sexta-feira, 8 de junho de 2018
Está disponível no Youtube um vídeo com o registo da sessão de apresentação do livro A Religião dos Portugueses, que decorreu no passado dia 29 de Maio, em Lisboa.
Na intervenção com que apresentou o livro, o padre José Tolentino Mendonça afirmou que a edição desta obra “é a realização de um sonho”. Este é um livro “absolutamente marcante na produção teológica em Portugal”, escrito por “um grande artesão da teologia”, que “mostra uma juventude e um saber fazer verdadeiramente incontornável”.
Com este livro, “pela primeira vez, a teologia feita em português e em Portugal arriscava pensar-se contextualmente”, acrescentou o autor de Elogio da Sede. “E essa contextualização do seu discurso dá à sua palavra uma força em Portugal que a palavra teológica ainda não tinha conseguido.”
Estabelecendo relação com a obra O Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço, Tolentino Mendonça afirmou que A Religião dos Portugueses é também “uma reflexão sobre o país, não a partir da dimensão traumática, das nossas patologias históricas e desta sintomatologia frustrada da nossa alma – nunca fomos aquilo que quisemos ser”, mas fazendo “uma leitura que, em diálogo com esta, é verdadeiramente outra coisa, pela leitura positiva, acolhedora, daquilo que é a demanda religiosa dos portugueses”. São dois livros, acrescentou, “absolutamente decisivos para entender Portugal, naquilo que eles têm de próximo e que têm de distante”.
Referindo-se ainda ao autor, disse o poeta e biblista: “Temos uma grande dívida para com frei Bento Domingues, no sentido da inquietação e da incitação que ele nos faz ao pensamento.” Frei Bento Domingues, disse ainda, “é um grande autor”, cuja “capacidade de penetrar, poder de referenciação” e “magistério” exercido “na cultura portuguesa – no campo religioso e fora dele” mostram “como, através do pensamento e através da palavra, frei Bento é capaz de mostrar que aquilo que define os portugueses é o coração”. Por todas essas razões, frei Bento é hoje “um dos pilares da sociedade portuguesa”.
Ficam a seguir alguns excertos da intervenção de Tolentino Mendonça, que pode ser vista entre os 5’00 e os 30’20”:
(A Religião dos Portugueses é) Um livro absolutamente marcante na produção teológica em Portugal, no século XX , que marcará aquilo que de melhor se vier a produzir neste domínio, porque corresponde a um momento de viragem.
A teologia – e devemos ao frei Bento a explicação do que é a teologia na pluralidade dos seus métodos, na diversidade dos caminhos que ela pode percorre, nas ferramentas de que ela se socorre – é a capacidade de poder pensar o fenómeno religioso, e poder pensar num percurso amplo, livre, coerente, mas arriscado, a uma série de metodologias; não é só a filosofia que é parceira do fazer da teologia, mas a teologia enriquece-se muito com o encontro com as outras ciências; e nesta obra temos uma capacidade madura e uma grande perícia e o recurso a instrumentos diversos para pensar a religião.
Este livro é uma prova de vida de um grande artesão da teologia, de um decano da teologia em Portugal, que mostra uma juventude e um saber fazer verdadeiramente incontornável.
O que a segunda metade do século XX mostrou foi uma teologia com sotaque, muito marcada por formação no estrangeiro, com sotaque romano, alemão,... com dificuldade muito grande em inscrever-se no território que é Portugal. No percurso de frei Bento Domingues, e nomeadamente neste gesto seminal que A Religião dos Portuguesessignifica, temos de forma desassombrada, pela primeira vez, uma mudança de respiração.
