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sexta-feira, 15 de abril de 2016

Amoris Laetitia: as reações da imprensa anglo-saxônica

Segundo os principais jornais americanos e ingleses, a exortação apostólica do Papa estende a mão aos divorciados, recasados e homossexuais, mas não muda a doutrina da Igreja

  Análise

Newspaper - Pixabay
A imprensa anglo-saxónica dedicou um amplo espaço para a publicação da Exortação Apostólica do Papa Francisco Amoris Laetitia e às reacções suscitadas. Um documento que, mesmo dentro de um mesmo meio de comunicação, trouxe opiniões muito diferentes com artigos onde se celebra “um importante passo adiante de uma Igreja católica sempre mais aberta ao mundo contemporâneo”, e outros que, pelo contrário, falam, com decepção de uma “mudança mais de forma do que de substância”.

No The Guardian, Rosie Scammell e Harriet Sherwood escrevem que o Papa “conclamou uma renovação na resposta da Igreja católica à vida familiar moderna, solicitando uma maior acolhida aos divorciados e homossexuais que aderem aos tradicionais ensinamentos da Igreja”. Definem Amoris Laetitia um documento “de mais de 250 páginas” no qual “Francisco delineia uma visão mais compassiva da Igreja sobre temas familiares, convidando os sacerdotes a responder às próprias comunidades sem aplicar rigidamente as regras”.

O artigo regista os comentários positivos de várias organizações para os direitos dos homossexuais, segundo o qual o Papa “levou a Igreja a reafirmar como cada pessoa, independentemente da orientação sexual, deva ser respeitada na sua dignidade e tratada com consideração” e, ao mesmo tempo, “toda discriminação deva ser evitada com atenção, especialmente qualquer forma de agressão ou violência”.

Ao mesmo tempo, destaca as preocupações de algumas vozes do mundo católico, como a de Matthew McCusker, da organização Voice of the Family, segundo o qual existem “graves problemas neste documento que não consegue dar uma clara e fiel exposição da doutrina católica”. “A Igreja – declarou McCusker – sempre ensinou que quando um católico faz um acto fortemente errado, deve buscar a reconciliação com Deus e com a comunidade dos fiéis através da confissão para voltar a ser admitido à Santa Comunhão. Se uma pessoa opta por permanecer em um tipo de união que contradiz a lei moral, não pode ter acesso à Eucaristia”.

Em outro artigo do jornal britânico, Amanda Holpuch narra a decepção de alguns grupos LBGT americanos que reconhecem como a exortação apostólica de Bergoglio “adopte uma linguagem mais tolerante para com as relações homossexuais, mas não inclui nenhuma mudança significativa na posição da Igreja sobre estas uniões”. De acordo com Mary Beth Maxwell, vice-presidente da Human Rights Campaign Foundation, Amoris Laetitia “será interpretada de formas muito diferentes pelos líderes da Igreja” e “é o resultado de dois anos de discussões, nem sempre serenos, entre os líderes da Igreja, muitas vezes divididos com relação ao mundo homossexual”. “A partir de muitos pontos de vista – disse Maxwell – não surpreende que, embora não se comprometendo muito com a plena inclusão que tantas pessoas procuram, tente, de todas as formas, criar uma cultura em que amar seja mais importante do que julgar”.

Indo para o outro lado do Atlântico, um artigo de Laurie Goodstein no New York Times julga positivamente “a abordagem de Francisco ao aceitar as famílias como são, em vez de insistir nos ideais de perfeição”, através do uso de uma linguagem “que deixa ampla margem aos indivíduos sacerdotes para estabelecer se os católicos divorciados podem ser readmitidos ao sacramento da Comunhão”. Segundo Goodstein “aqueles que esperavam por uma Igreja mais flexível foram satisfeitos” e, ao mesmo tempo, “foram tranquilizados aqueles que apontavam para uma reafirmação da ideia tradicional do matrimónio como permanente e indissolúvel”.

Parando novamente nas páginas do jornal da  Big Apple, Jim Yardley escreve: “Mais do que dar regras, o documento do Papa dá licença de adaptação. Alguns analistas o definiram revolucionário, outros o descreveram como opaco ou insosso. Mais do que impor uma linha política como um chefe executivo, Francisco efectivamente devolveu poderes a cada um dos párocos e sacerdotes, sugerindo que, em uma Igreja global, as melhores respostas, às vezes, se encontram a nível local”. Nessa linha, continua Yardley, Amoris Laetitia “cria um espaço maior na relação entre o clero e os fiéis, um espaço que alguns católicos liberais acreditam que poderia fornecer um percurso de readmissão aos sacramentos, incluindo a comunhão, para divorciados e recasados”.

Yardley também escreveu o que já estava escrito no L’Osservatore Romano pelo historiador Lucetta Scaraffia, que disse que Bergoglio “talvez até queria um documento mais corajoso, mas teve que deparar-se com a feroz resistência de quem temia uma mudança da doutrina ou um enfraquecimento das normas que poderia ter levado ao triunfo do relativismo moral”. “Fundamentalmente – continua Scaraffia – não aceitam a passagem do ser os guardiães da moralidade, juízes que reprovam os erros, a pastores que abraçam o sofrimento”.

De acordo com Randy Boyagoda, a exortação apostólica “coloca em primeiro lugar a vida e cura feridas, até se a sua abordagem produzir confusão e conflito”. “Quem pensava – continua o jornalista do New York Times – que o Papa teria traçado um percurso claro para os católicos divorciados ou recasados civilmente que querem ser readmitidos à comunhão, então ficará decepcionado. Ao mesmo tempo, porém, o Pontífice fala de forma honesta e inesperada a muitas famílias católicas que se sentem excluídas da Igreja e é crítico com uma visão muito rígida e irrealista da vida matrimonial. Não oferece novas e rápidas regras para a readmissão aos sacramentos, mas convida os sacerdotes a discernir casa por caso através do diálogo e a reflexão com os católicos divorciados”.

No The Washington Post, Anthony Faiola e Michelle Boorstein escrevem que o Papa Francisco “encorajou o seu clero para abraçar os pecadores, como fazem os santos, e estendeu um ramo de oliveira aos católicos divorciados e recasados, por muito tempo banidos do maior dos sacramentos: a santa comunhão”. Deu também “as boas-vindas, na história da Igreja moderna, aos casais divorciados e recasados, afirmando que não deveriam ser julgados, discriminados ou excluídos da vida da Igreja”, e “encorajou os sacerdotes a serem misericordiosos e a lidarem com o mundo em que vivem esquecendo o que desejariam”.

Uma “solução salomónica” que “em essência não muda as regras da Igreja”, mas “sugere um novo percurso de redenção que possa reconduzir muitos fieis à eucaristia”. Apesar da confirmação da oposição a qualquer forma de matrimónio ou união civil entre homossexuais, Faiola e Boorstein mostram como alguns católicos acusam o papa “de ter ido longe demais para apaziguar os liberais com a sua disciplina fraca” e de “tratar os pecadores como crianças mimadas”.

Permanecendo no Washington Post, em um editorial de Jonathan Capehart lemos: “Se a Igreja Católica fosse um enorme navio de guerra que, há dois milénios navega lentamente nos mares da moral humana, então o Papa Francisco seria o seu novo comandante que está tentando lentamente mudar de rota”. Segundo o jornalista, “o seu tom e as suas palavras sobre divórcio, família, e sobre como os homossexuais são tratados na Igreja marcaram uma profunda diferença do que já estávamos acostumados a escutar no Vaticano”.


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