Comunicado
AMCP opõe-se à descentralização das
consultas de IVG
O
aborto nos Centros de Saúde põe em causa a saúde pública
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) publicou recentemente um estudo sobre o “Acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no Serviço Nacional de Saúde”. (1) O relatório da ERS mostra que o número de abortos em Portugal permanece lamentavelmente elevado (15.616 em 2022), está a aumentar (mais 15% de abortos realizados nas 10 primeiras semanas de vida em 2022) e é realizado cada vez mais frequentemente fora do SNS (duplicação em dois anos da percentagem de abortos no setor privado, 12% em 2020 e 24% em 2022).
Uma das conclusões mais destacadas na imprensa foi o constrangimento ao acesso atempado à IVG. A proposta do Senhor Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, foi a de “descentralizar um pouco a IVG”. Nas declarações prestadas referiu: “Não há hoje nenhuma boa razão para que muitos centros de saúde não possam fazer consultas de interrupção voluntária da gravidez. (...) No setor público, a esmagadora maioria dos casos é tratada com medicamentos e isso não precisa da intervenção de um hospital.”(2)
Tomando conhecimento desta proposta, a direção da AMCP manifesta a sua firme oposição à realização das consultas de IVG nos Centros de Saúde.
1. Não é de estranhar a incapacidade da especialidade de Ginecologista-Obstetrícia de dar resposta aos pedidos de IVG atualmente solicitados em Portugal. Em Portugal, 87% dos especialistas em Ginecologia-Obstetrícia são objetores de consciência.
2. A solução proposta pelo Senhor Ministro da Saúde gera legítimas preocupações de saúde pública. As consultas de IVG não envolvem apenas a prescrição indiscriminada de medicação para abortar. Implicam a realização prévia de uma consulta com datação ecográfica da gravidez e uma ecografia de controlo após ter sido efetuada a medicação. Adicionalmente, as complicações que podem ocorrer no decurso de uma IVG medicamentosa requerem na maioria das vezes, cuidados que só podem ser prestados por médicos especialistas em Ginecologia-Obstetrícia. A possibilidade de ocorrência de complicações na sequência de realização de IVG em centros de saúde de áreas rurais, alguns distando horas do hospital mais próximo, são uma preocupação a ter em conta. Finalmente, em casos selecionados, a medicação prescrita pode carecer de administração em contexto de internamento hospitalar. Por tudo isto, a realização de aborto nos Cuidados de Saúde Primários é imprudente e põe em risco a saúde da mulher.
3. Os médicos de família carecem de recursos e de formação específica nesta área, podendo a administração de medicação sem monitorização ecográfica pôr em risco a saúde da mulher. O próprio presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar, Nuno Jacinto, alertou numa entrevista à Renascença que os médicos de família não estão tecnicamente preparados, nem é da sua competência, garantir consultas de IVG nos centros de saúde. (3)
4. As declarações do Senhor Ministro da Saúde são ainda mais incompreensíveis tendo em conta que a abordagem terapêutica de situações como o aborto espontâneo retido é idêntica à utilizada para a IVG, mas não se discute a possibilidade da realização deste primeiro procedimento por parte dos médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar.
5. Finalmente, a nossa objeção à realização de abortos nos Cuidados Primários de Saúde relaciona-se com a pressão social para a banalização do ato da IVG. O relatório da ERS assinala já um “indício do não cumprimento do período de reflexão”.
Talvez este seja um momento oportuno para parar e questionar por que motivo serão a esmagadora maioria dos médicos especialistas em Ginecologia-Obstetrícia objetores de consciência. Não será de antecipar um cenário alinhado com as questões éticas relacionadas com a legalização do aborto semelhante nos médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar?
Ao invés de banalizar um ato que pode pôr em causa a segurança das utentes, talvez seja prudente revisitar as palavras do Juramento de Hipócrates: “Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início”.
AMCP -
Associação dos Médicos Católicos Portugueses
16 de setembro
de 2023
(1) https://www.ers.pt/media/besglp0x/acessointerrupcaovoluntariagravidezsns110923.pdf
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