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sábado, 10 de setembro de 2016

Caminhar

Carlitos tem pouco mais de um ano. Entre a entrada do apartamento onde vive e o corredor, há um pequeno degrau que lhe tem causado algumas quedas. A mãe reparou que ele deslizava cautelosamente o pézinho na passagem do corredor para a cozinha, sobre a separação entre o sobrado e os azulejos, apoiando-se na ombreira da porta. O bebé, mais do que aprender a andar, aprendia a caminhar. Na sua mente, a diferença de cor no chão já o avisava da possibilidade de existir um degrau e do risco de cair. Carlitos era capaz de pensar.
 
Existem diferenças entre o andarilho e o caminhante. O primeiro dá passos sem objectivo nem prevenção. O segundo dá sentido aos seus passos e, por isso, prepara-se estudando e aconselhando-se; vai moldando esse caminho pisando-o com cuidado, fugindo dos obstáculos e precipícios que podem atrasar o progresso ou impedir, para sempre, a chegada à meta. Cada vez conhece melhor o caminho e as suas próprias limitações, não só pelo tacto, ao pisá-lo, mas também pelo desconforto do clima, pelo alívio da sombra das árvores, pela frescura de uma nascente.
 
O início do ano escolar leva-nos a pensar nos nossos filhos, netos e alunos em geral. Seremos capazes de os ensinar a caminhar ou apenas a andar? Como incentivá-los a ser criativos, a criar soluções em vez de problemas. A ouvir conselhos com sentido crítico, aprendendo a distinguir a mentira da verdade e, sobretudo, a aceitar a vocação humana de contribuir para a sociedade com algo único: o que é próprio do ser único que é cada pessoa.
 
Na escola é possível aprender a andar, a pensar, a criar..., mas isso não basta. Para uma formação completa é necessário aprender a caminhar, e isso costuma começar a acontecer não na escola, mas em família. Para se caminhar, não basta aprender dos livros e professores; há que senti-lo na pele, no espírito e na alma. É em família que se compreende a profunda união que existe entre o bem estar físico e o afecto espiritual que anima o ambiente de lar. O sorriso da mulher disponível para acolher o marido cansado, o filho desportista, a sogra viúva... Se os sofrimentos e dificuldades são superados, percebemos que há almas de caminhante nessa família. Claro que há professores capazes de formar caminhantes, mas o seu tempo e ciência estão limitados pelas suas obrigações de docentes.
 
Estamos a sentir falta de famílias atentas à formação mútua. Faltam mães à espera dos filhos quando estes chegam a casa. Faltam pais formadores de vontades que se não deixam dominar pela cultura do fácil e cómodo, próprio da “cultura do sofá”, como lhe chamou o Papa Francisco. O caminhante põe-se a caminho faça sol ou faça chuva, mas sabe proteger-se. Supera-se em cada passo que dá, carregando cada vez mais peso sobre os seus ombros porque aceita compromissos e desafios e aceita comprometer-se com o maior de todos eles: entregar a sua vida a algo grande: uma ideia, uma obra, um Amor.


Isabel Vasco Costa




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