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domingo, 28 de julho de 2024

Gozo

Graças a um curso dado pelo Pe. J. J. Pérez-Soba, intitulado “A Educação da Afectividade”[1], podemos aprender muito sobre o amor. Começa por nos recordar que tudo quanto existe é fruto do amor. O compositor, por exemplo, sente prazer na música e é esse sentimento que o leva a ouvir mais melodias, a desenvolver os seus conhecimentos musicais, a aperfeiçoar a sua técnica como músico até lhe surgir a ideia de escrever uma partitura.

O amor começa por um sentimento agradável suscitado por algo ou alguém. Esse sentimento impõe-se e anima a uma aproximação, a um conhecimento mais profundo dessa coisa ou pessoa que nos atrai. A música não se apercebe de que foi amada, nem a criança que acaba de nascer. Tudo quanto existe é fruto do amor. Mas nem tudo quanto existe é capaz de amar. A música poderá dar prazer a muitas pessoas, mas nunca poderá retribuir esse amor. A criança, sim; ao crescer poderá sentir-se bem ao colo dos pais, sorrir-lhes... e retribuir-lhes esse amor.

Este exemplo pode ajudar-nos a compreender a diferença entre prazer e gozo[2]. O prazer é passageiro, sensual (relacionado com os sentidos) e superficial, mas faz parte do amor. O gozo, ou fruição, proporciona bem-estar como o prazer, mas é mais profundo, é intemporal, dá paz, descanso, confiança, compreensão..., facilita a comunicação pois tem um cariz espiritual. Ouvir a Sonata ao Luar em uma noite de lua cheia, seja na margem de um lago ou no alto de uma montanha, faz-nos entrar em sintonia com Beethoven, compreendê-lo, admirá-lo, agradecer-lhe o prazer, o gozo que proporciona a muitas pessoas.

Porém, o amor humano é carenciado de amor, isto é, necessita ser correspondido. A música não consegue retribuir amor a quem a compôs, mas os seus ouvintes podem (e costumam) agradecer aos músicos, maestro e compositor com a ação de aplaudir e, eventualmente, pagando o bilhete do. concerto É justo. É natural. E ajuda a elevar o prazer ao nível do gozo, pois o gozo é fruto do amor e é mesmo compatível com o sofrimento.

O verdadeiro amor implica comunhão e retribuição no amor. Se o amado não retribuir com amor, o amante não é feliz. Podem não ter os mesmos interesses, mas devem ter algo em comum de máxima importância: não podem viver um sem o outro. Há algo que devem ter em comum, em que colaboram juntos, cada um com as capacidades próprias, com os seus dons naturais, as suas habilidades.

Esta comunhão, é extraordinariamente gozosa entre marido e mulher. O esforço por manter uma família, educar os filhos, protegê-los do mal e da mentira, ensiná-los a ser sóbrios e disciplinados para conseguirem exercer a sua liberdade com prudência e sensatez, na verdade e na justiça, com respeito pela dignidade, direitos e sentimentos dos outros. Este serviço prestado aos filhos, à sociedade e ao mundo, o serviço de rejuvenescer o mundo com pessoas de boa vontade, verazes e trabalhadoras, é muito gratificante. Dá muito gozo, muita alegria, muita paz, muita confiança. Os pais que têm a generosidade de viver um amor assim, cheio de aventuras, doenças, frustrações e sacrifícios, mas sempre confiantes no amor mútuo e na proteção divina, sentem um gozo enorme na companhia um do outro. Pode passar o prazer dos primeiros tempos de convívio, do enamoramento, do encantamento ante a beleza juvenil do outro, da entrega mútua, mas fica o profundo gozo da companhia de alguém que nos ajuda a ser melhores pessoas e que, mesmo idoso e já diminuído, só quer o nosso bem.

Famílias assim, unidas pelo amor mútuo e a todos os outros, são manifestações do amor de Deus pelos homens. Deixam rasto. Deixam paz. Deixam, por gerações, muitas “sonatas ao luar”.

Isabel Vasco Costa



[1] “La educacíon de la afectividad”, pode ser consultado em: https://www.youtube.com/watch?y=6yH6URdwlVE&list=PLEUEkcWzLrCyHArHSUOQpOsAloozD3Ywl

[2] “Gozar com” uma pessoa, pode significar rir-se à custa dela, ridicularizá-la. Nunca utilizamos esse significado neste texto.


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