Zenão e Quirino conheceram-se na tropa. Zenão, por ser daltónico, esperava ser dispensado, mas tal não sucedeu. A sua visão era excelente e foi destinado para a aviação onde, graças à sua não percepção das cores, poderia reconhecer os camuflados no solo. Quirino era um dos pilotos da equipa com que costumava voar e que veio a tornar-se seu amigo. Foi assim que ficou a saber que Zenão gostava de se arranjar bem, mas precisava de pedir ajuda, sobretudo à mãe, para ir comprar roupa e para se vestir de manhã, pois os irmãos, para se divertirem, poderiam combinar as cores de modo a fazê-lo passar por palhaço ou tonto. Felizmente ali sentia-se seguro; com a farda não tinha problemas.
Problema sério estava a ser a escolha de namorada. Além de ter bom gosto, saber combinar cores e ter paciência para lhe escolher a roupa todas as manhãs, a futura mulher deveria possuir todas as qualidades esperadas em tais circunstâncias. E nisto Zenão era muito exigente. “Para os meus filhos” - dizia ele - “tenho obrigação de lhes dar o melhor. Devo procurar uma mulher que seja séria, trabalhadora, fiel, responsável, boa cozinheira... e, sobretudo, que pense como eu em relação à educação dos nossos filhos. No entanto, no meu caso, ela tem de contribuir com algo em que não posso ajudar: tem de educar as crianças num ambiente de bom gosto. No resto, posso e quero ajudar, assim como ela a mim, mas nisto... sou uma nulidade. A escolha vai ser difícil!”
Aquele desabafo bem-humorado e sincero agradou a Quirino que apreciava cada vez mais o colega. Ali estava alguém com a cabeça no lugar, mesmo quando usava o bivaque, a única peça de vestuário que ele, Quirino, lhe devia escolher. Por vezes, a sós, falavam das namoradas e ele terminava sempre a conversa, entre o sério e o brincalhão: “Pois é, para casar é sempre bom que o outro possa colaborar com aquilo que não temos!” Zenão sorria e percebia o segundo sentido do comentário.
O que ele ainda não percebia era a grande simpatia que os unia e estava a ponto de se tornar definitiva. Quirino tinha quatro irmãos dos quais dois eram raparigas. A mais velha já tinha casado, mas a mais nova, Camila, parecia-lhe adequada para este amigo que parecia tão sensato. Não descansou enquanto não o apresentou à família num dia de parada e festa próximo do quartel. Zenão não se mostrou particularmente interessado na jovem, mas conversou com todos amavelmente. Não desconfiava das intenções de Quirino e nem se atrevia a pensar na rapariga, não fossem as coisas correr mal e perder aquela amizade que tanto apreciava. Até sentia vergonha de imaginar a sua futura mulher, fosse ela qual fosse, a responsabilizar-se pelas suas roupas como fazem as mães com os seus filhos.
O que tem de acontecer, acontece. Aqueles encontros familiares iam-se sucedendo, mesmo depois de terminado o tempo de serviço militar, e o casamento de Zenão e Camila deu-se seis anos depois de os dois amigos se conhecerem. O grande impulso surgiu com o casamento de Quirino, dois anos antes, pois a sua mulher organizava jantares e cafés com amigos, ou passeios com os sobrinhos aos sábados de manhã. Zenão e Camila eram sempre requisitados para darem apoio nessas iniciativas. O casamento resultou em cheio pois, tal como nos aviões, Zenão via na família muitas realidades que os outros não conseguiam enxergar, defendendo-a de ataques perigosos de leis e costumes perversos.
Todas as histórias acabam bem porque, afinal, tudo está previsto para acontecer na hora e no lugar certo sobre a face da terra. Não devemos preocupar-nos. Basta reconhecer a verdade e agir, prudentemente, em conformidade com ela. Entenda quem puder entender...
Isabel Vasco Costa
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