O amor começa por um sentimento agradável
suscitado por algo ou alguém. Esse sentimento impõe-se e anima a uma
aproximação, a um conhecimento mais profundo dessa coisa ou pessoa que nos
atrai. A música não se apercebe de que foi amada, nem a criança que acaba de
nascer. Tudo quanto existe é fruto do amor. Mas nem tudo quanto existe é capaz
de amar. A música poderá dar prazer a muitas pessoas, mas nunca poderá
retribuir esse amor. A criança, sim; ao crescer poderá sentir-se bem ao colo
dos pais, sorrir-lhes... e retribuir-lhes esse amor.
Este exemplo pode ajudar-nos a compreender a
diferença entre prazer e gozo[2].
O prazer é passageiro, sensual (relacionado com os sentidos) e superficial, mas
faz parte do amor. O gozo, ou fruição, proporciona bem-estar como o prazer, mas
é mais profundo, é intemporal, dá paz, descanso, confiança, compreensão...,
facilita a comunicação pois tem um cariz espiritual. Ouvir a Sonata ao Luar em uma
noite de lua cheia, seja na margem de um lago ou no alto de uma montanha,
faz-nos entrar em sintonia com Beethoven, compreendê-lo, admirá-lo,
agradecer-lhe o prazer, o gozo que proporciona a muitas pessoas.
Porém, o amor humano é carenciado de amor, isto
é, necessita ser correspondido. A música não consegue retribuir amor a quem a
compôs, mas os seus ouvintes podem (e costumam) agradecer aos músicos, maestro
e compositor com a ação de aplaudir e, eventualmente, pagando o bilhete do.
concerto É justo. É natural. E ajuda a elevar o prazer ao nível do gozo, pois o
gozo é fruto do amor e é mesmo compatível com o sofrimento.
O verdadeiro amor implica comunhão e
retribuição no amor. Se o amado não retribuir com amor, o amante não é feliz.
Podem não ter os mesmos interesses, mas devem ter algo em comum de máxima
importância: não podem viver um sem o outro. Há algo que devem ter em comum, em
que colaboram juntos, cada um com as capacidades próprias, com os seus dons
naturais, as suas habilidades.
Esta comunhão, é extraordinariamente gozosa
entre marido e mulher. O esforço por manter uma família, educar os filhos,
protegê-los do mal e da mentira, ensiná-los a ser sóbrios e disciplinados para
conseguirem exercer a sua liberdade com prudência e sensatez, na verdade e na
justiça, com respeito pela dignidade, direitos e sentimentos dos outros. Este
serviço prestado aos filhos, à sociedade e ao mundo, o serviço de rejuvenescer
o mundo com pessoas de boa vontade, verazes e trabalhadoras, é muito gratificante.
Dá muito gozo, muita alegria, muita paz, muita confiança. Os pais que têm a
generosidade de viver um amor assim, cheio de aventuras, doenças, frustrações e
sacrifícios, mas sempre confiantes no amor mútuo e na proteção divina, sentem
um gozo enorme na companhia um do outro. Pode passar o prazer dos primeiros
tempos de convívio, do enamoramento, do encantamento ante a beleza juvenil do
outro, da entrega mútua, mas fica o profundo gozo da companhia de alguém que
nos ajuda a ser melhores pessoas e que, mesmo idoso e já diminuído, só quer o
nosso bem.
Famílias assim, unidas pelo amor mútuo e a todos os outros, são manifestações do amor de Deus pelos homens. Deixam rasto. Deixam paz. Deixam, por gerações, muitas “sonatas ao luar”.
Isabel Vasco Costa
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