Páginas

quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma leitura árabe do pontificado do Papa Francisco

A jornalista libanesa Hala Homsi centra-se na renúncia de Bento XVI e no trabalho de Bergoglio


Roma, 02 de Março de 2015 (Zenit.org) Robert Cheaib


Dois anos se passaram após a renúncia do Papa Bento XVI e da eleição do Papa Francisco. Dois anos cheios de novidades e de acontecimentos inéditos. Nesta entrevista concedida a ZENIT, a jornalista libanesa, Hala Homsi, especialista desde 1995 em matéria religiosa para o jornal Annahar nos apresenta a sua leitura desta página da história da Igreja Católica.

***

ZENIT: Qual é a sua leitura do acontecimento histórico da renúncia de Bento XVI há dois anos da sua ocorrência?
Hala Homsi: A renúncia do Papa Bento é um evento mais do que histórico. O Papa tem despertado uma onda de reforma na Igreja, mais do que qualquer discurso reformador, concretizando uma coragem sem precedentes. Com esta renúncia, abriu uma nova prática mudando uma tradição que diz respeito à própria posição do Papa, através de um gesto que não acontecia há séculos.

O mínimo que podemos dizer é que sua escolha manifestou a sua personalidade: a humildade do grande teólogo, a coragem do pensador, a natureza do escritor prolífico, que preferiu descansar entre os seus livros do que continuar com o ritmo cansativo para ele e para a Igreja. Agiu seguindo os passos de um homem livre. É um papa livre.

ZENIT: Foi possível captar a motivação “benéfica” da renúncia, na sua opinião?
Hala Homsi: Talvez a renúncia foi feita por motivos de saúde. Mas o que fez não foi uma coisa fácil. A sua renúncia testou a solidez da Igreja, com uma situação inusitada: a da presença de dois "papas", no Vaticano. Com a presença de saudosos que ainda desejam o pontífice que renunciou.

Outro aspecto interessante da renúncia do Papa Bento é que, embora tenha acontecido há mais de dois, está ainda muito longe de ser esquecida. Tal facto motivou o seu secretário pessoal, mons. Georg Gänswein, a esclarecer – no dia 12 de Fevereiro de 2015 – que a renúncia de Ratzinger “aconteceu sem nenhuma pressão externa”, e isso como resposta a rumores que diziam que o papa tinha renunciado sob pressão. Tais suspeitas são naturalmente levantadas por má intenção, resultado do descontentamento de alguns para com o pontificado de Francisco. Só resta, no entanto, que a renúncia tenha sido feita por um homem forte, não por um homem fraco.

ZENIT: O pontificado do Papa Francisco representa para alguns uma "primavera evangélica” na Igreja. Você é dessa opinião?
Hala Homsi: A força do papa Francisco está na sua capacidade de abaixar o papado para os fiéis e aproximar a Igreja do seu povo e dos pobres. E isso aconteceu desde o primeiro instante da sua eleição. É uma revolução no papado. O Papa Francisco vive o que crê, mesmo que isso requeira a quebra de protocolos e de práticas. Desde o começo isso foi manifestado e os fiéis tocaram com a mão o trabalho do Papa, e como encarna o Evangelho diante deles.

A força de Francisco é o seu estar perto dos pobres. É um Papa que reconcilia a Igreja com povo e que recorda aos eclesiásticos “a Palavra” e os leva às fontes. Por isso é o Papa que limpa o rosto da Igreja depois dos escândalos que a mancharam.

Primavera evangélica? Para muitos é assim. E de uma perspectiva jornalística, vejo que o Papa Francisco está injectando no corpo eclesial um grande espírito de renovação. A pergunta que permanece é essa: o que o deixarão fazer? Conseguirá completar a sua reforma? Sem dúvida, a sua missão não será nada fácil.

ZENIT: O que você acha daqueles que acusam Bergoglio de ser “um comunista”?
Hala Homsi: Fofocas sem fundamento. Que dera os comunistas fossem como o Papa Francisco! Seriam chamados de “evangélicos” (referindo-se ao evangelho)! O facto é que o Papa tem quem o apoia e quem não o apoia. Existem inimigos na Cúria, na Igreja e fora dela. O seu estilo reformador não agrada a todos. As acusações que lhe dirigem, como essa de comunista, caótico ou “destruidor da dignidade do Papado” são tentativas dispersivas que traem um reconhecimento da batalha reformadora que o Papa está levando adiante.

ZENIT: O Papa Francisco dedicou especial atenção ao Oriente Médio. Lembro-me, por exemplo, da oração pela Paz na Síria, da visita na Jordânia e Palestina (reconhecendo, de facto, o estado palestiniano), a oração com o presidente palestino e o presidente Israelita no Vaticano. Como você resumo a imagem que se reflecte no Oriente Médio?
Hala Homsi: O Papa Francisco tem uma grande popularidade no Oriente Médio, especialmente no Líbano. É amado pelo povo e a sua figura é omnipresente. Cristãmente falando, as suas homilias e as suas muitas actividades diárias são muito seguidas, especialmente graças à cobertura da media cristã que não demoram para levar as suas actividades e as celebrações que preside.

De um ponto de vista muçulmano, é um líder religioso muito respeitado por seu discurso e pelas suas posições. Se os libaneses pudessem expressar um desejo, o seu desejo é que o Papa Francisco visite o Líbano, como fizeram Bento e São João Paulo II. Tal visita traria um grande fruto à nação.

ZENIT: Considerando as tragédias que o Oriente Médio está vivendo hoje, e não só, quais iniciativas desejadas pelo Santo Padre?
Hala Homsi: Há nos corações um grande temor pelo futuro, por causa da expansão do Isis e da sua brutalidade. Os cristãos se tornaram “projectos” de martírio prontos para a execução. Foram dispersos, expulsos das suas casas, das suas terras. É normal que os cristãos tenham necessidade de protecção na sua própria terra natal?

O Santo Padre tem feito grandes esforços. Ele continua a ser a voz forte de cristãos em frente à comunidade internacional. Também é importante que apoie os cristãos de língua árabe nas suas terras de origem, através de projectos e iniciativas que reforçam a sua presença. Um exemplo poderia ser a promoção dos meios de comunicação cristãos que têm um grande papel na difusão da palavra, na consolidação dos cristãos e no seu crescimento. É, sem dúvida, a hora de trabalhar, e o trabalho é muito.

Sem comentários:

Enviar um comentário