O irmão Alois, prior da comunidade monástica e ecuménica de Taizé (França) anunciou, num comunicado divulgado às 18h desta terça-feira, 4 de Junho, que teve “conhecimento, com uma grande tristeza, de casos” de agressões sexuais sobre jovens “implicando irmãos” da comunidade. São “cinco casos de agressões de carácter sexual cometidas sobre menores, nos anos [19]50 a [19]80, por três irmãos diferentes, dois dos quais morreram há mais de quinze anos”, que foram comunicados ao Procurador da República na região, com o objectivo de continuar o “trabalho de verdade” decidido pela comunidade, “depois de ter falado com as pessoas vítimas”.
Mesmo sendo “antigos, em Comunidade pensámos que deveríamos falar deles”, acrescenta o prior de Taizé. “Quando fui informado destas acusações, a primeira coisa que fiz, com outros irmãos, foi escutar as pessoas vítimas, num respeito absoluto pela sua palavra, ouvindo o seu sofrimento e acompanhando-as o melhor possível.”
Em declarações hoje ao 7MARGENS, a propósito do sucedido, o irmão Alois, acrescentou: “Quando fui contactado, imediatamente levei a sério o testemunho das vítimas. Fiquei marcado pelo facto de algo se libertar nelas assim que a sua palavra era levada a sério.” O responsável da comunidade de Taizé explica o que sucedeu depois: “Com várias das vítimas, tivemos depois um contacto ao longo do tempo. Foi através deste acompanhamento que compreendi a profunda necessidade de justiça que elas sentem para que um caminho de cura destas feridas se possa começar a realizar.”
No comunicado, o irmão Alois diz ainda que a comunidade de irmãos – que conta com uma centena de membros, católicos e protestantes – reconhece que estas agressões cometidas no passado “também fazem parte” da sua história”. E adianta ainda: “Para nós, esta comunicação ao Procurador inscreve-se num trabalho de verdade que já tinha começado pela escuta das vítimas e hoje é ainda para elas que se dirigem os nossos primeiros pensamentos.”
“Ao ouvir as vítimas, sentimos vergonha e uma tristeza profunda”
As vítimas, assegura o prior de Taizé, têm estado no centro das diligências feitas pela comunidade: “Ao ouvir o que elas viveram e sofreram, sentimos vergonha e uma tristeza profunda. É possível que esta intervenção incite outras eventuais vítimas a falar: nesse caso, estaremos à escuta delas e procuraremos acompanhá-las nas acções que elas pretenderem desenvolver.” A comunidade, acrescenta o irmão Alois, está convencida de que “é apenas trazendo luz sobre estes actos” que poderá contribuir, ajudada por outras pessoas, “a proteger de forma eficaz todos aqueles que confiam” nos irmãos – de facto, são milhares de jovens que vão a Taizé todos os anos.
“Se falo hoje é porque devemos isso às pessoas vítimas, aos seus familiares e próximos e a todos os que procuram em Taizé um espaço de confiança, de segurança e de verdade”, acrescenta o irmão Alois, que no final da sua declaração coloca uma advertência que, desde 2010, motivara já uma referência alargada na página de Taizé na internet: “Qualquer agressão, antiga ou mais recente, cometida contra uma pessoa menor ou maior de idade, seja por um irmão que tenha abusado da sua ascendência moral ou por qualquer outra pessoa, pode ser comunicada ao endereço protection@taize.frou a uma associação de apoio à vítima.”
Também já desde essa altura a comunidade encarregou alguns dos irmãos e outras pessoas de escutar quem quer que tivesse “conhecimento de agressões de carácter sexual ou outras formas de violência, em particular no que diz respeito a menores de idade”, o que aliás, faz parte das informações dadas a todos os jovens e adultos que acorrem a Taizé no momento da sua chegada.
O facto de a comunidade ser, sobretudo desde a década de 1950, lugar de acolhimento de jovens de todo o mundo, foi um dos factores que levou os irmãos da comunidade a decidir-se por este “trabalho de verdade”, como o designa o irmão Alois. “Conscientes da nossa responsabilidade e da confiança que em nós colocam os jovens, as suas famílias e aqueles que os acompanham a Taizé, sempre procurámos que este acolhimento se desenvolvesse nas melhores condições, no respeito pelas convicções e numa grande atenção à segurança e à integridade de todos”, diz ainda o prior na sua declaração.
