente discutível esta sua postura, pois na questão do aborto não se jogam apenas convicções de moral pessoal, mas o direito à vida de um terceiro nascituro, inocente e indefeso.
Seja como for, ficou claro que o simples facto de este político aderir a posições morais “contra a corrente” culturalmente dominante, ainda que daí não retirasse consequências no plano da política legislativa, o impedia de dirigir um partido político com pretensões de influência na vida pública. Essa sua dissonância pessoal em relação à mentalidade mais comum, ou melhor, à mentalidade com maior peso na “opinião que se publica”, era suficiente para ser constantemente olhado com desconfiança pela comunicação social, comprometendo, por isso, a imagem do seu partido.
O episódio não deixa de ter alguma semelhança com o que, há alguns anos, envolveu o político e filósofo católico italiano Rocco Bottiglione, cuja nomeação para comissário europeu foi recusada básica-mente porque admitiu a hipótese de reprovar moralmente a prática homossexual, não deixando de esclarecer que dessa reprovação não retirava consequências jurídicas que levassem a discriminar quem adotasse tal prática… É de saudar a atitude de Tom Farron, que colocou a fidelidade à fé cristã que professa acima da sua promissora carreira política. Salvaguardadas as devidas proporções, houve quem, a propósito, evocasse o exemplo de São Tomás Moro, político influente do seu tempo, que também colocou a fidelidade à sua fé cristã acima dos seus empenhos políticos, que sacrificou a ponto de perder a sua própria vida.
E também houve quem, a propósito, denunciasse uma sociedade que, em nome de uma pretensa tolerância, se vem a revelar profundamente intolerante (segundo o mote recorrente em períodos revolucionários: «não há liberdade para os inimigos da liberdade»), salientando que não é Tim Farron que é iliberal, é a sociedade que o condena que é verdadeiramente iliberal.
“Democracia iliberal” – é como veem sendo designados regimes em que governos democraticamente eleitos atropelam liberdades públicas e direitos da oposição (Rússia, Turquia, Hungria, etc.). Mas este exemplo, da pátria de origem do liberalismo, é sintoma de um bem mais profundo iliberalismo: a recusa de direitos de cidadania e participação política a pessoas que, simplesmente, partilham, como “dissidentes morais”, opiniões contrárias às da elite culturalmente influente. Já nem sequer se trata de uma ditadura do “politicamente correto”, trata-se da ditadura do “culturalmente correto”.
Pedro Vaz Patto
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