São “como que meditações” acerca da paixão de Jesus, uma história “perversa” e que revela a “plena humanidade” de Cristo, diz a pintora Emília Nadal ao 7MARGENS, sobre as obras que seleccionou para a exposição Paixão. A mostra inclui obras de pintura e desenho realizadas ao longo de duas décadas e está patente no Centro Cultural Gil Vicente, no Sardoal, até 9 de Junho (Domingo de Pentecostes).
“A paixão e morte de Jesus de Nazaré foi um acontecimento perverso, sob todos os pontos de vista. Não é bom pretender branquear a realidade quando ela foi objectivamente horrenda”, diz a artista, a propósito do foco destas obras. Essa crueza, a dimensão do horrível que também se pode ler por exemplo nos quadros da série Via-Sacra, são dadas pela cor ou pelo movimento – Jesus é o corpo cujo contorno se destaca pelo vermelho de sangue, quase sempre em contraste com as cores mais suaves (ou mais duras) do ambiente circundante ou dos outros personagens – a mãe, Simão de Cirene, Verónica, as mulheres de Jerusalém, Pilatos…
“Há anos, passei uma Semana Santa muito engripada e dediquei o tempo todo a fazer a Via-Sacra, apesar de nunca ter participado numa ao vivo”, recorda Emília Nadal sobre o modo como surgiu este conjunto. “Gostei muito de os fazer, apesar de achar que a Via-Sacra é algo horrível, que nos move de horror e de admiração: perguntamo-nos como foi possível e como ainda é possível. E isso permitiu-me, de certa maneira, uma Semana Santa muito semelhante a uma meditação espiritual.”
Estas obras não se ficam, no entanto, pela dimensão trágica. “Cristo esvaziou-se de si próprio, entregando-se voluntariamente às vilezas humanas e religiosas que, infelizmente, são de todos os tempos. É disso que ele nos quer salvar para podermos ser filhos de Deus”, diz ainda Emília Nadal. “O mistério de Cristo não está apenas na sua divindade mas na aceitação da sua plena humanidade.”
Quer o esvaziamento quer a plena humanidade configuram-se em várias das obras patentes em Paixão. Não só em algumas da já referida série Via-Sacra, como também, por exemplo, nas duas Pietá, na Deposição da Cruz ou, ainda, na representação da Aparição a Maria Madalena.
O tema da Paixão não surge por acaso: no Sardoal, tendo em conta a riqueza de tradições ligadas à Semana Santa e ao tempo de Páscoa, tornou-se já uma tradição, desde 2000, organizar uma exposição evocativa da época, como explica João Soares, curador da galeria de arte municipal. Como em outras localidades, as tradições incluem momentos devocionais fortes, como sejam as procissões dos Passos, de Ramos, do Enterro e dos Fogaréus – assim designada por causa das tochas que iluminam a procissão, ao mesmo tempo que a iluminação pública é apagada.
Por isso o convite a Emília Nadal surgiu quase como inevitável: João Soares já tinha visto o Pentecostes exposto e conhecia a obra de Emília Nadal sobre a temática religiosa. “Eu tinha gosto em expor durante este tempo, era uma oportunidade de ver tudo junto e foi fácil aceitar”, respondeu a artista.
“A paixão da exposição é a paixão de Jesus Cristo, mas também a minha, por traduzir o trabalho que me realiza e que faço quase sempre por motu próprio”, diz ainda Emília Nadal. “E inclui temas diferentes, também porque eu sempre trabalhei temas e géneros muito diferentes.”
Os 30 desenhos e pinturas foram realizados entre 1990-92 (um Jacob com o Anjo) e 2010 (alguns desenhos do Calvário e da Crucificação). Pelo meio, estão as do Pentecostes (2003) as outras 20 pinturas em pastel da Via-Sacra, o Pentecostese a Luta de São Miguel com o Dragão (2004), e da Ressurreição (2005).
Apesar de ser a primeira vez que expõe algumas das obras, outras já participaram em exposições anteriores: o Pentecostes esteve já na Torre do Tombo, numa exposição sobre o Espírito Santo, a Ressurreição foi exposta na Sociedade Nacional das Belas Artes em 2005, por ocasião do Congresso Internacional para a Nova Evangelização em Lisboa, uma parte da Via-Sacra foi mostrada em Fátima há vários anos e Jacob e o Anjo na Galeria São Mamede, em Lisboa.
Nem só de semanas engripadas se fazem as histórias desta mostra. O desenho da contra-capa do catálogo mostra o centurião a olhar para o Cristo morto. Emília Nadal recorda que, há muitos anos, numa temporada do Verão em Faro, ouvia na missa da Sé um padre que lia sempre o texto do evangelho que conta que o centurião trespassa Cristo com uma lança. “Só mais tarde descobri que ele tinha ficado quase cego e por isso rezava sempre o mesmo texto…”
Paixão – Pintura e Desenho, de Emília Nadal
Centro Cultural Gil Vicente – Avenida Dom João III – Sardoal
Todos os dias, excepto segundas-feiras, 16h-18h; até 9 de Junho
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