1 – Quantas vezes não acolhemos a Palavra de Deus proclamada
nas celebrações em que participamos! Ou porque estamos cheios de outras
palavras, ou distraídos, ou também devido a outros condicionalismos, não
escutamos o Senhor que nos fala. É como se alguém chamasse por nós, e nós não
lhe respondêssemos.
Onde estás? Esta primeiríssima interrogação de Deus no livro do
Génesis, interrogação que, no fundo, nos dirige sempre que nos fala, vamos ouvi-la
novamente na primeira leitura do próximo domingo. É evidente que Deus sabe onde
nós estamos. Mas, porque nos ama, continua a perguntar e a provocar a nossa
resposta, ajudando-nos assim a tomar consciência dos nossos desvios e pecados para
nos convertermos a Ele. É verdade que todos responderemos um dia pelos nossos
atos a este Deus misericordioso que gravou em nossos corações a Sua Lei. Mas enquanto
durar o percurso da nossa vida neste mundo, o Senhor, porque nos ama, não deixará
de Se dirigir a nós e de nos perguntar: Onde
estás?
Que Lhe respondes? Aprende com Adão
a reconhecer-te nu e débil, enganado e despojado da Sua amizade e da Sua graça,
vivendo tantas vezes sem Deus e escondendo-te d’Ele, vivendo a partir de ti e
para ti mesmo, incapaz de amar os outros, correndo, sem pensar muito, atrás de ilusões
e enganos, em busca de algo que possa saciar o teu coração. Escuta como o
Senhor te dá, cheio de amor, o primeiro evangelho: porei inimizade entre ti, serpente, e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te esmagará a
cabeça, e tu a atingirás no calcanhar (Gn.3,15). Este primeiro anúncio da
vitória da descendência da mulher contra a serpente determina que a nossa vida aqui
na terra seja um combate, uma luta contra o mal.
2 – Como é sabido e largamente
experimentado por nós, nesta luta sentimo-nos pequenos e desprovidos de
força e somos facilmente vencidos pelos inimigos. Mas, em Sua misericórdia,
Deus não nos abandonou e fez para nós e connosco, uma história de salvação
iniciada com Abraão e os Patriarcas, continuada com Moisés e a Lei e plenificada
com a vinda ao mundo do Seu próprio Filho Jesus que morreu e ressuscitou por
amor de nós. Ele, Jesus, é Deus verdadeiro, mas também verdadeiro Homem. Como
Homem, Ele é a descendência da Mulher que, ao morrer na Cruz, inteiramente entregue
nas mãos do Pai, esmagou a cabeça da serpente. Ressuscitado de entre os mortos,
Jesus Cristo apareceu aos Apóstolos, encheu-os com o Seu Espírito e enviou-os a
anunciar ao mundo inteiro a Sua vitória sobre o pecado e a morte. E a Sua
salvação chega às nossas vidas pelo facto de acreditarmos n’Ele. A fé em Jesus
Nosso Senhor faz-nos passar da morte para a vida e dá-nos o Seu Espírito, pelo
qual recebemos uma participação da própria natureza divina de modo a podermos
viver, já neste mundo, a Sua mesma vida de Filho de Deus. Que transformação tão
grande e tão sublime para nós!
3 - O evangelho do próximo domingo apresenta-nos Jesus nos inícios da
Sua missão, incompreendido e hostilizado pelos seus contemporâneos que o
julgavam louco ou possesso de um espírito maligno. Louco, porque, em vez de
cuidar da sua mãe viúva, a deixou em casa, entregue ao cuidado dos primos, e
saiu a proclamar o Evangelho e a anunciar o Reino de Deus fazendo milagres e
expulsando demónios. São terríveis as palavras de Jesus àqueles que dizem que
Ele expulsa demónios pelo poder do chefe dos demónios: tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e blasfêmias que
tiverem proferido; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá
perdão: será réu de pecado para sempre (Mc 3,28-29). Blasfemar contra o
Espírito Santo é contradizer a verdade conhecida como tal, o que pode levar o
homem a um fechamento total ao amor misericordioso de Deus.
Neste evangelho, onde estás? Como te situas perante
Jesus? Como os seus primos? Como os escribas de Jerusalém que chegam até Ele cheios
de preconceitos e de malvadez? Ou como aqueles discípulos que, para fazerem a
vontade de Deus, escutam a Sua palavra e a poem em prática? A estes, Jesus
reconhece-os como Sua Mãe e seus irmãos, como membros da nova família que Ele
vem reunir, a família daqueles que desistem de fazer o mundo à sua imagem e
semelhança para o fazerem de acordo com a vontade de Deus, Pai Criador e
Senhor.
4 – O modo como vivemos é a nossa resposta a essa pergunta.
Escutemos S. Paulo, falando de si
mesmo na Segunda Carta aos Coríntios.
Citando o início do salmo 115, acreditei,
por isso falei, o Apóstolo afirma vigorosamente qual é a esperança que o
sustenta na evangelização: tudo é por
vossa causa, para que uma graça mais
abundante multiplique as ações de graças de um maior número de cristãos, para
glória de Deus. E olhando para o seu corpo que sente fisicamente a
envelhecer, seguro de que o Senhor Jesus o ressuscitará para viver eternamente
com Ele na glória, Paulo afirma que nós
não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis (…). Bem sabemos
que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos
Céus uma habitação eterna que é obra de Deus e não é feita pela mão dos homens (2Cor
4,18-5,1). Esquecido de si mesmo e
revestido de Cristo para anunciar o Evangelho a quem o queira ouvir, Paulo,
ainda na terra, já está no céu pois atua, não por causa de si mesmo, mas por
causa daqueles a quem anuncia o Evangelho; busca, não a sua glória, mas a maior
glória de Deus e candidata-se a uma morada eterna que é obra do Senhor.
Querido irmão, onde estás? Onde
estamos nós? Quem dera pudéssemos falar de nós mesmos como S. Paulo falou de si,
identificados com Cristo e realizando a Sua missão evangelizadora! A Igreja,
mãe atenta à realidade concreta dos seus filhos, dá-nos o salmo 129 (130) para Lhe
respondermos hoje, com verdade: do profundo
abismo chamo por vós, Senhor!
+ J. Marcos
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