Nunca diga ...

... que já viu de tudo porque a vida sempre pode surpreender. Estávamos em São Lourenço nos folguedos de Momo e vi na parede de uma casa de produtos agropecuários um cartaz no mínimo bizarro: vende-se filhotes de pastor alemão com pitbull. O anúncio estampava uma foto da ninhada, com quatro criaturas pouco definíveis. Nenhum é pastor, como nenhum é pitbull. O que terão da lealdade e da obediência do pastor alemão? Terão a dentada do pitbull? Sua ferocidade? Alguém poderá dizer que os cães são o espelho do dono e que passam a ser agressivos se este os estimular. Talvez, mas o caráter genético não pode ser negligenciado.

Pitbull com pastor alemão! Obediência e força, em proporções desconhecidas. Será que os genes do pitbull anulam a docilidade pastoriana? Ou os cromossomas do pastor alemão anulam a agressividade da outra metade? Sabe-se lá e tampouco interessaria saber. Jamais compraria tal combinação, até por me fazer lembrar os cruzamentos absurdos que evocávamos na infância, como cobra com ouriço, que dá arame farpado ...

Quem governa sempre soube - mesmo aqueles que sequer suspeitam que um dia tenha existido Nicoló Maquiavel,- que há três necessidades que não podem ser desatendidas: alimentação, um teto e alguma diversão. Em países medíocres como o Brasil os governantes desenvolvem programas assistencialistas que manterão a injustiça social. A tarefa é apaziguar a revolta do estômago vazio, mais explosiva que qualquer ideologia criada ou por criar. Tais programas integram a velha técnica de dar o peixe e sonegar o anzol, criando enorme dependência.

Quanto ao teto, as pessoas se viram do jeito que podem, o que explica as favelas e a ocupação de viadutos, calçadas, encostas - com deslizamentos fatais a cada ano e centenas de desabrigados,- ou de zonas alagáveis, com a produção sazonal de flagelados. Como admitir que  um país com a extensão do Brasil possa apresentar tamanha injustiça? É duro de engolir.

Dias atrás afirmei numa reunião entre amigos que somos boçais e que nossa geração mostrou-se também incompetente. Um dos que me escutava contestou. Mantive minha opinião e fui mais longe: com tantas facilidades territoriais, com as riquezas naturais com que fomos aquinhoados, temos o toque de Midas com o sinal trocado. A precária paz social em que subsistimos tem no subsolo a lava incandescente de nosso fracasso como nação. Transformamos ouro em nada.

A terceira necessidade é preenchida com entretenimento de baixíssimo nível, desenvolvido com as digitais de Chacrinha, Faustão, Ratinho e outras celebridades constrangedoras. O comando deste circo corre por conta das emissoras de televisão, ora empenhadas na migração para o sistema digital, com amplo apoio do governo, que distribui antenas e conversores. Jamais se viu cruzada como esta no meio televisivo, demonstrando a preocupação em preservar a audiência e apascentar o redil, com um cuidado que nenhuma campanha educativa tem.

Como domesticar um povo na modernidade? Pela televisão aberta, cuja programação evoca baixos instintos, detalha a violência através de inúmeros programas com ênfase na editoria policial e açula a diversão gratuita da sexualidade, a conhecida diversão de pobre. Há muitos anos assisti em São Paulo uma peça encenada por Marieta Severo e Marco Nanini. O texto era agressivo e realçava a promiscuidade, tendo como protagonistas os infiéis macacos. A transposição deste comportamento dos macacos para as relações humanas, matéria que a peça sensibilizava, tem resultado grotesco. Fomos criados para amar, não para fornicar.

Os que detêm o poder, muito conscientemente, excitam instintos e promovem a promiscuidade. O próprio governo o faz, distribuindo preservativos no carnaval, sob o pretexto de combater doenças sexualmente transmissíveis. O que temos assistido parece insuperável, pela licenciosidade e mau gosto, mas não diga que já viu de tudo porque as coisas podem sempre piorar. Se um criador de cães cruzou pastor e pitbull, os poucos que manipulam os cordéis no Brasil desenvolveram a inaudita cruza comportamental de homem com macaco. A busca de audiência a qualquer preço e o hediondo egoísmo que busca preservar o status quo no Brasil têm erodido nossos valores e nos remetem cada vez mais aos galhos da selva em que vivemos.

J. B. Teixeira