Palavra e Pão 26 - V domingo da Páscoa
Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros (Jo. 13,34).
Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros (Jo. 13,34).
Quantas vezes ouvimos já estas palavras? No evangelho deste V domingo da Páscoa vamos escutá-las novamente. Elas são como que o testamento de Jesus. Não são um conselho nem uma proposta, mas um mandamento. São palavra de Deus e têm o poder de se cumprir naqueles que as escutam com fé verdadeira e esperança firme. Então porque se vê tão pouco esse amor em nossas vidas?
Como referia um padre da Igreja nos primeiros séculos, quando os pagãos escutam estas palavras que nos mandam amar os inimigos ficam estupefactos com a sublimidade dos ensinamentos de Cristo, mas quando se dão conta de que muitos que se dizem cristãos além de não amarem os inimigos não amam sequer os seus irmãos concluem que o cristianismo é lindo, mas não funciona. Esta opinião está enraizada também na mente de muitos dos nossos contemporâneos. Pensam que a fé não é mais do que uma ilusão maravilhosa, um idealismo juvenil que os embates da vida acabarão por dissipar mais cedo ou mais tarde, levando uns a abandonar a Igreja e a prática religiosa e deixando outros prisioneiros da hipocrisia, porque condicionados por interesses afetivos ou vantagens económicas, ou simplesmente pela rotina e pela inércia que os não deixam exteriorizar a desilusão que levam dentro. E claro, sempre haverá também uns quantos que não se tornam adultos, desconhecem a fronteira entre o sonho e a realidade e precisam de acreditar em histórias maravilhosas para poderem sobreviver…
É normal que entenda assim as coisas quem as vê de fora. Mas o cristianismo é antes de mais uma realidade interior, espiritual, que só a partir de dentro podemos vislumbrar menos incorretamente.
Este amor que Jesus nos oferece e nos manda praticar não é natural, é sobrenatural; não é espontâneo, é uma cultura. Por acaso, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos (Mt7,16)? Uma videira enxertada, tratada e cultivada num clima propício, dá uvas. Mas não as pode dar quando a enxertia seca e crescem os bravos que apenas dão folhas, ou quando é plantada num clima inóspito. Assim também nós, desligados de Cristo que é a videira verdadeira (Jo.15,1) e impossibilitados de receber a seiva do seu Espírito, não podemos amar-nos uns aos outros como Ele nos amou, não podemos dar os frutos próprios do cristianismo.
Se vemos hoje tão pouco este amor em nós e nas nossas comunidades será que somos espinheiros ou videiras abastardadas? Perguntemo-nos honestamente que fé e que esperança são as nossas, vejamos se a enxertia do Batismo se desenvolveu em nós ou se continuamos medularmente pagãos embora usemos, por tradição e conveniência, o ritual da Igreja Católica e nos julguemos muito cristãos. Num cristianismo individualista e sem Espírito em que a fé e a esperança são apenas humanas não pode florir nem frutificar a caridade divina, o amor de Cristo que deu a sua vida por nós, para que também nós possamos dar a vida pelos nossos irmãos. O mais que se pode esperar de quem não tem vida sobrenatural são ações pontuais de solidariedade e entreajuda que qualquer pessoa ou associação não cristãs também podem fazer. Sem Cristo a viver e a reinar em nós pelo seu Espírito e sem o contexto de uma comunidade cristã, é impossível que nos amemos uns aos outros como Ele nos amou.
Reparemos na última frase da primeira leitura deste domingo: à chegada, (Paulo e Barnabé) convocaram a Igreja, contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos gentios a porta da fé (At.14,27). Se fosse qualquer de nós a fazer este relato escreveríamos, quase de certeza, que Paulo e Barnabé contaram tudo o que tinham feito. No texto de S. Lucas é Deus o sujeito da ação; no nosso, seriam Paulo e Barnabé pois foram eles, obviamente, que fizeram longas caminhadas, que anunciaram o evangelho de sinagoga em sinagoga e de cidade em cidade, que suportaram privações e enfrentaram a oposição de judeus e pagãos. A consciência de que Deus é o autor daquela obra levará o mesmo Paulo a escrever: é Deus que opera em nós o querer e o agir, (cf.Fil.2,13) e ainda, nós somos obra de Deus, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou para nós as praticarmos (Ef.2,10).
Pelos frutos se conhecem as árvores. Por acaso, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos (Mt7,16)? Se, na prática, acreditamos mais em nós mesmos e nas nossas capacidades que em Deus, se reduzimos o cristianismo a um humanismo sem dimensão espiritual em que o homem continua centrado em si mesmo e não dá a Deus o que é de Deus, não há condições para que se cumpra em nós a promessa do Senhor: quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço (Jo.14,12) e continuaremos a fazer torres de Babel com religião ou sem ela, mas edificadas sempre com a ilusão de chegarmos ao céu pelos nossos esforços. Ao contrário da Torre de Babel, a Nova Jerusalém desce do céu, como escutamos do livro do Apocalipse, na liturgia deste domingo: vi a cidade santa, a Nova Jerusalém, que descia do céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo (Ap.21,2). São cidadãos da Nova Jerusalém aqueles que põem em prática o mandamento novo do amor pelo Espírito que receberam.
Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros (Jo.13,34).
Como escutamos hoje estas palavras? Como um dom? Como um desafio? Como um conselho? Como uma graça? Como uma espada ameaçadora? Como um ideal inatingível? Como uma acusação? Como uma bênção?
São palavras de Cristo Nosso Senhor. São palavras eficazes na vida daqueles que as acolhem com fé e com esperança sobrenaturais. Recebamo-las com gratidão e conservemo-las com amor em nossos corações. Aceitemo-las como promessa e transformar-se-ão, pouco a pouco, por obra do Espírito Santo e com a nossa colaboração, em programa da nossa vida. Precisamente para que elas se cumpram em nós, o Senhor nos criou à sua imagem e nos elegeu, antes da criação do mundo, para sermos seus filhos adotivos. (Cf. Ef. 1,5)
+ J. Marcos
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