Cultivo em estufa
mudas de flamboyant a partir de sementes que cato por aí. Quando encontro uma
árvore adulta com bela floração trato de arrumar uma vara para abater algumas
vagens. Aprendi como despertar as sementes e o resultado tem sido razoável. Destinei
várias mudas a uma área rural. Planejei plantá-las no entorno de um morro,
sonhando com o colar avermelhado que, à distância, haveria de divisar ao cabo
de alguns anos.
O plantio com um
ajudante não foi fácil por conta do solo pedregoso, mas a altura em que foram
dispostas é área livre de geadas e portanto nos pareceu que a empreitada
poderia ter sucesso. Ao final da tarefa estávamos moídos de cansaço, mas como
já disse alguém, a combinação de sacrifício e fé é poderosa e o cansaço era o
de somenos. Alguns meses depois voltei à área e descobri que pouco menos da
metade vingara. Tudo indicava que a razão fora a passagem de gado, com sua
habitual indiferença por veleidades paisagísticas. O inverno, contudo, passara
e o sonho estava encaminhado. Ou, melhor dizendo, quase a metade dele. Pouco
importava, afinal se um único flamboyant já é um deleite para os olhos e um
conforto para o espírito, o que dirá umas duas dezenas desta espécie originária
da ilha de Madagascar.
Assim como gosto
de semear, gosto de ler. Dias atrás um amigo me sugeriu a leitura de Homo Deus, do mesmo autor de Sapiens. Não li o segundo e apenas
passei os olhos no primeiro, mas me interessei em saber do que tratam. A
sugestão de leitura foi seguida por um rasgado elogio à origem do autor. É de Harvard!, me disse. O que
acontecerá nos próximos anos é o mote central do livro. O que deveria pensar? Que
o Olimpo se manifestou pela pena de Yuval Noah Harari?
Selecionei alguns
trechos: “Geração após geração os humanos rezaram
para todos os anjos, deuses e santos e inventaram um sem-número de ferramentas,
instituições e sistemas sociais — mas seguem morrendo aos milhões de inanição,
epidemias e violência. Muitos pensadores e profetas concluíram que a fome, a
peste e a guerra deviam fazer parte do plano cósmico de Deus ou de nossa
natureza imperfeita, e nada a não ser o fim dos tempos nos livraria delas. (...)
O sucesso alimenta a ambição, e nossas
conquistas recentes estão impelindo o gênero humano a estabelecer objetivos
ainda mais ousados. Depois de assegurar níveis sem precedentes de prosperidade,
saúde e harmonia, e considerando tanto nossa história pregressa como nossos
valores atuais, as próximas metas da humanidade serão provavelmente a
imortalidade, a felicidade e a divindade. Reduzimos a mortalidade por inanição,
a doença e a violência; objetivaremos agora superar a velhice e mesmo a morte.
Salvamos pessoas da miséria abjeta; temos agora de fazê-las positivamente
felizes. Tendo elevado a humanidade acima do nível bestial da luta pela
sobrevivência, nosso propósito será fazer dos humanos deuses e transformar o
Homo sapiens em Homo deus”.
A despeito dos avanços da medicina, acendeu a luz vermelha!
Certa feita contestei com
reflexões cristãs um colunista de um periódico paulistano. Sua resposta acabou
com a polêmica: informou que sua perspectiva era a de um ateu como, me parece,
é o caso de Yuval Harari. A busca da verdade não é privilégio dos teístas, mas
é sempre saudável conhecer a perspectiva de quem escreve. Não para discriminá-lo,
mas para melhor entender suas ideias. Em “O
homem revoltado” Camus discorre exatamente sobre a vontade de ser deus que
decorre da suposta indiferença, morte ou mesmo maldade de Deus. Cá entre nós, isto
não lembra Adão e Eva no Éden? Pelo jeito a metáfora da expulsão do Paraíso
longe está de ser uma tolice e a recorrência do tema apenas demonstra sua
centralidade na existência humana.
Santo Tomás reconheceu que
não é possível demonstrar a existência de Deus, mas tampouco os ateus podem demonstrar
que Ele não existe. Para o perigo do encantamento com novidades, Von Hildebrand escreveu que “As categorias de verdade e falsidade foram
substituídas pela preocupação de algo ser atual ou pertencer ao passado, ser
corrente ou ultrapassado, ser “vivo” ou “morto”. Saber se uma coisa é “viva” e
“dinâmica” parece mais importante que saber se é verdadeira e boa. Essa
substituição é um sintoma óbvio de decadência intelectual e moral”.
Decorridos
aproximadamente dois anos, retornei ao morro. Não encontrei um flamboyant sequer.
Os imaginara já robustos e jamais suporia sua extinção, triste para quem
manuseara as sementes. Mais uma frustração para o rosário da existência, mais
uma lição para uma iniciativa amadora. Não é fácil plantar em solo pedregoso.
Não é sábio plantar no caminho dos bois.
J. B. Teixeira |
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