Que pena se as “famílias” deixam de se reunir! Refiro-me a “famílias” em sentido lato. Claro que a primeira família é a de sangue, mas há “famílias” por terem interesses comuns (culturais, artísticos, desportivos...); por terem estudado no mesmo liceu, colégio, universidade, escola, academia...; por terem participado em missões de salvamento, de guerra, de investigação; por terem a mesma profissão, etc. etc.
A palavra “companheiro” significa os que comem do mesmo pão, e, neste contexto, pão tem dois sentidos: o pão que alimenta o corpo e o pão que alimenta o espírito, porque as conversas mantidas durante a refeição são formativas, se nos interessarmos por que o sejam. Exemplifico com um jantar familiar há já cerca de vinte anos.
Um dos convidados, Bruno Tavares Carreiro, açoriano, tinha ido a Lisboa. A mulher era prima de minha mãe e a amizade entre todos impunha a presença de uns e outros em frequentes refeições familiares. O “tio” Bruno deliciou-nos com duas histórias curiosas.
O poeta Armando Cortes Rodrigues sofria de asma e, porque já de idade avançada, os ataques tornavam-se violentos. Nessas ocasiões, costumava telefonar ao “tio” Bruno, seu amigo e familiar, para lhe pedir ajuda. Certa vez, encontrou-o sentado na sua poltrona, com um xaile pelas costas e muito aflito. “Então, tio, como está?” perguntou-lhe Tavares Carreiro. “A la broche”, foi a resposta de Armando Cortes Rodrigues. O poeta tinha sido professor de francês no liceu de Ponta Delgada e a resposta manifestava o seu bom humor, mesmo em momentos difíceis.
A segunda história passou-se por ocasião de uma viagem que Bruno Tavares Carreiro fez a Madrid. Um dos seus amigos tinha emigrado para Barcelona após o 25 de Abril e ele decidiu ir visitá-lo, aproveitando uma ponte aérea entre as duas cidades. Durante o voo ouviu-se uma voz, como é habitual: “Senhores passageiros, fala-vos o comandante X que vos deseja uma boa viagem. Neste momento, se olharem para a vossa direita, conseguirão ver a aldeia Y onde nasceu quem vos fala. Também aí morreu o pai deste comandante, vitimado pela bomba que deixou a aldeia em ruínas e foi lançada, durante a guerra civil, pelas tropas comunistas sob as ordens de Santiago Carrillo que, neste momento, ocupa a cadeira nº 37 deste avião”...
Nesta semana depois da Páscoa, faço votos de que todos nós, incluindo governantes e empresários, restituamos às famílias o tempo a que têm direito para o descanso e convívio saudável, amigo e alegre das refeições à volta da mesa.
Isabel Vasco Costa
31de Março de 2016
31de Março de 2016
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