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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Para aplicar Documento Final do Sínodo, é preciso “voltar às bases”

Padre Sérgio Leal

 | 6 Jan 2025

Padre Sérgio Leal. Foto Rede Sinodal em Portugal

Sérgio Leal, docente da Universidade Católica Portuguesa e pároco de Anta e Guetim, na diocese do Porto, é o terceiro entrevistado da Rede Sinodal em Portugal. Foto © Rede Sinodal em Portugal


Licenciou-se em 2018 na Universidade Lateranense com uma dissertação sobre a sinodalidade como estilo pastoral, e concluiu o doutoramento em 2024, na mesma universidade pontifícia, com uma tese sobre o exercício do ministério pastoral numa Igreja sinodal. Sérgio Leal, docente da Universidade Católica Portuguesa e pároco de Anta e Guetim, na diocese do Porto, é o entrevistado da Rede Sinodal em Portugal, naquele que é o terceiro episódio da iniciativa “No coração da esperança”, promovida em parceria com o 7MARGENS, Diário do Minho, Voz Portucalense, Correio do Vouga, Correio de Coimbra, A Guarda, Rede Mundial de Oração do Papa, Folha do Domingo.

A entrevista – que pode ser vista no vídeo abaixo – é publicada no dia em que a Igreja Católica celebra a Epifania do Senhor e em que a Rede Sinodal assinala um ano de existência.

 

Após três anos de um caminho sinodal que envolveu milhões de pessoas e de duas sessões do Sínodo dos Bispos em Roma, que leitura faz do Documento Final do Sínodo?

Em primeiro lugar, creio que devemos olhar para este documento como um trabalho que nasceu de um processo maturado de três anos e creio que é este respeito que devemos ter por este documento e a alegria de um documento que traz a reflexão de tantos homens e mulheres das mais diferentes geografias do planeta. Em fases distintas de um mesmo processo: desde uma escuta sinodal que começou nas igrejas particulares, desde as pequenas comunidades às maiores, à maturação deste processo nos encontros continentais até chegarmos às assembleias, às duas assembleias que aconteceram em Roma em Outubro de 2023 e de 2024.

E, portanto, este documento, em primeiro lugar, é um ponto de partida para uma terceira fase, que é fundamental, que é a fase da aplicação. Isto é, um processo sinodal seria um processo estéril se ficasse apenas por um bom documento ou por um documento que aponte bons desafios, mas se eles não se tornarem operativos na sua aplicação.

Quando olhamos este documento, creio que ele parte de uma consciência fundamental que é renovar a nossa consciência sinodal, o nosso sermos Igreja. Daí que o primeiro e grande desafio que emerge da leitura deste documento é percebermo-nos chamados ao coração da sinodalidade, chamados à conversão. Uma conversão que, em primeiro lugar, é uma conversão pessoal, mas também uma conversão eclesial no sentido de valorizarmos essa primeira categoria fundamental que é a categoria do povo de Deus. De tornarmos operativo aquilo que dizia já o Concílio Vaticano, na Lumen Gentium – essa ‘revolução copernicana’ que apontava o cardeal Suenens para a Lumen Gentium – de que antes de dizermos o que cada um faz na Igreja, tomamos consciência de que somos como batizados participantes de uma Igreja que é mistério, porque nasce do coração de Cristo e conta com cada homem e cada mulher para a sua construção, e de uma Igreja que é povo de Deus.

E é esta consciência de sermos povo que a sinodalidade quer apontar. E toda a conversão sinodal e pastoral que é necessária tem de nascer destes elementos fundamentais: comunhão e unidade, unidade na missão, uma unidade e harmonia a partir da diversidade dos vários ministérios dons e carismas que encontramos na Igreja.

E por isso, esse primeiro capítulo deste documento final aponta para aí, para esse coração da sinodalidade, que é fundamental para depois levarmos a cabo todo um caminho de renovação e de conversão pastoral que coloca em marcha processos de renovação eclesial, que conjugue dois grandes pilares fundamentais ou duas grandes novidades às quais a Igreja tem que dar resposta: à novidade de cada tempo e de cada cultura, mas também à novidade do Evangelho que se apresenta para nós sempre como novo.

Portanto, haveremos de saber dar resposta à novidade do tempo em que vivemos, de olharmos para a cultura contemporânea, não como um inimigo do Evangelho, mas como um lugar oportuno para que esse Evangelho seja anunciado.

E aqui abre-se também um caminho que é fundamental na sinodalidade, que é o diálogo e o encontro, promover uma cultura de diálogo, de encontro, de partilha e de discernimento conjunto. Não temos receitas prévias, temos um caminho a fazer e um processo de conversão pastoral a colocar em marcha.

Questionários para Sínodo 2023. Foto © Diocese Leiria-Fátima.

Questionários realizados pela diocese de Leiria-Fátima na primeira fase do Sínodo. “Gostaria que este processo de aplicação [do Documento Final] tivesse a mesma amplitude que teve o processo de escuta”, diz o padre Sérgio Leal. Foto © Diocese Leiria-Fátima

Nesta fase de receção do Documento Final do Sínodo, que ideias podemos lançar para a sua aplicação no concreto da vida das dioceses, paróquias, instituições e movimentos da Igreja?

