Sé de Beja, 2023
Queridos irmãos e irmãs:
1 - Vamos, cheios de confiança ao
trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um
auxílio oportuno.
Com estas palavras, o autor da Carta
aos Hebreus convidava-nos, antes da proclamação da Paixão do Senhor, a
aproximar-nos de Jesus Cristo, contemplando-O penetrando no Céu como
Sumo-Sacerdote. De facto, na festa do Yom Kippur, ou seja, do Grande Perdão, o
Sumo-Sacerdote de Israel entrava no Santo dos Santos, onde se encontrava a Arca
da Aliança, levando nas mãos o sangue de um cabrito e invocava o nome de Deus.
Com este gesto, ele reconduzia para Deus a vida do povo de Israel que, pelo
pecado, d’Ele se tinha afastado.
A festa do Yom Kippur, tão importante
para o povo de Israel, não foi herdada pelos cristãos. Herdámos a Páscoa, o
Pentecostes, mas não o Yom Kippur. Porquê? A festa do Yom Kippur era uma
profecia que Deus cumpriu no sacrifício do Seu Filho Jesus. Todo o cristianismo
é o anúncio, a proclamação do perdão dos pecados de todo o homem, de todo o
mundo. Jesus ressuscitado, aparecendo aos apóstolos, mandou-os anunciar que
todos os pecados estão perdoados. Jesus tomou sobre si os pecados das
multidões e intercedeu pelos pecadores como escutámos no final da primeira
leitura.
2 - À nossa mentalidade individualista, pode
parecer estranha esta afirmação: Como pode um único homem carregar com os
pecados de todos os outros, e alcançar-lhes o perdão? Cristo é o novo Adão! Assim como pelo pecado de Adão a morte entrou
no mundo e atingiu todos os homens, assim também, pelo Sacrifício de Jesus,
pela Sua Morte e Ressurreição, a Vida Eterna é oferecida a todo o que n´Ele crê.
Ele é verdadeiramente a Fonte da Salvação, Aquele que perdoa os pecados e nos dá
o seu Espírito Santo. Acreditamos que, na Sua Cruz, carregou com os pecados de
todo o mundo e Se fez pecado por amor de nós, como afirma São Paulo.
Ressuscitado dos mortos, Ele forma-Se e vive em nós, que acreditamos n´Ele, perdoa
todas as culpas e oferece-nos o Seu Espírito de Amor. Quem vive esta intimidade
com Ele pode afirmar com São Paulo: já não sou eu que vivo é Cristo que vive
em mim. De facto, Jesus morreu e Ressuscitou para que nós, que estamos
vivos, deixemos de viver para nós próprios e vivamos para Ele, que por nós
morreu e ressuscitou.
Como vemos, toda a humanidade antes de Cristo converge para Ele e toda a humanidade posterior a Ele, é d´Ele que recebe o perdão e a Vida. Ele é o Salvador, o Redentor de toda a humanidade. Ele é a descendência de Abraão, na qual todas as nações da terra, segundo a promessa, alcançam as bênçãos do Senhor.
3 - A fé que recebemos dos Apóstolos
é um percurso feito com Cristo, presente nos irmãos. Na Igreja Católica
recebemos o anúncio pelo qual Cristo incarna e se forma em nós, à semelhança do
que aconteceu com a Virgem Maria, à semelhança também do que se passou com os
Apóstolos. Esse percurso leva-nos a escutar e a aprender os gestos e as
palavras do Senhor, tal como os conhecemos do Evangelho. Leva-nos sobretudo ao
Calvário, onde, contemplando Cristo pregado na Cruz como o Sumo Sacerdote que
penetra nos Céus, recebemos Maria por Mãe. A sua fecundidade, quando perdia o
seu Filho único, alarga-se e abrange-nos a todos nós, discípulos de Jesus. Em
João, no Calvário, todos nós estávamos representados. Realmente precisamos de
Maria como nossa Mãe para crescermos como discípulos adultos de Jesus e
podermos, com o Seu Espírito, dar testemunho da Sua Ressurreição.
É esse testemunho que suscita e alimenta a fé cristã. Por meio dele a Igreja se edifica e cresce. A fonte desse testemunho está no Calvário, está no Mistério da Cruz que hoje, Sexta Feira Santa, viemos contemplar e adorar.
4 – Que vemos nós na Cruz do Senhor? Que
contemplamos nesse símbolo que a Igreja gravou primeiro em nossas frontes
quando fomos batizados? Vemos, antes de mais, as terríveis consequências dos
nossos pecados. Com eles destruímos e rejeitamos a expressão maior do amor de
Deus Pai que nos enviou o Seu Filho Único. Como os vinhateiros da parábola,
também nós nos recusamos a receber o Filho, o Herdeiro, e a dar-Lhe os frutos
da vinha, e O matamos fora das portas da cidade, para nos apoderarmos da Sua
herança.
Na Cruz vemos também até onde chega o
amor de Deus por nós. Ele entregou-nos o Seu Filho que nos amou até ao fim
deixando-Se crucificar, aceitando ser rejeitado e carregando com os nossos
pecados. Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a Sua Vida por nós.
Há uma antiga lenda que afirma que a cruz de Jesus, o novo Adão, foi levantada
sobre o túmulo do antigo Adão, e que os seus ossos ressequidos, regados pelo
sangue do Salvador, voltaram à vida.
A Cruz de Cristo é para nós o sinal
da Aliança Nova e Eterna que o Senhor prometera por meio dos profetas, Aliança
selada pelo Sangue de Cristo. É também o lugar do nascimento da Igreja, o sinal
do culto novo inaugurado por Jesus ao oferecer-Se a Si mesmo ao Pai, culto que
veio pôr termo aos sacrifícios de animais que se faziam no templo de Jerusalém.
É também o sinal da bênção. Como sabeis, caros irmãos, a cruz era sinal de maldição. Quem nela era suspenso era considerado maldito, rejeitado da terra, condenado a morrer, sufocado, entre o céu e a terra. Para nós, cristãos, tudo é abençoado pelo sinal da Cruz. E se percorremos as Escrituras Sagradas, vemos que o mistério da Cruz está anunciado, por exemplo, na arca de Noé, na vara de Moisés, na serpente de bronze e em tantíssimas outras formas por meio das quais o Senhor salvou o Seu povo da morte.
5 – Caríssimos irmãos: se temos
consciência do valor da Santa Cruz, exaltemo-la. Demos-lhe, em nossas casas e
em nossas vidas, o lugar central, para que seja ela a presidir aos nossos trabalhos
e descansos. Hoje e amanhã, devemos genufletir perante ela. Ela torna presente
para nós o maior tesouro das nossas vidas: a Aliança de amor de Deus para connosco,
e o compromisso de vivermos na obediência à Sua Santa Vontade.
Hoje, ao aproximarmo-nos da Cruz para adorarmos o Senhor Jesus Cristo, Nosso Salvador, vamos confiantes ao trono da Graça! Para alcançarmos misericórdia e obtermos a Graça de um auxilio oportuno.
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