A atribuição a José Mattoso (1933) do Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes constitui um justo reconhecimento de uma carreira exemplar de historiador, ensaísta, pedagogo e pensador a quem muito deve a cultura portuguesa.Grande referência da historiografia contemporânea portuguesa, dedicou a sua vida à docência universitária e ao estudo da história das ordens religiosas e das sociedades europeias dos séculos X a XIII.
A Identificação de Um País (1985) é uma obra fundamental da historiografia do século XX, que deve ser colocada junto da melhor literatura moderna, desde Alexandre Herculano. A Nobreza Medieval Portuguesa (1982), O Reino dos Mortos na Idade Média (1996), Os Poderes Invisíveis (2001), ou D. Afonso Henriques (2006) constituem corolário lógico de uma investigação persistente, inteligente e rigorosa que nos permite compreender a uma nova luz as raízes da História portuguesa e da nossa cultura. De salientar ainda a direção de obras coletivas, como História de Portugal, Círculo de Leitores (1993-94), História da Vida Privada em Portugal (2010-11) e Património de Origem Portuguesa no Mundo, Fundação C. Gulbenkian (2010). Saliente-se que este último trabalho constitui base de uma plataforma, em permanente atualização, que vive animada pelo espírito de abertura e de reconhecimento da importância de uma leitura dinâmica e crítica do Património Cultural, não como realidade do passado, mas como fator de enriquecimento mútuo e de criação de valor.
Em 1987 recebeu o Prémio Pessoa e foi ainda diretor da Torre do Tombo (1996-98). Entre 2000 e 2005, colaborou na recuperação dos Arquivos de Timor-Leste. A sucinta referência destes elementos tem de ser lida em ligação com a riquíssima reflexão espiritual e científica, que revela uma personalidade fascinante, sem cujo conhecimento não podemos compreender uma cultura viva, na qual encontramos a herança e a memória, bem como um entendimento do património cultural – material e imaterial, natural e paisagístico, técnico e digital, em articulação estreita com a contemporaneidade. É esta ligação entre espiritualidade e ciência, entre património cultural e criação contemporânea, entre cultura e inovação que nos permite colocar o magistério de José Mattoso na linha da frente da mais rica reflexão sobre o tempo e a História.
Numa notável reunião de textos de 2012, Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria (Temas e Debates), lembrando a sua vida espiritual, José Mattoso reflete sobre Sabedoria e Razão e Sabedoria e Fé. A sabedoria obriga-nos a ir além das aparências e no entanto “parece-nos estar a caminho do abismo. O homem adquiriu meios técnicos de agir sobre a Natureza, mas não parece capaz de restaurar os equilíbrios que ela cria. São equilíbrios que condicionam a sobrevivência da Humanidade. O contraste entre o excesso de poder de uns poucos e o excesso de miséria da maioria é posto em evidência por todos os meios de comunicação. Estes informam-nos todos os dias e a toda a hora acerca do aquecimento global e dos seus efeitos sobre o mundo biológico, do aumento incontornável do lixo radioativo e dos materiais não recicláveis, da impossibilidade de verificar a nocividade das culturas transgénicas, da ocultação de produtos nocivos na industria alimentar e farmacêutica, da ausência de controlo da indústria militar e da venda de armas, da escassez da água e da energia. Informam-nos, enfim, acerca de fragilidade do mundo em que vivemos.”
“Levantar o céu” é o nome que os mestres do chi kung (uma variante do tai chi) dão a um dos seus exercícios, que consiste em levantar os braços em arco com as palmas das mãos apontadas uma para a outra viradas para cima, isto é para o “Céu”. Yiang (céu) contrapõe-se a Yin (terra)na cultura chinesa. Trata-se, no fundo, de reconhecer o significado essencial da componente espiritual da existência. Eduardo Lourenço refere a importância de tentar “desvendar ou antecipar o que nos espera, o nosso destino” – ou seja, “da consciência de que essas coisas em que se crê, em que mais do que se crê, se investe a totalidade da vida, constituem a substância das coisas esperadas…”. A crise financeira de 2008 correspondeu a uma crise de valores e obrigou a entender a esperança que brota da própria crise. “A pobreza, a redução de custos, a limitação do consumo, a contenção dos desperdícios, a aceitação da austeridade têm as suas vantagens. Tornam o homem menos dependente das instituições, da opinião pública, dos vendedores de ilusões.” Para José Mattoso “é bom acreditar que merece a pena ‘levantar o Céu’ e lembrarmo-nos de que não estamos sozinhos. Felizmente há muitas mulheres e homens neste mundo a tentar unir esforços para manter o contacto entre o Céu e a Terra. É esse o caminho que a sabedoria ensina a percorrer para encontrar a saída do labirinto em que a vida nos coloca”…
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