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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O antídoto

Não venho tratar da cura da pandemia que nos aflige, nem sequer dos antídotos para venenos fatais. Esses poderão diminuir os efeitos nocivos da peçonha, e até evitar a morte. Tratamos hoje de um veneno terrível, fatal, mundial e extraordinariamente duradouro; e, sobretudo, do seu antídoto incompreensível mas vital, e igualmente mundial, não apenas duradouro mas eterno. O primeiro é o pecado original; o segundo é a Cruz.

Vejamos: primeiro o veneno, a seguir um primeiro antídoto temporariamente eficaz, e depois o antídoto definitivo.

O pecado original consiste na perda de confiança em Deus para se passar a confiar no demónio. É este o maior pecado de todos, aquele que contamina toda a humanidade por milénios, aquele que vai contra o primeiro mandamento da lei de Deus, aquele que, nos nossos tempos, toma a forma de astrologia, bruxaria, quiromancia, reiki, yoga... Tudo isto consiste no mesmo pecado: confiar mais em algo, ou alguém, do que em Deus. Além disso, quem desconfia de Deus “contamina” outros com esse veneno, como Eva fez com Adão logo no princípio dos tempos. Naturalmente, Adão deixou de amar Eva, acusando-a como “essa mulher que Tu me deste” por o ter tentado a desobedecer. Ao deixar de confiar em Deus, também deixamos de confiar nos outros.

Ao caminhar para a terra prometida, o povo judeu perdeu a confiança em Deus. Yavé castigou-o enviando serpentes venenosas e muitos morreram. É novamente a “serpente”, esse símbolo do tentador, que vem fazer mal aos homens. Moisés, a pedido do povo, intercede junto de Deus. O Senhor manda-lhe que faça uma serpente de bronze e a coloque no alto de um poste. É este o primeiro antídoto de que falávamos antes. Quem olhasse para a serpente depois de mordido ficaria curado. O poste, com a serpente atravessada no alto, fazia lembrar uma cruz, mas não passava de uma imagem; ainda não era a cruz com o crucificado. O poste com a serpente era um antídoto só para aquela ocasião e aquele mal concreto do envenenamento; e temporário, todos morreriam mais tarde, como Lázaro, aliás, depois de ressuscitado.

Na verdadeira Cruz, não existe qualquer imagem. Está ali um verdadeiro Homem, e verdadeiro Deus, que sofre padecimentos infligidos injustamente no corpo e no espírito. Fazem troça d’Ele, e Ele sabe que muitos homens não irão aproveitar o seu sacrifício. No entanto, é o grande sacrifício que torna o antídoto grande e poderoso. Contra que mal é eficaz a Cruz? Contra o pecado e contra o consequente castigo de quem o pratica: a pena eterna. E durante quanto tempo o antídoto é eficaz? É eficaz para sempre desde a morte de Cristo. Nessa altura, alguns mortos ressuscitaram. É certo que voltariam a morrer, mas esse milagre representava mais um dos efeitos deste antídoto que é a Cruz. Quais são então esses efeitos?

O objetivo de Jesus ao vir ao mundo era acabar com o pecado: “Não peques mais” foi uma frase várias vezes por Ele pronunciada. Outro objetivo era perdoar os pecados. Quer um, quer outro destes objetivos levavam ao objetivo principal: tornar os homens felizes para sempre. Foram alcançados estes objetivos? Sim e não.

Não pecar. É o objetivo menos alcançado porque o sacrifício de Cristo não retirou liberdade ao homem. O demónio continua a tentar as pessoas, mas perdeu poder, pois, do seu coração aberto, Cristo deixou-nos sete sacramentos, um dos quais, a Confirmação que fortalece o homem na sua luta contra o pecado, próprio e alheio.

Perdoar pecados. O Baptismo é o primeiro e mais importante sacramento que se recebe na Igreja. Além de perdoar o pecado original e todos os pecados passados, torna-nos filhos de Deus. Ao receber o Batismo, passamos a fazer parte da Igreja, corpo de Cristo. Por isso, todas as nossas boas ações passam a ter valor sobrenatural. Se adiamos a receção desse sacramento, as boas ações anteriores não são contabilizadas.

Ao cometer um pecado mortal, a alma fica espiritualmente como morta. Só o que é mau (pecados, defeitos e más ações) deteriora cada vez mais a alma, e as boas ações como que não existem, ficam apagadas, sem valor. Quando isto acontece, o sacramento que cura a alma é o da Confissão sacramental. Em cada confissão, o próprio Cristo, representado pelo sacerdote confessor, perdoa os pecados confessados e também os não confessados por esquecimento. Além disso, ao recuperar a graça, a alma fica com mais forças contra a tentação e recupera o mérito de todas as boas ações anteriores, mesmos as feitas em pecado mortal.

Felicidade para sempre. A felicidade que Deus preparou para o cristão é imensa, ultrapassa tudo quanto podemos imaginar e, desde o sacrifício da Cruz, está garantida para quantos morrem em estado de graça, ou seja, os que passaram pela vida terrena tentando cumprir os preceitos divinos. A felicidade eterna é diferente da felicidade humana. É muito mais profunda e completa, e inclui uma glória espiritual, e também corporal, no fim do mundo, momento em que os nossos corpos ressuscitarão. Então veremos Deus face a face; viveremos no Céu, isto é, num mundo novo onde só existirá o bem  e o Amor; reconheceremos todos os nossos entes queridos e aqueles que contribuíram para a nossa salvação. Quando os nossos corpos ressuscitarem, adquirirão dons semelhantes ao do corpo glorioso de Jesus, como ficou descrito nos Evangelhos, no momento da transfiguração e, depois, nas várias aparições, já ressuscitado. Os nossos terão luminosidade própria e as suas roupas partilharão dessa luz. A sua felicidade virá do amor de que foram capazes em vida, mas ainda maior, uma vez purificado no purgatório. O tempo deixará de existir como o conhecemos, de modo que tudo será presente, mesmo as pessoas e factos passados e futuros da época em que cada um viveu. Tudo isto, e muito mais, é o resultado da Cruz, o único e eficaz antídoto contra o pecado.

Neste momento, são muitas as pessoas que, enfermas, enlutadas e confinadas nas suas casas, estão a sofrer os efeitos da pandemia Covid-19. É um padecimento grande e mundial que podemos aproveitar como penitência pascal, oferecendo por nós e pelos outros, como fez o bom ladrão. Que bom antídoto contra os nossos pecados!

Isabel Vasco Costa


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