Há muitos anos atrás comprei uma toalha de mesa em gobelin forrada a seda. Os motivos ricos em detalhes, com umas cores lindas fascinaram-me desde o primeiro momento. Como se costuma dizer, foi amor à primeira vista, com a vantagem de se encontrar em promoção. Tinha pensado colocá-la numa camilha. Mas não foi assim. Pela sua beleza durante muito tempo cobriu a mesa de casa de jantar. Mas tudo tem o seu tempo…., mais tarde foi substituída por um chemin de mesa mais adequado. E o tempo passou, tendo a toalha caído no esquecimento. Um dia andava à procura de um pano para a minha mesa de escrever e deparei-me com a toalha de mesa de biblioteca. Como era bonita e adequada. Tinha como motivos, livros abertos de música e de prosa. Outros, encadernados, de várias cores encontravam-se em pé fechados. Um tinteiro azul com uma pena, uma chávena igualmente azul, um violino e por fim, com ar de abandono sobre um livro, uma rosa vermelha. Como podia ter esquecido esta beleza! Sem querer o meu pensamento voou para a Broadway em Nova Iorque. Vejo-me em Time Square, numa bilheteira que vende ingressos para o dia a preços acessíveis, na companhia de uma colega de trabalho, a comprar bilhetes para assistir ao Musical Cats muito em voga na altura. Como por milagre conseguimos dois bilhetes. A música que mais me tocou foi precisamente “Memory” que não resisto a mencionar um pouco: “Memória, volta o teu rosto para o luar, deixa a tua memória conduzir-te…, tu encontrarás o significado do que é a felicidade. Uma nova vida recomeçará. Posso rir dos dias antigos…, eu lembro-me dos tempos em que sabia o que era a felicidade, deixa a memória viver novamente. Um novo dia amanhecerá, devo pensar noutra vida e não desistir e um novo dia começará… como uma flor a aurora rompendo”.
Na realidade a nossa mente é pródiga. As memórias voltam e entrelaçam-se com outros momentos já vivenciados em que existe um fio condutor que os une, nesta caso a memória. E esses foram, e eu não sabia, tempos felizes, despreocupados, sem grandes responsabilidades. E o tempo passa,…adquirimos compromissos para a eternidade. Os tempos em que ia ver os espetáculos da Broadway: Dancing Days, Evita, O Fantasma da Ópera, Os Piratas de Penzance, Zorba o Grego, deram lugar a um novo estilo de vida, como sucede a muitas pessoas que, com o avançar da idade, assumem outros compromissos, novos interesses. Isto é, tudo tem o seu tempo! Nascem os filhos, o trabalho é cada vez mais absorvente. Tentar conciliar o trabalho e a família não constitui tarefa fácil. Depois vem o voluntariado. Em vez das operetas houve a participação na ONU em prol da defesa da família, dos idosos e dos mais desfavorecidos. Era tão motivante participar nas reuniões a nível mundial. O ambiente era excelente, muito humano e caloroso. Havia uma sinergia enorme em prol do bem comum da sociedade. Como não podia deixar de ser também era algo burocrático. Aprendemos a gostar, a colaborar o mais possível em prol da defesa dos direitos humanos. Era uma alegria quando nos ambientávamos e começávamos a encontrar colegas de diferentes países, com interesses semelhantes, unidos em torno da defesa de uma causa comum.
Não quer dizer que tivesse perdido o interesse pela música, mas as prioridades eram outras. Nunca conseguiremos resolver todos os problemas existentes a nível mundial por mais que nos desgastemos. Às vezes torna-se necessário deixar tudo no regaço de Nossa Senhora e pedir-lhe que nos ajude porque nós já não podemos mais.
Não sei qual o motivo, talvez por contraste, veio-me ao pensamento uma visita que muito me impressionou efetuada ao Campo de Concentração alemão nazi Majdanek. Ainda hoje sinto o cheiro dos crematórios, todo o sofrimento dos prisioneiros: não existem palavras que possam relatar com fidelidade todos os horrores que ali se passaram. Torna-se difícil acreditar que o ser humano seja capaz de cometer tais atrocidades. Enquanto passava pelas diferentes salas sentia a dor terrível dos prisioneiros, em particular das crianças. Numa sala encontravam-se expostos alguns dos seus pertences, das suas histórias de vida, extremamente sofridas e martirizadas. Por ironia do destino, por entre os nomes que aí figuravam, havia um apelido da família. Quanto sofrimento, quanta crueldade! Como sempre os pensamentos entrecruzam-se, procurando uma fuga para o que mais nos sensibiliza, nos faz sofrer. Veio-me ao pensamento a música o tema de Lara do filme Dr. Jivago que diz: “Onde, eu não sei, mas um dia parará o tempo sobre nós. Onde não sei, mas um lugar existirá de onde não voltaremos mais, talvez seja amanhã ou não, talvez longe daqui ou não. Onde não sei, mas estarei na tua frente e ver-te-ei a correr ao meu encontro”.
E um dia todos partiremos rumo à eternidade. Torna-se importante procurar amar aqui e agora, todos os seres humanos, procurar ver a Deus no próximo.
Como referia Santo Agostinho numa das mais arrebatadoras orações de todos os tempos: “Tarde te amei formosura tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei. Eis que habitavas dentro de mim e eu procurava-te do lado de fora. Estavas comigo mas eu não estava contigo… Fulguraste e brilhaste e a tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste a tua fragância e aspirando-a suspirei por Ti. Eu te saboreei e agora tenho fome e sede de Ti. Tu me tocaste e agora ardo no desejo da Tua paz”.
Bem chegou a hora de concluir o artigo. A Toalha de Mesa de Biblioteca levou-me por caminhos inexplicáveis. São as memórias, as vivências, o que a sociedade fez de nós, a inspiração do momento. Achei interessante uma frase que uma amiga referiu: ”O silêncio é como que o porteiro da vida interior”. Às vezes torna-se necessário fazer um balanço do modo como vai a nossa vida. Nada como nos recolhermos e procurarmos a Deus dentro de nós, em particular, na época da Quaresma que atravessamos. A Virgem ensinar-nos-á, se lhe pedirmos, a lutar na nossa vida pessoal, a adquirirmos as virtudes que, às vezes, nos parece que faltam aos outros. Santa Maria Esperança Nossa, rogai por todos nós.
Maria Helena Paes |
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