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domingo, 17 de abril de 2016

Amoris Laetitia: as esperanças dos separados

O Presidente da Associação italiana Famílias Cristãs Separadas comenta a exortação pós-sinodal sem retórica. Não poupa críticas e espera que às palavras se sigam finalmente os factos

  Família

Youtube - Webtv Cleofas
Tem-se passado uma semana da publicação da exortação pós-sinodal Amoris Laetitia. Após a longa espera, que durou mais de cinco meses após o fim do último Sínodo, e depois do calor da novidade também, chegou a hora de assimilar o documento redigido pelo Papa Francisco para compreender como concretizar  aquele apelo à acolhida, que é o fio condutor.

Uma passagem da teoria à prática que o eng. Ernesto Emanuel espera desde 1981, data de publicação de uma outra exortação apostólica inerente aos temas da família, a Familiaris Consortio de São João Paulo II. Emanuel é amavelmente considerado “o pai dos separados”. Com 81 anos, três filhos e uma esposa da qual se separou há 40 anos, em 1990 fundou a Associação das Famílias cristãs separadas, que ele preside.

“O chamado a uma ‘urgente atenção’ com relação a nós, separados – comenta a ZENIT Emanuel – já estava presente na Familiaris Consortio, porém as coisas não saíram exactamente como desejava o Papa Wojtyla…”.

E nem sequer como indicam vários documentos e intervenções eclesiais depois de 1981. “Especialmente por parte dos Papas – explica – foram oferecidas muitas reflexões excelentes sobre este tema: palavras de incentivo e cheias de autêntico desejo de inclusão que, contudo, não baixaram às acções concretas”.

Emanuele disse que em 25 anos de experiência na escuta e apoio das pessoas que trazem nas cosas um matrimónio fracassado, confrontou-se com milhares de casos. “Muito diferentes uns dos outros – disse – mas muitas vezes unidos pelo denominador comum da exclusão por parte dos sacerdotes”.

Uma exclusão que “não corresponde tanto aos aspectos teológicos ou doutrinários, mas aos aspectos mais humanos”. Para dizer com o Papa Francisco, Emanuele observa que “não sentimos muito o cheiro das ovelhas nos pastores da Igreja”. Desde a lei do divórcio de 1970 até hoje, segundo o engenheiro de Milão, na Itália, as autoridades eclesiásticas assistiram muito passivamente o rompimento de mais de 2 milhões de casais que se separaram.

“Até negando o problema”, denuncia Emanuele com base em suas experiências pessoais com “vários bispos”. Trata-se de ocasiões perdidas, porque “não há nenhuma pessoa mais permeável ao Evangelho do que aquelas que passaram pela tragédia da separação”. De não-crentes que se aproximaram de Deus graças à Associação Famílias cristãs separadas, Emanuele conheceu muitos.

“Muito pouco é necessário para dar esperança a essas pessoas – diz -, apenas ouvi-las, encontra-las, dar-lhes uma palavra de consolo”. Desses pequenos gestos pode nascer depois um acompanhamento para uma jornada de fé. “Nós, em 25 anos, não escrevemos nenhum livro – continua -, em contrapartida, ajudamos milhares de pessoas, através da oração, ajudando-as a retomar uma relação com Deus, o único que pode dar respostas em certos momentos de crises”.

E se, por um lado, até agora está faltando esta atitude de acolhida por parte de muitos sacerdotes, por outro, Emanuele registou uma excessiva “manga larga”. Explica que “na diocese de Milão – onde mora – pelo menos um sacerdote de dois dá a comunhão com facilidade aos separados que começaram uma nova união”.

Este tema, da comunhão para divorciados novamente casados, atraiu a atenção da media nos dois Sínodos recentes. Porém, Emanuele quer lidar “sem a superficialidade” que encontrou em “muitos meios de comunicação e também em muitos homens de Igreja”.

Lembra que “no Código de Direito Canónico está expressamente previsto que quando uma pessoa se separa deveria ir ao próprio bispo para receber conselhos”. Indicação que permanece, porém, letra morta. “Muitos recebem a autorização do próprio pároco para comungar sem problemas e fazem isso”, afirma Emanuel.

Em vez de dar concessões fáceis que fluem como água morna na vivência das pessoas, o desejo de Emanuele é que com Amoris Laetitia se comece a tomar uma estrada marcada por uma calorosa mensagem de “escuta, acolhimento e acompanhamento”. O engenheiro, no entanto, tem a preocupação de perguntar-se “como se fará para criar uma nova sensibilidade entre os sacerdotes” e quantos anos serão necessários para se tornar efectiva aquela “formação adequada para tratar os complexos problemas actuais das famílias”, dos quais o papa fala.

Perguntas às quais se acrescenta uma outra. Quantos são aqueles que tendo fé no Magistério decidem viver “como irmão e irmã”? “Pouquíssimos”, segundo Emmanuel. E assim compartilha a passagem de Amoris Laetitia na qual o Papa se faz intérprete da impressão de muitos casais separados, segundo o qual, se entre eles “faltam algumas expressões de intimidade”, ‘não é raro que a fidelidade seja colocada em perigo e possa ser comprometido o bem dos filhos”.

No entanto Emanuel quer que a Igreja, além de se concentrar em situações familiares já comprometidas, procure ajudar os casais a não se deixarem. Neste sentido se coloca céptico com relação à reforma de Francisco para simplificar os procedimentos de nulidade matrimonial.

Considera o recurso à Rota Romana “uma coisa para os ricos”, que abrange poucos casais. “Diante dos filhos é possível falar de nulidade?”, se pergunta Emanuel. A pergunta é retórica, porque “conheceu tantos filhos que pediam a separação dos pais briguentos, mas que depois ficavam horrorizados com a hipótese de declarar nulo o matrimónio”.

Então, a sua opinião é que quando se fala de separação, se olhe pouco para os filhos, que – comenta amargamente Emanuel – “levam feridas da separação dos pais por toda vida”. Talvez seria necessário começar do ter misericórdia para com eles, para dar concretude à Amoris Laetitia.



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