Neste livro, estamos perante um momento novo do pensamento teológico em Portugal, porque o facto de se realizar em Portugal não é um acidente. O facto de estar em Portugal tornou-se uma peça fundamental do próprio pensamento. Pela primeira vez, a teologia feita em português e em Portugal arriscava pensar-se contextualmente. E isso é alguma coisa que, na história contemporânea da teologia, se torna um gesto fundamental. Naquilo que frei Bento escreve, sentimos que pela primeira vez há um pensador que abre os olhos e que fala a partir daquilo que vê, daquilo que sente, do que é capaz de descrever. E essa contextualização do seu discurso dá à sua palavra uma força que, em Portugal, a palavra teológica ainda não tinha conseguido. E ele faz isto partindo da sua própria experiência – e esse é um aspecto muito rico, muito presente e muito sedutor no pensamento de frei Bento Domingues – mas faz isso, pela primeira vez, também contextualizando o seu pensamento num diálogo com os outros e outras que pensam Portugal, e pensam a procura de sentido que se faz na nossa cultura e no nosso território. Isso mostra uma vontade de abraçar o que está mais perto dele.
Um aspecto que me tocou muito no capítulo novo que frei Bento escreveu para este livro é a quantidade de perguntas com que ele nos deixa. E essa é muito a forma como ele constrói a sua própria racionalidade, que nunca é uma racionalidade fechada, nunca é a procura de uma dogmática, mas é sempre um modo de, de certa forma, sistematizar a procura, sistematizar a demanda, sabendo que ela há-de continuar em aberto. Encontramos sempre uma curiosidade por aquilo que virá, por aquilo que poderá ser, pelas novas hipóteses que se encontrarão, por aquilo que de novo se escreve...
Temos consciência da forma como frei Bento nos fez olhar para Fátima de outra maneira. Pier Pasolo Pasolini dizia que o mais moderno em cada tempo é sempre o povo. A modernidade, em Portugal, chega através de Fátima – como frei Bento Domingues a descreve, na sociologia díspar do fenómeno de Fátima, que se torna um grande laboratório para nos dar a ver como o catolicismo português é diferente, é novo, é feito de muitas coisas diferentes, é compósito, é contrastado... Só um espectador como frei Bento Domingues era capaz de perceber que aquele lugar é uma espécie de laboratório do desassossego e que o rasgão, a abertura que aquele lugar tem, como lugar onde o religioso está pulsante, está vivo, é como o magma em bruto; mas ali encontram-se traços decisivos para entender a religião na era secular, para entender o que são os processos de recomposição do cristianismo, o que é a crise da pertença e o que são as novas possibilidades que a crença vai encontrando.
Temos uma grande dívida para com frei Bento Domingues, no sentido da inquietação e da incitação que ele nos faz ao pensamento. Podemos olhar para Fátima e dizer: “a procissão das velas basta-nos, temos ali o que resta do catolicismo e é tão grandioso e tão belo que se torna uma imagem autossuficiente”. Frei Bento é capaz de olhar para aquele cais de luz e perceber o dinamismo, o movimento que está por trás daquilo e transmitir-nos a grande pergunta que ali é feita. E faz isso com a sabedoria, a bonomia, a acutilância, a coerência, com o rigor, com a perseguição de um pensamento, com o estudo crítico que ele nunca deixou de fazer – quem é leitor das suas crónicas sabe como é surpreendente a actualização permanente do olhar de frei Bento Domingues, que hoje é um dos pilares da sociedade portuguesa, como todo o mérito dele. E é um pilar completamente inesperado.
O que faz Eduardo Lourenço (em O Labirinto da Saudade)? Escolhe o que chama os cinco traumas da construção da identidade portuguesa e faz uma espécie de revisitação da identidade do país através destes encontros traumáticos. É curioso aproximar O Labirinto da Saudaded’A Religião dos Portugueses. Porque temos também uma reflexão sobre o país, não a partir da dimensão traumática, das nossas patologias históricas e desta sintomatologia frustrada da nossa alma – nunca fomos aquilo que quisemos ser – mas temos uma leitura que, em diálogo com esta, é verdadeiramente outra coisa, pela leitura digamos positiva, acolhedora, daquilo que é a demanda religiosa dos portugueses. São dois livros escritos na mesma década e que são absolutamente decisivos para entender Portugal, naquilo que eles têm de próximo e que têm de distante.
Frei Bento Domingues é um grande autor. A capacidade de penetrar, o poder de referenciação, o magistério que ele exerce na cultura portuguesa – no campo religioso e fora dele –, mostra bem como, através do pensamento e através da palavra, o frei Bento é capaz de mostrar que aquilo que define os portugueses é o coração.
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