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sexta-feira, 7 de abril de 2023

Homilia de Sexta-feira Santa


Sé de Beja, 2023

 

Queridos irmãos e irmãs:

1 - Vamos, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno.

Com estas palavras, o autor da Carta aos Hebreus convidava-nos, antes da proclamação da Paixão do Senhor, a aproximar-nos de Jesus Cristo, contemplando-O penetrando no Céu como Sumo-Sacerdote. De facto, na festa do Yom Kippur, ou seja, do Grande Perdão, o Sumo-Sacerdote de Israel entrava no Santo dos Santos, onde se encontrava a Arca da Aliança, levando nas mãos o sangue de um cabrito e invocava o nome de Deus. Com este gesto, ele reconduzia para Deus a vida do povo de Israel que, pelo pecado, d’Ele se tinha afastado.

A festa do Yom Kippur, tão importante para o povo de Israel, não foi herdada pelos cristãos. Herdámos a Páscoa, o Pentecostes, mas não o Yom Kippur. Porquê? A festa do Yom Kippur era uma profecia que Deus cumpriu no sacrifício do Seu Filho Jesus. Todo o cristianismo é o anúncio, a proclamação do perdão dos pecados de todo o homem, de todo o mundo. Jesus ressuscitado, aparecendo aos apóstolos, mandou-os anunciar que todos os pecados estão perdoados. Jesus tomou sobre si os pecados das multidões e intercedeu pelos pecadores como escutámos no final da primeira leitura.

 2 - À nossa mentalidade individualista, pode parecer estranha esta afirmação: Como pode um único homem carregar com os pecados de todos os outros, e alcançar-lhes o perdão? Cristo é o novo Adão!  Assim como pelo pecado de Adão a morte entrou no mundo e atingiu todos os homens, assim também, pelo Sacrifício de Jesus, pela Sua Morte e Ressurreição, a Vida Eterna é oferecida a todo o que n´Ele crê. Ele é verdadeiramente a Fonte da Salvação, Aquele que perdoa os pecados e nos dá o seu Espírito Santo. Acreditamos que, na Sua Cruz, carregou com os pecados de todo o mundo e Se fez pecado por amor de nós, como afirma São Paulo. Ressuscitado dos mortos, Ele forma-Se e vive em nós, que acreditamos n´Ele, perdoa todas as culpas e oferece-nos o Seu Espírito de Amor. Quem vive esta intimidade com Ele pode afirmar com São Paulo: já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim. De facto, Jesus morreu e Ressuscitou para que nós, que estamos vivos, deixemos de viver para nós próprios e vivamos para Ele, que por nós morreu e ressuscitou.

Como vemos, toda a humanidade antes de Cristo converge para Ele e toda a humanidade posterior a Ele, é d´Ele que recebe o perdão e a Vida. Ele é o Salvador, o Redentor de toda a humanidade. Ele é a descendência de Abraão, na qual todas as nações da terra, segundo a promessa, alcançam as bênçãos do Senhor.

3 - A fé que recebemos dos Apóstolos é um percurso feito com Cristo, presente nos irmãos. Na Igreja Católica recebemos o anúncio pelo qual Cristo incarna e se forma em nós, à semelhança do que aconteceu com a Virgem Maria, à semelhança também do que se passou com os Apóstolos. Esse percurso leva-nos a escutar e a aprender os gestos e as palavras do Senhor, tal como os conhecemos do Evangelho. Leva-nos sobretudo ao Calvário, onde, contemplando Cristo pregado na Cruz como o Sumo Sacerdote que penetra nos Céus, recebemos Maria por Mãe. A sua fecundidade, quando perdia o seu Filho único, alarga-se e abrange-nos a todos nós, discípulos de Jesus. Em João, no Calvário, todos nós estávamos representados. Realmente precisamos de Maria como nossa Mãe para crescermos como discípulos adultos de Jesus e podermos, com o Seu Espírito, dar testemunho da Sua Ressurreição.

É esse testemunho que suscita e alimenta a fé cristã. Por meio dele a Igreja se edifica e cresce. A fonte desse testemunho está no Calvário, está no Mistério da Cruz que hoje, Sexta Feira Santa, viemos contemplar e adorar.

4 – Que vemos nós na Cruz do Senhor? Que contemplamos nesse símbolo que a Igreja gravou primeiro em nossas frontes quando fomos batizados? Vemos, antes de mais, as terríveis consequências dos nossos pecados. Com eles destruímos e rejeitamos a expressão maior do amor de Deus Pai que nos enviou o Seu Filho Único. Como os vinhateiros da parábola, também nós nos recusamos a receber o Filho, o Herdeiro, e a dar-Lhe os frutos da vinha, e O matamos fora das portas da cidade, para nos apoderarmos da Sua herança.

Na Cruz vemos também até onde chega o amor de Deus por nós. Ele entregou-nos o Seu Filho que nos amou até ao fim deixando-Se crucificar, aceitando ser rejeitado e carregando com os nossos pecados. Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a Sua Vida por nós. Há uma antiga lenda que afirma que a cruz de Jesus, o novo Adão, foi levantada sobre o túmulo do antigo Adão, e que os seus ossos ressequidos, regados pelo sangue do Salvador, voltaram à vida.

A Cruz de Cristo é para nós o sinal da Aliança Nova e Eterna que o Senhor prometera por meio dos profetas, Aliança selada pelo Sangue de Cristo. É também o lugar do nascimento da Igreja, o sinal do culto novo inaugurado por Jesus ao oferecer-Se a Si mesmo ao Pai, culto que veio pôr termo aos sacrifícios de animais que se faziam no templo de Jerusalém.

É também o sinal da bênção. Como sabeis, caros irmãos, a cruz era sinal de maldição. Quem nela era suspenso era considerado maldito, rejeitado da terra, condenado a morrer, sufocado, entre o céu e a terra. Para nós, cristãos, tudo é abençoado pelo sinal da Cruz. E se percorremos as Escrituras Sagradas, vemos que o mistério da Cruz está anunciado, por exemplo, na arca de Noé, na vara de Moisés, na serpente de bronze e em tantíssimas outras formas por meio das quais o Senhor salvou o Seu povo da morte.

5 – Caríssimos irmãos: se temos consciência do valor da Santa Cruz, exaltemo-la. Demos-lhe, em nossas casas e em nossas vidas, o lugar central, para que seja ela a presidir aos nossos trabalhos e descansos. Hoje e amanhã, devemos genufletir perante ela. Ela torna presente para nós o maior tesouro das nossas vidas: a Aliança de amor de Deus para connosco, e o compromisso de vivermos na obediência à Sua Santa Vontade.

Hoje, ao aproximarmo-nos da Cruz para adorarmos o Senhor Jesus Cristo, Nosso Salvador, vamos confiantes ao trono da Graça! Para alcançarmos misericórdia e obtermos a Graça de um auxilio oportuno.

+ João Marcos


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