«O grão de trigo encontra-se completamente feliz, no seu celeiro. Nenhuma goteira, nada de humidade, os outros companheiros são muito amáveis, não há discussões, tudo bem. Permitam-me que diga: felicidadezinha de grão de trigo num celeiro. Façamos a transposição: felicidade do homem, boa situação financeira adquirida com honestidade, êxito nos negócios, boa saúde e assim por diante… Não devemos certamente menosprezar a felicidade humana. Desejo a todos que sejam felizes com essa felicidade, em todo o caso, felicidade de um grão de trigo no seu celeiro! Felicidade diminuta em comparação com o que devemos ser por toda a eternidade.
Imagino que este grão de trigo é muito piedoso, agradece a Deus: Senhor, agradeço-Te quanto me dás, este bem-estar que me faz tão feliz no meu celeiro e que eu desejo que dure para sempre! Ele tem razão para agradecer a Deus. Mas atenção! Não seria conveniente que esse grão de trigo se dirigisse a um Deus que não existe! Pois bem, um Deus que não passasse de autor e garante da felicidadezinha de grão de trigo num celeiro, mesmo se essa felicidade é totalmente legítima, eu digo: esse Deus não existe, é um ídolo. É precisamente o Deus negado por muitos ateus nossos contemporâneos. Podemos afirmar que estão errados? E se o grão de trigo se obstina em cantar cânticos, eu pego na minha caneta e escrevo um tratado para falar da ilusão dos crentes.
Um dia, carregam o trigo sobre uma carroça e vão para o campo. O campo é ainda mais bonito e mais agradável do que o celeiro. Além disso, perante o azul do Céu, o sol, as flores, as árvores, as planícies, as montanhas, o grão de trigo agradece a Deus com mais intensidade: Senhor, eu Te agradeço, é tudo tão belo! Ele tem razão: é preciso agradecer a Deus as coisas lindas que há na terra. Mas não passa de um grão de trigo; um Deus que fizesse com que o grão de trigo fique grão de trigo, um Deus que mantivesse o grão de trigo no celeiro, sem qualquer espécie de fecundidade, um Deus assim não existe.
Chegam ao campo recém-lavrado. Lançam o trigo à terra: um arrepio, está frio! Pouco importa, é agradável, é uma sensação nova. Mas eis que enterram o grão de trigo no solo. Já não vê nada, já não ouve nada, a humidade penetra-o por completo. O grão de trigo que, pela morte inevitável, está a ponto de ser transformado, de tornar-se o que deve ser, quer dizer, numa bela espiga, tem saudades do celeiro onde, de facto, ele era muito feliz, mas feliz com uma felicidadezinha humana. Nesse momento, ele diz o que dizem milhares de homens: se Deus existisse, estas coisas não aconteceriam. É pena, porque é precisamente nessa altura que se trata do verdadeiro Deus: o Deus que o transforma para o fazer passar do estado de grão ao estado de espiga, o que não é possível senão pela morte. O único Deus que existe é Aquele que nos faz crescer, passar duma condição simplesmente humana a uma condição de homem divinizado.
Assim é a história de todos nós. É esta a condição humana. Não há crescimento sem transformação, não há transformação sem morte e novo nascimento». (ALEGRIA DE CRER E DE VIVER de François Varillon, s. j.)
Perante a excelsa beleza e a grandiosidade da verdade contida neste texto, eu fui acometida pelo inevitável desejo evangélico de o partilhar com o nosso/a querido/a leitor/a.
Ana Maria d´Oliveira
Sem comentários:
Enviar um comentário