Primeira denúncia em 2010
A primeira denúncia dos casos agora comunicados por Taizé às autoridades foi feita em 2010, numa mensagem de correio electrónico enviada aos irmãos, explica ao 7MARGENS o irmão David, o único português que integra a comunidade. “O irmão Alois respondeu imediatamente, propondo que um irmão fosse encontrar a vítima”, conta ele. “A pessoa sentiu-se muito tocada por uma resposta tão rápida e por a sua acusação ter sido levada a sério e ao longo dos anos foi possível fazer uma caminho de apaziguamento. Esta pessoa quis, depois de um longo caminho, vir rezar a Taizé.”
Antes da morte do fundador e prior da comunidade, irmão Roger, em 2005, jamais chegara a Taizé qualquer denúncia concreta, acrescenta o irmão David. “Algumas alusões muito vagas sobre uma situação chegaram aos seus ouvidos, mas só recentemente é que a vítima falou com a comunidade”, explica o irmão David. “Na altura, ninguém dentro nem fora da comunidade deu importância a essas alusões, que pareciam muito pouco realistas.”
Para já, o trabalho que a comunidade fez foi sobretudo direccionado às vítimas. Tanto quanto os irmãos de Taizé sabem, “nenhuma pessoa se queixou de ter sido violada por um irmão, mas houve pessoas que sofreram muito por gestos e atitudes completamente intoleráveis, que são atentados à integridade da pessoa humana”.
O irmão David acrescenta, na linha da declaração do prior da comunidade: “O nosso primeiro pensamento vai sempre para a vítima e sentimos uma grande tristeza por irmãos terem podido magoar assim uma pessoa. Tem sido importante, entre todos os irmãos, falar abertamente do que as vítimas nos disseram e do seu sofrimento.”
De qualquer modo, o grupo dos irmãos sente-se atingido no seu coração. Apesar disso, acrescenta o irmão David, “há uma grande unidade entre os irmãos: todos, incluindo o irmão acusado, achámos essencial apresentar estes casos à justiça”.
A comunidade quis privilegiar “todo um processo de verdade, que implica motivar cada um a não ter medo nem vergonha de falar entre nós sobre tudo o que é importante, nomeadamente sobre as nossas próprias fragilidades”. Este processo, acrescenta, “implica também fazer todo o possível para tentar evitar que estas situações se possam reproduzir e trabalhar nesse sentido com o apoio de pessoas de fora da comunidade”.
O processo de diálogo com as vítimas
Foi nessa perspectiva que os irmãos decidiram entregar à justiça francesa os cinco casos de agressões e, ao mesmo tempo, falar deles publicamente. “Foi preciso tempo para amadurecermos uma decisão destas. A primeira necessidade depois foi falar com as pessoas vítimas e não fazer isso contra elas, mas com elas. De início, nenhuma vítima queria apresentar queixa à justiça. Mas quando nós dissemos o que pretendíamos fazer, algumas até se sentiram aliviadas e ninguém se opôs. Para nós isso foi muito importante”, diz ainda o irmão David ao 7MARGENS.
As diligências, no entanto, não se ficaram por aí e os irmãos acharam importante comunicar a responsáveis de diferentes igrejas cristãs o sucedido. O irmão Alois esteve em Paris e em Roma a comunicar de viva voz o sucedido.
O último episódio deste processo deu-se nesta segunda-feira, já depois da comunicação do irmão Alois ao procurador da República: os irmãos reuniram cerca de uma centena de jovens de todos os continentes que estão neste momento em Taizé como voluntários, a quem o prior explicou o sucedido e as iniciativas tomadas.
“Depois desta reunião com o irmão Alois, dividimos os voluntários em pequenos grupos, para que eles pudessem reagir, partilhar o que sentiam e colocar todas as perguntas que quisessem”, conta o irmão David. “Foram tempos de partilha profunda, com grande abertura. Um dos comentários mais ouvido foi a gratidão pela confiança e pela verdade.”
Numa entrevista publicada também ao final da tarde desta terça-feira no La Croix, o irmão Alois acrescenta estar consciente de que esta notícia irá “fazer mal a muitos”. Mas, manifestando o desejo de que essas pessoas lhe digam, afirma: “Espero sobretudo que este cuidado, que devemos às vítimas e aos próximos, contribua para evitar toda a falsa idealização e permita que os jovens continuem a encontrar em Taizé um lugar de escuta e confiança.”
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