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domingo, 20 de setembro de 2020

À nossa medida, ou à medida de Deus?

1- O homem é a medida de todas as coisas. Esta afirmação de Protágoras, filósofo grego do século V a.C., ajudou certamente a humanidade a progredir na sua relação com o mundo. No entanto, também nos fechou em nós mesmos, nos nossos esquemas e horizontes limitados, concretamente na noção de justiça, hoje em vigor, simbolizada na balança com os dois pratos equilibrados, o do esforço humano e o da recompensa, o do trabalho e o do salário: a trabalho igual, salário igual. Esta medida humana serviu, entre outras coisas, para criar uma classe média que vive, basicamente, do salário que recebe. Por meio dela, muita gente se libertou da escravidão em que os patrões mantiveram os proletários no século XIX e princípios do século XX. Todavia, esta justiça defendida pela lei, que é boa, tem as suas limitações. Por exemplo, não tem poder para criar a comunhão entre as partes adversas.

Ser cristão é deixarmo-nos guiar, como filhos de Deus, pelo Espírito da justiça nova praticada por Cristo, ao morrer inocente na Cruz, carregando com os pecados do mundo inteiro. Mais do que refazer o frágil equilíbrio dos pratos da balança, esta justiça revela-nos a largueza imensa do coração de Deus, que nos ama a nós, pecadores, nos convida a aceitar esse amor, e nos oferece a possibilidade de o vivermos e testemunharmos uns aos outros. A justiça da Cruz manifesta-se, assim, como a fonte da comunhão e da paz entre todos nós.

2- O Evangelho do próximo Domingo é a parábola dos trabalhadores que, tendo ido para a vinha a horas diferentes, todos recebem o mesmo salário. A inveja dos que trabalharam desde manhã cedo e receberam o mesmo salário daqueles que apenas trabalharam uma hora, logo se manifestou, pois achavam-se no direito de receberem mais.

Reparemos na resposta que o patrão dá aos que murmuravam: Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom? Ter olhos maus, ver contra, está na raiz da palavra inveja. A inveja é um veneno que mata o bom relacionamento entre as pessoas. Ao longo de toda a Sagrada Escritura, vemos isto largamente documentado: Caim e Abel, Isaac e Ismael, Esaú e Jacob, José e os irmãos, Saúl e David, os fariseus e Jesus. A inveja mata, não dando lugar ao outro: Ou ele, ou eu! A caridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo contrário, ensina-nos a ver e a escutar o outro como irmão, e a trocar o “ou-ou” pelo catolicíssimo “e”. A inveja é destruída quando o nosso olhar mau é sanado para vermos como Cristo vê, apercebendo-nos da graça extraordinária que é termos sido chamados a trabalhar na sua vinha. Este é um dom imenso, que nos devia encher de gratidão!

3- A vida cristã é um êxodo, é uma passagem do Egito para a Terra Prometida, da escravidão para a liberdade, do egoísmo para a caridade, de mim e dos meus conceitos para a realidade, tal como se apresenta. Esta passagem, só pode fazê-la quem renunciar a si mesmo e tomar a sua cruz para seguir o Senhor, o novo Moisés. Porque será que nesta parábola se refere que o patrão saiu cinco vezes à procura de trabalhadores? Não será para nos ensinar que só podemos ser cristãos saindo de nós mesmos, da nossa ociosidade ou das nossas correrias, para trabalharmos na vinha do Senhor? Quantas vezes o Papa Francisco nos convida a ser Igreja em saída, a sairmos para anunciar o Evangelho! Este sair, este êxodo do Egito, é a nossa resposta ao apelo do Senhor, que nos procura e chama.

4- Caríssimos irmãos: aceitemos o convite que nos é feito na primeira leitura pelo profeta Isaías, a procurarmos o Senhor e a convertermo-nos a Ele, a deixarmos os nossos caminhos e a seguir os d’Ele enquanto é possível. Onde nos levam os caminhos do Senhor? Levam-nos a receber o Espírito Santo como guia do nosso agir, levam-nos a experimentar que é verdade em nós mesmos aquilo que diz S. Paulo na segunda leitura: Cristo será glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra. Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Quem assim fala está muito longe da visão distorcida da inveja, pois vive mergulhado na caridade divina que tudo suporta, tudo crê e tudo perdoa. Pode falar assim quem, consciente de pertencer ao Senhor, lhe oferece o seu corpo como vítima viva, santa e agradável, praticando o culto espiritual que Ele inaugurou. Feliz de quem troca os seus próprios caminhos pelos caminhos do Senhor! Feliz de quem tem o coração dimensionado pela grandeza de Deus! Feliz de ti, irmão ou irmã, felizes de nós, a quem esta palavra é dirigida hoje, para deixarmos de viver segundo a nossa medida e passarmos a viver segundo a medida de Deus.



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