Acredito que as pessoas mais atentas e que gostam de ler sobre geopolítica e geoestratégia conheçam o Iémen. Mas, para a grande maioria, será um país desconhecido. É, aliás, pouco estudado, pouco trabalhado e pouco analisado. O que geralmente não se sabe é que no Iémen se vive a maior crise humanitária do mundo.
O país que faz fronteira com Omã e a Arábia Saudita é o país árabe mais pobre do mundo e não tem reservas de petróleo ou de gás natural consideráveis. No entanto, é ali que se trava uma guerra que atingiu picos de inusitada destruição e violência. Vale a pena perguntar: “Porquê?” Se é um país tão pobre, o que leva a Arábia Saudita a liderar uma coligação Internacional que apoia o governo Iemenita Internacionalmente reconhecido? Ou o que motiva os EUA a apoiar essa mesma coligação tendo, do lado oposto, o Irão a apoiar um movimento de rebeldes xiitas chamado “Houthis” (que começou no seio da família Al-Huthi)?
Neste e em outros textos procurarei reflectir sobre o Médio Oriente, as suas dinâmicas e conflitos e trazer as respostas aquelas perguntas, analisando o Iémen sob quatro prismas distintos: a situação política do país e o que significa ser hoje um Estado falhado, a sua posição geoestratégica absolutamente essencial na região, a crise humanitária que ali se vive e, por fim, as negociações de paz iniciadas no final de Dezembro de 2018 e que hoje estão severamente ameaçadas.
É importante trazer alguns números para que todos possamos ter a noção real da catástrofe que se vive naquele país e que justifica que a ONU a tenha já considerado como a maior crise humanitária do mundo.
De acordo com as Nações Unidas, no Iémen morre uma criança a cada 10 minutos e 24 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária. Também segundo a ONU, 14 milhões de pessoas estão à beira da fome, sendo que oito milhões necessitam de ajuda urgente.
A organização Save The Children afirmou que, nos três anos de guerra, morreram cerca de 85 mil crianças com menos de cinco anos de idade. Há ainda dois milhões de crianças subnutridas, sendo que 400 mil estão gravemente doentes. Para além destes números, mais de 70 mil pessoas já morreram morreram desde o início do conflito em 2015, estimando-se que tenham morrido cerca de 10 mil pessoas desde o final de 2018 e um surto de cólera já afetou cerca de 1,2 milhões de pessoas.
Mas os números não acabam aqui. O departamento da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) contabilizou 16 milhões de pessoas sem acesso a água potável e saneamento básico e 16,4 milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde adequados.
O mesmo organismoacrescenta que cerca de 1,25 milhões de funcionários públicos não recebem qualquer salário desde Agosto de 2016 ou recebem-no de forma intermitente, devendo aqui lembrar-se que o Estado é o principal empregador no país. O que significa que centenas de milhar de famílias ficaram, de repente, sem qualquer meio de sustento. A esta equação devemos adicionar o aumento da inflação e do desemprego. Isto é, para além da crise, as pessoas não conseguem comprar comida ou água potável mesmo que a consigam encontrar.
Os dados impressionam ainda mais se se pensar a longo prazo. Estão em causa gerações de jovens e de crianças que deixaram de ir à escola. Entre 12 mil a 14 mil escolas fecharam e os professores deixaram de receber salário. Os problemas que se vivem no Iémen terão efeitos prolongados no tempo. Mesmo que o conflito terminasse em 2019, estas crianças e jovens obrigadas a abandonar a escola terão enormes dificuldades em se adaptar às exigências de um mundo em mudança. São crianças e jovens traumatizados pela guerra e que viram o seu futuro ser-lhes completamente negado.
É urgente fazer com que o Iémen deixe de ser a “guerra esquecida”, a guerra de que ninguém fala, a guerra que não importa. A catástrofe humanitária não se limita a deixar a nu aquilo que a humanidade tem de pior. A guerra no Iémen também ajuda a explicar as dinâmicas da região e como a Arábia Saudita e o Irão se continuam a combater em guerras por procuração.
Agora, é tempo de acordar. E já é tarde.
José Monteiro Limão é jurista, a concluir o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na UCP-IEP, tendo escrito a sua dissertação sobre o significado do Iémen no Grande Médio Oriente; é vogal da Comissão Política Nacional da Juventude Popular, com o pelouro das Relações Internacionais; zelimao15@hotmail.com
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