Como é possível que o Vaticano seja citado entre os países em desacordo com as regras de combate à lavagem de dinheiro?
Entre os muitos artigos publicados sobre o Instituto
para as Obras de Religião (IOR, vulgarmente chamado de “banco do
Vaticano”), citam-se muitas vezes as medidas que o Vaticano está tomando
para responder aos padrões internacionais de transparência e combate à
lavagem de dinheiro.
Igualmente, lê-se com frequência que tal ou qual banco está na “lista negra” ou na “lista branca”. Mas o que isto significa?
O site da OCDE atualiza a cada ano a lista de "paraísos fiscais", ou
seja, países ou territórios que não se comprometeram a cumprir as normas
internacionais contra a lavagem de dinheiro.
E o que significa estar na lista negra? Até 2015, três países
europeus estavam nela: Luxemburgo, San Marino e o Vaticano. O fato gerou
muito falatório, no mais das vezes desorientado.
O fato concreto é que, em especial a partir da implantação do euro,
esses países tiveram de passar por muitos exames para entrar no clube
dos países “à prova de lavagem de dinheiro”. O processo inclui a revisão
de balanços e investimentos de estados soberanos por parte de
funcionários da União Europeia, que, basicamente, fiscaliza se há
pessoas físicas ou jurídicas com depósitos ou movimentação de dinheiro
em contas de bancos cuja sede fica no país investigado.
Entre os titulares de contas, muitos procuram confidencialidade, seja
por razões legítimas, seja por motivos fraudulentos. As razões
legítimas vão desde a mera preferência por confidencialidade pessoal até
oportunidades de otimização fiscal. Já os motivos ilícitos visam
agilizar o reinvestimento de fundos de origem ilegal através de serviços
financeiros que assegurem certo grau de opacidade. Essas razões e
motivos podem muitas vezes coexistir.
Digamos que uma pessoa esteja à beira da falência e decide transferir
a terceiros a propriedade de empresas ou unidades de negócio, mesmo
mantendo o controle prático sobre elas. Uma estratégia funcional para
evitar que tais ativos ainda possam ser identificados como ligados a ele
é transferi-los para o exterior, com o envolvimento de países e
jurisdições diferentes, a fim de criar uma rede bem estruturada de nexos
proprietários e fluxos financeiros, difícil de reconstruir em processos
de falência ou no caso de haver processos judiciais.
Assim, pode-se recorrer a países onde é possível estabelecer
facilmente veículos societários pouco transparentes: por exemplo, uma
trust controlado como trustee por sociedades anónimas com sede no mesmo
país, ou por sociedades de responsabilidade limitada com sede em outras
jurisdições, de preferência com alto nível de opacidade ou com
privilégios fiscais (para otimizar, ainda, a carga tributária).
A fim de assegurar o controle dessas empresas, os sujeitos em questão
podem nomear laranjas como seus administradores, valendo-se, por
exemplo, dos serviços de profissionais da área jurídica e contabilística que
operam em outros países, de modo a direcionar facilmente a gestão. No
tocante à gestão financeira, podem-se constituir relatórios financeiros
via intermediários com sede em jurisdições que oferecem proteção ao
segredo bancário, isto é, que não mantêm adequado nível de cooperação
internacional no combate ao branqueamento de capitais.
As “listas brancas”, compiladas por organizações supranacionais, têm,
portanto, um lado bom, mas também implicam grande perda de soberania.
Se não aceitar essa interferência externa, o país colocado na “lista
negra” sofrerá grande dano de imagem; no caso do Vaticano, esse dano é
ainda maior.
E quantas listas existem? Existe uma lista negra, uma cinza, uma
cinza claro e uma branca. No momento, Costa Rica, Malásia, Filipinas e
Uruguai são os países da lista negra da OCDE sobre os paraísos fiscais.
Eles estão sujeitos a sanções previstas pelo acordo do G20.
Na lista branca estão os países e territórios que seguem as normas
internacionais e que já assinaram pelo menos doze acordos de
conformidade com esses padrões. Atualmente, são eles África do Sul,
Alemanha, Argentina, Austrália, Barbados, Canadá, China, Chipre, Coreia
do Sul, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Espanha, Estados
Unidos, Finlândia, França, Grécia, Guernsey, Holanda, Hungria, Irlanda,
Ilha de Man, Ilhas Maurício, Ilhas Virgens, Islândia, Itália, Japão,
Jersey, Malta, México, Noruega, Nova Zelândia, Polónia, Portugal, Reino
Unido, República Tcheca, Rússia, Seychelles, Suécia e Turquia.
Na lista cinza há 31 países e territórios que se comprometeram a
respeitar os padrões internacionais, mas que, até a data, assinaram
menos de doze acordos de conformidade com esses padrões: Andorra,
Anguilla, Antígua e Barbuda, Aruba, Bahamas, Bahrain, Belize, Bermuda,
Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Dominica, Gibraltar,
Granada, Libéria, Liechtenstein, Ilhas Marshall, Mónaco, Montserrat,
Nauru, Antilhas Holandesas, Niue, Panamá, São Kitts e Nevis, Santa
Lúcia, São Vicente e Granadinas, Samoa, São Marino, Turk e Caicos,
Vanuatu.
Na lista cinza claro há 8 países: Áustria, Bélgica, Brunei, Chile, Guatemala, Luxemburgo, Singapura, Suíça.
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