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sábado, 27 de agosto de 2022

Católicos portugueses desenham uma Igreja radicalmente diferente

 | 26 Ago 2022

Paróquia São Brás. Missa.

Celebração na paróquia de São Brás. Católicos portugueses querem “passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação ativa de todos os seus membros”. Foto © Arlindo Homem/Ecclesia.

 

Os bispos portugueses divulgaram nesta sexta, 26, a síntese nacional das sínteses diocesanas, a que deram o nome de “Relatório de Portugal”, um texto que está já pronto há algum tempo e que foi enviado para o secretariado geral do Sínodo, em Roma, antes de 15 deste mês.

Cumprindo escrupulosamente as 10 páginas superiormente sugeridas, o documento é composto por três partes: uma sobre os processos de recolha de informação, com dados descritivos do que se passou, sem quantificar; uma parte mais substantiva centrada nos conteúdos extraídos das sínteses das dioceses; e a terceira sobre “uma visão da Igreja atual e propostas de mudança”. O objetivo genérico, que vem numa breve introdução, é “ajudar a passar de uma Igreja exageradamente centrada na autoridade e ação do clero para uma Igreja sinodal e missionária, na comunhão e participação ativa de todos os seus membros”.

A parte mais substantiva chega à afirmação de que “as diferentes comunidades diocesanas acreditam que a participação, corresponsabilidade e sinodalidade não são ainda efetivamente praticadas na Igreja”. A ausência dessas práticas – diz o Relatório – “tem consequências na forma como se vive e se perceciona a Igreja”, o que é ilustrado através de uma listagem de aspetos de carga negativa, que caraterizariam a Igreja.

Entre esses aspetos surgem as afirmações de ser “pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã”; uma Igreja que “tem dificuldade em fazer caminho com os jovens”, os quais, por sua vez, acham que ela tem uma “mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos”.

“Demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança” são caraterísticas que o documento atribui à Igreja, a qual dá mais importância à sua imagem do que à segurança da comunidade, como ocorreu e ocorre com os abusos sexuais.

Por outro lado é criticada a pouca abertura para debater de forma “aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres” e presa a um modelo que “concebe o humano a partir do masculino”.

O texto refere também aquilo que designa por “ambiguidade” relativamente a movimentos dentro da Igreja, valorizando os que fazem uma “experiência espiritual”, mas não têm em conta a “comunhão” e o diálogo com o mundo.

A “igualdade de mulheres e homens na missão” é também apontada como carecendo de reconhecimento, o que é visível nos processos de tomada de decisão e escolha de lideranças, considerado “pouco transparente e inclusivo”, com cargos ocupados por pessoas com posições vitalícias.

A formação dos presbíteros apresenta deficiências, segundo o Relatório dos bispos, desde logo, “para lidar com os problemas humanos da vida contemporânea”, para o trabalho em equipa, para responder aos desafios das questões de género e para que sejam homens do seu mundo e do seu tempo, com uma dimensão humana, espiritual e social”.

A assunção das causas da ecologia integral e a defesa da Casa Comum como um imperativo; a atenção à “solidão social” dos jovens no “planeta digital”; a adaptação aos ritmos e às exigências da família de hoje; e a insuficiência do diálogo ecuménico e com a sociedade são outras tantas limitações e desafios apontados na síntese nacional.

A este ‘prato da balança’ dos aspetos negativos, a síntese opõe a seguir, como que a contrabalançar, um conjunto de aspetos positivos. Desde logo, “a Igreja é tida globalmente como uma instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais”.

Além da dimensão socio-caritativa que “confere à Igreja uma visão positiva aos olhos da sociedade”, o documento sublinha “o papel relevante nas áreas da educação, saúde e apoio à terceira idade, e a sua presença humanizadora nos momentos mais difíceis na vida de um indivíduo, acompanhando-o no luto e gestão da dor”.

O episcopado dá já por seguro um assunto de atualidade que tem estado nas primeiras páginas dos órgãos de informação, a saber, o dos abusos: “reconheceu-se também que, ao assumir e corrigir os erros do passado, como no caso dos abusos de menores, a Igreja continua a ser uma referência positiva no seio da sociedade”.

E é neste seguimento de aspetos a sublinhar o ‘prato positivo’ da balança, que surge um parágrafo em que se diz “Dado o desafio lançado pela Santa Sé, que nos pede uma avaliação profunda sobre a Igreja e propostas de mudança, não podemos deixar de notar que a visão atual da Igreja é, pois, marcada por uma imagem maioritariamente desfavorável”, em decorrência do ponto em que se anotaram os aspetos negativos.

Considerando-os “áreas onde a conversão é urgentemente pedida”, o Relatório avança com preocupações que passam, a título exemplificativo, por “uma Igreja de portas abertas, que abrace a diversidade e acolha todos, excluindo as atitudes discriminatórias que deixam à margem a comunidade LGBTQIA+ e os divorciados recasados”; “uma Igreja que dê voz às minorias e estabeleça um diálogo com as periferias, sobretudo, aos que estão mais próximos de nós, denunciando a pobreza e apoiando os pobres, valorizando o que é essencial a uma vida digna e dando maior atenção aos recursos do planeta”.

De seguida, fazem-se múltiplas sugestões que vão de encontro – e procuram ser tópicos para as respostas – aos aspetos negativos atrás enunciados. Exemplos possíveis: participação, transparência e rigor nas formas de decisão e gestão; interconhecimento de movimentos e grupos nas comunidades paroquiais e inter-paróquias; exigências na formação e exercício do ministério de presbítero; atenção à comunicação e à linguagem; participação dos leigos e, particularmente, das mulheres na vida e nas instâncias de decisão da Igreja, entre outros.

Uma orientação enunciada na parte final da síntese, a que vale a pena prestar atenção, diz respeito ao papel que pode vir a ter a Conferência Episcopal Portuguesa na consolidação da consciência sinodal, “dando continuidade a esta dinâmica de caminhada conjunta, com linhas pastorais programáticas… para toda a Igreja em Portugal, programa este delineado a partir da escuta das dioceses que, por sua vez, escutam as suas comunidades”.



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