No processo de aplicação deste documento final, creio que devemos ter em conta, em primeiro lugar, que é um processo, evitando duas tentações: a tentação do imediatismo, de querermos já no imediato um conjunto de transformações e de mudanças, até porque temos que ter algum cuidado com esta precipitação para a mudança. Quando é preciso mudar tudo, é porque não temos nada de essencial, e nós temos.

Temos que fazer este processo de mudança a partir de uma fidelidade criativa ao Evangelho, uma fidelidade criativa à tradição eclesial. E, portanto, há que evitar esta tentação do imediatismo, mas também a tentação de prolongarmos indefinidamente este processo de aplicação. Que se abra um verdadeiro discernimento, que é pastoral e que é evangélico, um discernimento que implica oração, reflexão, mas também operatividade. Um discernimento que implica decisões corajosas e ousadas para o nosso tempo. E, por isso, é necessário evitar esta tentação do imediatismo e é necessário fazermos deste processo de aplicação um processo também de discernimento, tal como ele aconteceu desde a escuta até à reflexão sinodal nas duas assembleias que aconteceram em Roma.

Não podemos querer que um processo que demorou três anos agora seja aplicado em três meses. É necessário um processo de aplicação que há de ser descentralizado, como propõe o documento final.

E eu diria, porque já o disse antes, durante o processo sinodal, que gostaria que este processo de aplicação tivesse a mesma amplitude que teve o processo de escuta. Agora já não para levantar e fazer um diagnóstico da realidade, mas aplicar, tornar operativos todos estes desafios, optando pela mesma metodologia.

Portanto, voltar às comissões sinodais diocesanas, às comissões paroquiais. Isto é, voltar aqui, voltar à base, como temos dito, voltar às bases e a partir daí, gerar um processo de discernimento localizado onde a pergunta fundamental há de ser esta: o que é que o Espírito Santo nos está a pedir aqui agora.

E este aqui e agora evita-nos um saudosismo do passado, de um passado porventura que nunca existiu. Por isso é que, às vezes, existem tantos saudosos dele. Mas pensarmos e repensarmos a ação eclesial, à luz do aqui e agora neste lugar concreto e neste tempo que o Senhor nos chama a viver. Os homens e mulheres de hoje não são menos capazes de Deus que os homens e mulheres do passado.

Depois este documento sinodal, este documento final, aponta-nos algumas coordenadas importantes: em primeiro lugar, do documento final, emergem pontos de consenso e de comunhão. O processo sinodal não visa gerar decisões de maioria ou minoria, ainda que tenha havido uma votação para os seus diversos pontos, mas é sobretudo um documento que nasce do consenso e comunhão gerada no caminho percorrido pela Igreja.

Depois existem também questões a aprofundar nos diferentes grupos de estudo que foram criados, mas também questões a aprofundar que aparecem neste documento. Por exemplo, os ministérios, que eu creio que é um caminho que a Igreja deveria nesta fase de aplicação, apontar e aprofundar, refletir. Até porque há de facto, aqui, neste âmbito concreto, a liberdade que em cada região pastoral, em cada conferência episcopal, a liberdade de se pensar em novos ministérios. É verdade, como diz o documento, nem todos os carismas têm que ser traduzidos em ministérios, nem todos os ministérios têm de ser instituídos. Mas um ministério instituído é um serviço confiado pela Igreja e que aponta também aquelas que são as prioridades da Igreja.

Creio que seria importante nesta fase de aplicação, pensarmos quais são as nossas prioridades pastorais. O que é que é essencial apontar já em primeiro lugar? E a criação de ministérios instituídos para algumas prioridades pastorais indicaria também de quanto é prioritário para a Igreja estes caminhos. No documento fala-se do ministério de escuta e acompanhamento. Porque, na verdade, os ministérios instituídos até agora estiveram muitas vezes remetidos ao âmbito do ministério ordenado. E, por outro lado, estes ministérios também estiveram de algum modo confinados ao âmbito litúrgico do leitor e de acólito.

Era importante que no repensar destes ministérios estivesse presente uma opção missionária, esta Igreja em saída de que nos fala o Papa Francisco. A capacidade de sabermos articular este ad intra e ad extra da Igreja. Isto é, de nos repensarmos como Igreja e a nossa comunhão eclesial a partir da missão que temos diante de nós. Para que não fiquemos encerrados nos muros da nossa ação eclesial, mas capazes de um diálogo com a cultura contemporânea. E aí encontraremos um conjunto de desafios importantes, pois também a promoção dos diferentes órgãos de participação e de corresponsabilidade.

A sinodalidade é muito mais que um somatório de estruturas de sinodalidade, mas ela pressupõe essas estruturas para que se torne operativa essa mesma sinodalidade. Desde a igreja local, desde a diocese até às paróquias, a promoção do Conselho Diocesano de Pastoral, o Conselho Paroquial de Pastoral, o Conselho para os Assuntos Económicos, numa diocese o Conselho presbiteral. Que os diferentes conselhos também possam trabalhar, não auto-referencialmente e autonomamente, mas que possam trabalhar de modo sinodal, ainda que cada um no seu âmbito, mas que possam trabalhar em conjunto e em comunhão, promovendo este repensar da ação da Igreja à luz dos desafios que o mundo contemporâneo coloca.



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