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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O crateu

Excitado, após uma aula de religião e moral, Zenão quase gritou para a mãe que o fora buscar ao colégio: “Já sei o que sou. Sou um crateu, porque umas vezes acredito em Deus e outra vezes, não.” Depois, acrescentou que o professor tinha explicado que ninguém podia ser “crateu”; ou se acredita em Deus, ou não se acredita, mas é impossível acreditar e não acreditar ao mesmo tempo. 

Camila reconheceu o seu filho nesta atitude “rebelde”. Zenão ainda não entrou na adolescência, mas é inteligente e gosta de se evidenciar contrariando pais e professores. Ela aproveitou a viagem até casa para dialogar com o filho. Explicou-lhe que as pessoas precisam de ser felizes e, para isso, necessitam crer ou acreditar. Por exemplo, Zenão tinha acreditado que a mãe o iria buscar e, em consequência disso, esperara por ela com bastante certeza porque a mãe costumava ir buscá-lo todos os dias. Zenão podia ter duvidado porque é livre; assim como pode não acreditar em Deus, mas ficaria a perder. Fica-se sempre a perder quando não se acredita na verdade; mesmo em verdades “pequenas”, isto é, as que podem falhar, como aconteceria se a mãe tivesse sofrido um percalço antes de ir buscar o Zenão.

“Ó mãe, mas eu não vejo Deus! Como vou acreditar no que não vejo?”

“Pensando e querendo”, respondeu Camila. “Lembras-te que foste visitar o centro de energia nuclear? Não te penduraram no casaco uma espécie de “cartão” que iria registar a qualidade e quantidade de radiações que poderias apanhar? As radiações não se vêm nem se sentem, mas podem ser fatais. Podias não acreditar no que as pessoas te disseram, mas escolheste acreditar e usaste o tal “cartão”. Foste inteligente, porque as radiações atingem todas as pessoas, usem ou não o “cartão”, mas podias ficar a saber se tinhas sido atingido e tomar as devidas cautelas.”

“Tá bem, mãe; mas essa verdade é fácil! Claro que acredito nos cientistas! Não sou parvo!”

“Parece-me que és um bocadinho, só um bocadinho!” - respondeu Camila a sorrir - “Acreditas nos cientistas que se enganam às vezes, e não queres acreditar em Deus que nunca se engana. Já reparaste como se aproveita cada vez mais a energia nuclear à medida que a ciência avança? E como se vai melhorando a segurança na sua manipulação? Pois o sol continua a “funcionar” da mesma maneira, fornecendo luz e calor na medida necessária desde que o mundo é mundo; o mesmo acontece com a natureza. Só o homem pode escolher não “funcionar” de acordo com a sua natureza porque é livre. O pior é que será um infeliz, nesta vida e na outra, se não quiser acreditar em Deus.”

“Pois, mãe, mas como é que eu sei qual é a verdade em coisas mais complicadas, mais de pensar?”

“Tens razão, Zenão. No pensar também temos de crescer; não é só o corpo que cresce. Não podemos mandar no crescimento do corpo, mas sim no crescimento do nosso espírito. Como? Se o alimentarmos só com verdades. Claro que temos de conhecer também as mentiras, mas para fugirmos delas, como das radiações atómicas. Felizmente, a nossa inteligência tem um “cartão” que detecta as “radiações perigosas”, ou seja, as mentiras ou os pecados: é a consciência. A consciência trabalha com base em duas potências do Homem: a inteligência e a sensibilidade (ou amor). Podes atrofiar a tua inteligência ao não querer conhecer as verdades que mais importantes são para a tua vida. Podes atrofiar a tua sensibilidade se só te interessar o teu próprio prazer e que seja imediato, como acontece com os viciados.”

“Mas como é que eu percebo se é verdade ou mentira? Ainda não percebi. A mãe não me explica e já me falta a paciência!”

“Só te dou um exemplo porque estamos a chegar a casa. Lembras-te do amigo que te disse ser a favor do aborto porque o que está para nascer não passa de um monte de células, não é gente? Até há quem diga que não é um pintainho! Claro que não é! Nem um gafanhoto, nem elefante... Mas se formos honestos, podemos afirmar que é uma pessoa. Uma pessoa no seu início, mas já uma pessoa. Antes do seu início, não havia células, nada. Mas, desde o seu início, já é uma pessoa, não vai ser uma baleia. Será sempre uma pessoa, mesmo depois de morrer. Nessa altura, veremos ainda um monte de células, algumas ainda com vida, mas já sem sustentarem vida porque o espírito dessa pessoa se separou do corpo. Aquele monte de células já não consegue obedecer ao grande bem ou ao grande mal que o espírito anseia.

O crente acredita que pode ser feliz para sempre. O ateu julga que tudo acaba com na morte. Vais ter uma vida para poderes decidir se queres viver como crente ou ateu. Mas não podes ser “crateu” durante muito tempo.”

E Camila chegou a casa, e conseguiu arranjar um lugar para o automóvel.

Isabel Vasco Costa



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