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terça-feira, 20 de março de 2018

Cada pessoa, cada objeto, tem por detrás de si uma história

Ontem enquanto procedia a umas arrumações, deparei-me com um papel com anotações que pertencia a alguém que tinha falecido quase centenária há muitos anos sem deixar descendência. Encontrava-se dentro de um livro que lhe tinha pertencido e que me fora oferecido. Olhei para as anotações pensando que tudo tem o seu tempo e a sua importância. Que fazer com o papel? Certamente tinha tido relevância para a falecida. Mas agora? Pensei que tudo nesta vida é efémero e passageiro. Não somos nada. O papel só me dizia algo a mim. Comecei a olhar com atenção para os objetos que me rodeavam, em particular as fotografias que, de tão presentes diariamente, já nem as visualizava, mas que simbolizavam datas importantes (um aniversário, um casamento, um fim de curso, uma viagem…), o passado que se encontra pisado. Depois os objetos decorativos. Lembro-me tão bem de ter adquirido aquele ícone de Nossa Senhora Negra de Czestochova, na cidade de Varsóvia. Que momento excelente que vivenciei na companhia dos meus filhos, de duas irmãs e um cunhado. Também eles acharam lindo o ícone da Nossa Senhora, tendo ficado muito impressionados com os cortes que apresentava no seu rosto. Tenho diante de mim uma fotografia de todos sentados num salão do hotel, tão sorridentes, tão felizes, que não resisto a entrar nesta fotografia para contar um pouco da história da Rainha da Polónia que dizem ter sido pintada pelo Evangelista S. Lucas… No ano 326 DC Santa Helena deu, na cidade de Jerusalém, o quadro ao seu filho Constantino que tinha construído uma Santuário em Constantinopla. Durante uma batalha, a pintura foi colocada numa das paredes da cidade e os inimigos fugiram. Nossa Senhora salvou a cidade da destruição. A pintura foi conservada por outras pessoas até ao ano 1382 quando invasores tártaros atacaram a fortaleza do Príncipe Ladislau onde a pintura estava localizada. Uma seta dos tártaros atingiu a garganta de Nossa Senhora. O Príncipe transferiu a pintura de Nossa Senhora para a Igreja de Czestochova, na Polónia. Em 1430 a Igreja foi invadida e um saqueador atingiu a pintura duas vezes com uma espada, mas antes que ele pudesse golpeá-la caiu no chão em agonia e morreu. Os cortes de espada e a ferida ainda são visíveis na pintura. Os milagres de Nossa Senhora continuam a acontecer…,sendo em 1656 aclamada Rainha da Polónia pelo Rei Casimiro. João Paulo II, como Papa, fez três visitas a esta Igreja para rezar diante de Nossa Senhora. Atrevo-me a referir a oração à Nossa Senhora Negra… “Vós que, desde há séculos estais iluminada pelos milagres e graças de Janas Góra – a capital da Vossa Misericórdia. Olhai os nossos corações que vos trazem homenagem e amor submisso. Despertai em nós corações de santos…, consignai para nós as graças desejadas. Ó Mãe da face ferida, deposito-me em Vossas mãos e todas as pessoas muito caras para mim. Confio em Vós, conto com a Vossa mediação junto do Vosso Filho. Que seja glória de Deus único na terra”.

E os anos passaram… O ícone contínua, a fotografia igualmente, mas alguns dos presentes já partiram. Olho, agora, para outra fotografia. Estou na companhia da minha neta então com cinco anos, que queria forçosamente que eu tomasse nota de um artigo seu, que também não resisto em referir: “A História das Amigas do Coração”. As amigas foram um dia procurar um coração de cristal que estava escondido numa floresta que tinha muitos cristais, tantos cristais que não sabiam onde estava o coração de cristal. Os cristais eram muito grandes e falavam. Então um cristal indicou o caminho para encontrar o coração, e assim encontraram um grande cristal que tinha dentro uma chave. Depois viram uma grande caverna que tinha lá dentro um troll e aconteceu uma coisa terrível. O troll pediu às meninas para darem a chave. Elas negaram e o troll tirou a chave e colocou-as dentro de uma grande gaiola, mas aconteceu o seguinte: Elas viram a chave no bolso do troll e a mais esperta quando o troll se virou, apanhou a chave…Bem, a minha neta ficou de acabar a história noutro dia, o que se prolongou até aos dias de hoje, ou seja, vitória, vitória, acabou a história. Da minha parte cumpro hoje o que prometi antes que caia no esquecimento, ou seja, escrever o seu artigo.

