Palavra e
Pão 87
V Domingo da Quaresma
1 – Com as leituras do próximo domingo, o V da Quaresma, a
Igreja ajuda-nos a reconhecer que na Sua Páscoa, Cristo, além de matar a nossa
sede e de nos abrir os olhos, é realmente a fonte da Vida para nós que, como
Lázaro, estamos mortos pelo pecado que habita em nós. Não é muito difícil
reconhecermos que temos sede de felicidade, de vida e de amor. Que somos espiritualmente
cegos de nascimento, já não é tão fácil de aceitar. Mas reconhecermos que
estamos mortos, sujeitos ao poder da morte e incapazes de dar a nossa vida
pelos outros, isso é que é muito difícil!
Porque acreditamos, e
bem, que a nossa pátria está no Céu (Fl 3, 20) que simbolicamente situamos
no alto, esquecemos muitas vezes que a porta do Céu não está lá em cima, mas em
baixo, na obediência até à morte. De facto, se podemos viver a Quaresma como
subida a Jerusalém, esforçando-nos por atingir o cimo do Calvário, espiritualmente
também a devemos encarar como descida com o Senhor até à morte de Cruz que era,
para o povo de Israel, a situação mais baixa e mais horrível a que alguém podia
chegar. Sem essa descida ao fundo do mar no qual o Senhor abriu uma passagem,
como sairia o povo de Israel da terra da escravidão para a liberdade da Terra
Prometida? Sem essa descida aos Infernos, que sentido poderia ter a Páscoa de
Jesus para quem, escravo do pecado, experimenta e aguenta situações de inferno
já nesta vida presente? Nós proclamamos no Credo que o Senhor, ao morrer, e
antes de ressuscitar e de subir aos céus, desceu aos infernos. A morte é parte
integrante da Páscoa, e sem descer até ela, sem aceitar morrer para o pecado
com Cristo e ressuscitar com Ele para a vida nova de filhos de Deus ninguém
pode, em boa verdade, celebrá-la frutuosamente. É que não se trata de um faz de conta, trata-se
da iluminação transformadora da nossa realidade mais profunda, pois quem
peca é escravo do pecado (Jo 8, 34) e está morto espiritualmente, como
Lázaro quando estava no sepulcro.
2 – Deste Evangelho admirável da Ressurreição de Lázaro,
aprendamos ainda a importância da oração das suas duas irmãs, que intercedem
por ele. Mas fixemo-nos sobretudo na profissão de fé de Marta em Jesus que Lhe
diz: Eu sou a Ressurreição e a Vida! Quem acredita em Mim, ainda que tenha
morrido viverá, e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá para sempre
(Jo 11, 25-26). De facto, para nós cristãos, a fé na Ressurreição não se
resume em acreditar que um dia, no último dia, ressuscitaremos, mas expressa a
adesão confiante que agora nos une a Jesus Cristo. A Ressurreição e a Vida é
Ele, o Senhor. Nesta adesão em que, pelo Seu Espírito, nos torna participantes
da Sua natureza divina, recebemos a Sua própria Vida e o poder de realizarmos
as Suas mesmas obras, ou seja, passamos da morte para a Vida. Como está escrito
na 1ª Carta de S. João, nós sabemos que passamos da morte para a vida
(ou seja, que ressuscitamos), porque amamos os irmãos (1 Jo 3, 14). Esse
amor começa em nós com o reconhecimento de que somos amados por Jesus e
manifesta-se no facto de que, realmente, pelo Seu Espírito, também nós O amamos
a Ele.
3 - Meus caros irmãos e irmãs: celebrar e viver a Páscoa é acolher,
pela fé, esta oportunidade que Cristo nos oferece de passarmos com Ele da
escravidão e da morte que é viver segundo a carne, para a gloriosa liberdade de
filhos de Deus e para a Vida Eterna. E, por isso, não tenhamos medo de
responder a Jesus: Senhor, vem e vê, e de Lhe mostrar a podridão que
o pecado realizou em nossas vidas. Como nos ensina S. Paulo, os que vivem
segundo a carne não podem agradar a Deus (Rm 8,8). Por isso, aproximemo-nos
de Cristo, o único Médico que pode salvar-nos da morte. Para passarmos
de uma vida segundo a carne para uma vida segundo o Espírito precisamos de
morrer com Ele para vivermos na docilidade ao Seu Espírito e nos tornarmos propriedade
Sua e Sua presença salvadora no meio do mundo, pelo Seu Espírito que habita
em nós (Rm 8,11).
Reparareis certamente, caríssimos irmãos, na profecia de
Ezequiel que iremos escutar na primeira leitura do próximo domingo: quando o Senhor promete ressuscitar o
Seu povo libertando-o do cativeiro da Babilónia, como afirma que vai realizar
essa obra maravilhosa? Infundirei em vós o Meu Espírito e revivereis (Ez
37, 13)! Nos relatos da Paixão do Senhor escutamos que, ao morrer na Cruz, Jesus
entregou o Seu Espírito. E porque será que o Tempo Pascal se encerra sempre
com a Solenidade do Pentecostes na qual comemoramos a Vinda do Espírito Santo,
Espírito do Pai, mas também do Filho, para que a Igreja possa manifestar ao
mundo a vitória de Cristo sobre a morte?
4 – Reparemos finalmente que, para
ressuscitar Lázaro, Jesus pediu a colaboração daqueles homens que, obedecendo à
Sua palavra, retiraram a pedra da abertura do túmulo e libertaram Lázaro das
faixas mortuárias que o envolviam. Hoje, para libertar as pessoas do pecado e
as soltar das prisões da morte, Jesus precisa de colaboradores que O escutem e
obedeçam às Suas palavras. Esses são os discípulos, esses somos nós. É nossa
missão ajudar os que vivem segundo a carne a escutar a voz do Senhor que, nesta
Páscoa, deles Se aproxima cheio de poder e de amor, para os chamar da morte
para a Vida, para a Sua mesma Vida de Filho de Deus: Lázaro, vem para fora!
+ J. Marcos,
bispo de Beja
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