«A religião é inimiga da ciência? (…) Ora de facto, não é assim, apesar de persistirem alguns equívocos na relação entre essas duas actividades humanas. Elas podem coexistir. Há muitos cientistas que são crentes, estando essa crença distribuída por várias confissões religiosas. E há até alguns ministros de igrejas que não só têm uma sólida formação científica como a colocam em prática fazendo investigação. Ciência e religião são duas visões do mundo muito diferentes e apesar da má fama criada pelo caso Galileu e pelo caso Darwin, coexistem de facto. No século XVII, Galileu já tinha o assunto muito bem arrumado na sua cabeça: ele era ao mesmo tempo crente e cientista. Acreditava em Deus e pensava que, se Deus tinha dado a razão ao Homem, este a devia exercer no estudo da natureza: «Eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que me dotou com os sentidos, a razão e o intelecto pretenda que renunciemos à sua utilização para nos dar por outros meios conhecimentos que podemos alcançar através deles». (…)
É preciso reconhecer que as atitudes e os métodos da ciência e da religião são fundamentalmente diferentes. Mas, apesar de as duas exercerem magistérios distintos, nada impede que ciência e religião cooperem na procura dos destinos da Humanidade. Por exemplo, grandes questões com que os habitantes da Terra se confrontam, como o aquecimento global em resultado de descontrolada acção humana, apesar de terem sido e continuarem a ser analisadas pela ciência, têm uma resposta que ultrapassa em muito o domínio da política, que rege as decisões colectivas. E, na mobilização da vontade colectiva, as posições de líderes religiosos podem ter um papel importante. Foi muito positivo que o actual papa, Francisco, tenha em 2015 publicado a encíclica Laudato Si (Louvado sejas), que é um documento baseado na melhor ciência de que dispomos (deve recordar-se que o papa teve uma formação secundária em Química Técnica e que chegou a realizar profissionalmente análises químicas antes de entrar no seminário). Nesta encíclica que já foi chamada ´verde` são nítidas as preocupações ecológicas, não apenas no que respeita às alterações climáticas, mas também a outros prejuízos que algumas das nossas acções causam à vida no planeta». In: A CIÊNCIA E OS SEUS INIMIGOS, de Carlos Fiolhais e David Marçal, Gradiva.
Stephen Hawking, físico britânico recentemente falecido, era um crente no universo e nas leis da física. Foi um apaixonado pela ciência, pela vida, casou duas vezes, teve filhos, viajou, estudou, comunicou e trabalhou.
Definindo-se como ateu, defendia que “no passado, antes de entendermos a ciência, era lógico acreditar que Deus criou o Universo”, mas “agora a ciência oferece uma explicação mais convincente”. A religião acredita em milagres, mas estes são incompatíveis com a ciência, ipso facto, serem milagres.
Apesar da doença incapacitante, viveu 76 anos quando tudo indicava que viveria pouco. Aos 21 anos foi-lhe diagnosticado Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença que causa a morte dos neurónios responsáveis pelos movimentos voluntários, foram-lhe dados apenas mais alguns anos de vida, mas Stpehen Hawking desafiou as probabilidades e viveu mais 55 anos do que era esperado, sem medo nem pressa de morrer - uma lição de vida para o mundo ou a prova de que os milagres existem fora das expectativas e previsões científicas e ele foi um feliz contemplado?
O seu trabalho científico destacou-se na área da relatividade e dos buracos negros, e no decorrer da sua vida que conseguiu prolongar contra todos os prognósticos médicos iniciais, levaram-no a cruzar-se com a filosofia e, inevitavelmente, o mesmo caminho conduziu-o à religião.
Membro da Pontifícia Academia das Ciências desde 1986, Hawking foi recebido por quatro Papas - Paulo VI, em abril de 1975; João Paulo II, em outubro de 1981; Bento XVI, em outubro de 2008; e Francisco, em novembro de 2016 - e várias vezes convidado a falar sobre duas áreas que tantas vezes são colocadas em polos opostos: a religião e a ciência.
Em 2010, numa palestra dada na Pontifícia Academia das Ciências, em que falava sobre a origem do universo, Hawking disse que “os cientistas não criaram o mundo, eles estudam-no e tentam imitá-lo”.
Porém, o maior “buraco negro”, terá sido a incapacidade daquele que era apelidado como o mais inteligente do mundo, não ter reconhecido com o seu cérebro, a existência dum verdadeiro milagre no prolongamento da sua vida, que seria curta, breve e sofredora, pelo prognóstico médico que lhe foi feito com todo o rigor e saber cientifico devido à doença de que padecia, tendo vivido de uma forma tão rica, intensa e produtiva, todos estes anos, exemplo heroico de resiliência e dignidade humana.
Os milagres são fugas divinas ao saber e controle do rigor científico, existem e não se anulam, antes se completam na consecução do saber da humanidade.
Maria Susana Mexia |
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