Olho novamente e vejo um livro de Dante Alighieri. A Divina Comédia que se compõe de três partes distintas: O Inferno, O Purgatório e O Paraíso. Dante nasceu em Florença, no seio de uma família nobre, no ano de 1265. “O Inferno” foi considerada a mais extraordinária criação daquele que foi o maior poeta italiano de todos os tempos e um dos espíritos mais brilhantes de que a Humanidade se pode orgulhar. O prefácio deste livro – O Inferno - sublinha que é a mais rica em humanidade. No Purgatório é menor a intensidade das representações… O Paraíso é antes de mais, a exaltação da amada Beatriz, que acompanha o poeta na sua última viagem, sem perder a sua condição humana e feminina”.

Mas outro livro desperta o meu olhar, “Como um Sonho Muda a Vida”, da minha autoria. Mergulho na descrição do funeral do Papa João Paulo II em abril de 2005. Por volta das 16h., cheguei perto do Vaticano acompanhada pelo meu filho, e recém-chegados de Lisboa. Pouco depois o acesso seria fechado. Passaram-se horas e pouco tínhamos avançado. Não tínhamos almoçado. O meu filho queixava-se de alguma fraqueza. E a noite caiu no meio de milhares de pessoas. A certa altura a Cruz Vermelha facultou-nos um pouco de chá açucarado no fundo de um copo. Um jornalista da CNN fazia uma reportagem em direto dizendo: “Eles não sabem que quando virarem a rua têm pelo menos mais seis horas de espera”. Era verdade. E pela noite fora, uma das mais belas da minha vida, rezou-se, cantou-se, gritava-se “Santo subito (Santo rapidamente)”. Era uma multidão impressionante. E a noite foi avançando e nós sempre em pé. A Cruz Vermelha voltou e deu um rebuçado a cada um. Nunca tinha vivenciado uma experiência semelhante. Confraternizava-se. Não havia sequer espaço para nos sentarmos no chão. Uma senhora polaca olhou para nós comentando: “Coitados, não estão habituados”. Pelas quatro horas da manhã não aguentava mais. Pedi ao meu filho para nos irmos embora. Agarrando-me no braço, apoiando-me para que não fraquejasse, disse: “Vieste para ver o Papa e não sais daqui sem o ver”! De Lisboa telefonavam-nos constantemente para saber como nos encontrávamos. Em direto ouviam as sirenes das ambulâncias e temiam por nós, informando-nos que a Basílica de S. Pedro iria fechar para limpeza entre as 5 e as 6 horas da manhã. Aguentámos. Já estávamos muito perto. Quando reabriu foi uma alegria! Mas cedo nos apercebemos que o acesso era através de barreiras num caminho aos ziguezagues. Pelas 8 horas da manhã entrámos finalmente na basílica de São Pedro. Não há palavras que possam descrever a nossa emoção. Em frente ao Papa João Paulo II, que tanto tinha defendido a Família, pedi por todas as famílias do mundo, e em particular, pela minha. Já não tínhamos forças para sair da Basílica, face ao amor que sentia pelo Papa e vencidos pelo cansaço. Sentámo-nos por uns momentos para ganhar alento…”. Chegou o momento de deixar as recordações. “Cada Pessoa, Cada Objeto, Tem Atrás de Si uma História”.

Mas voltando ao presente: encontramo-nos na Quaresma, e recordo a carta de S. Paulo aos Filipenses em que afirma que ele sabe viver na pobreza e viver na riqueza, aprendeu a viver na penúria e no bem-estar. S. Paulo dá-nos uma belíssima lição de desapego dos bens materiais. No seu afã missionário suportava todas as provações e tribulações por amor a Jesus.


Maria Helena Paes







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