Uma grande amiga, disse-me um dia, algo que não esqueço. “Quando se gosta de alguém, gosta-se mesmo”. Posto isto, venho tecer algumas considerações. Na realidade, com algum grau de frequência, sentimos que estivemos presentes neste mundo, mas que muitos não nos compreenderam. Culpar quem? Talvez tenhamos escondido demasiado o nosso sentir, o amor à família e ao próximo, que ficou guardado, frequentemente, no nosso coração. As coisas menos boas não são, de todo, para partilhar, dado que já existem na vida, preocupações suficientes. Também pode ser devido a diferentes formas de pensar e de interpretação dos acontecimentos. Sim, até quando conseguimos guardar tudo no nosso coração?
Na realidade, esta minha amiga, comentou que é preciso um grande amor, um enorme espírito de sacrifício, para interiorizar e guardar o que de algum modo pode magoar os outros. Depois, a vida encarregar-se-á, um dia, de evidenciar a verdade, o quanto sofremos, caminhando sobre o tapete da incerteza, de quem, com um sorriso, tudo sofre, tudo cala, em prol do bem comum. Tive o imenso privilégio de conviver com algumas pessoas que possuíam este cariz.
Em silêncio, só, ouso escrever estas palavras. Felizmente que a narrativa é silenciosa e é apenas divulgada se nós assim o quisermos. Este momento constitui uma constatação, porque não há dor maior do que amar alguém que, como referiu a minha amiga, em dado momento da nossa vida, vimos partir rumo ao infinito, devido a um problema grave de saúde. Acompanhamos o nosso ente querido, o melhor possível, com esquecimento de nós próprios. Várias vezes ao longo da vida, também terei sido confrontada com momentos semelhantes, pelo que sei que o mau momento que a minha amiga vivencia, não é fácil, exigindo muito de si, bem como uma grande entrega e sofrimento.
Muitas vezes as lágrimas caem impiedosamente. Não conseguimos, de todo, impedir que caiam, perante a impotência de travar o que sucede. Coração, coração na Cruz! Somos Teus filhos. Algumas vezes já teremos sido suficientemente abrangidos pela dor e pelos desgostos a diferentes níveis. Apetece-nos questionar: “Senhor, que mais quereis de mim, que mais tenho ainda para oferecer”?
Podemos pensar ainda: “Jesus, sei que deves gostar muito de mim, sei, ainda, que não dás mais do que humanamente se pode suportar, que em todas as coisas existe a providência e a sabedoria divina, mas o meu coração encontra-se cansado, com o pressentimento de que me vais pedir ainda mais, como se quisesses testar os meus limites, o meu amor filial. Peço-te, através da oração, que me poupes a mais um desgosto. Não há dor maior, que uma mãe, irmã, esposa possa sentir, do que ver os seus familiares sofrerem, sem nada poder fazer: unicamente continuar a dar todo o seu amor incondicional, ainda que às vezes seja incompreendido”.
Navegamos num turbilhão de ondas, como se nos encontrássemos num barco à deriva, à procura de uma luz, de uma estrela que acalme a tempestade, que oriente o caminho, nem que seja uma luz ao fundo do túnel, num misto de sentimentos, de angústia, de dor, mas também de amor, de fé e de esperança. Os milagres acontecem…
Talvez ambicionemos que Jesus seja o nosso porto seguro, o nosso amparo na dor, a nossa alegria neste caminhar inseguro, em que buscamos o conforto de um abraço amigo, o afeto, alguma vez perdido, que preencha o nosso coração com o Seu amor sobrenatural, para que o amor terreno, possa ser dedicado ao próximo, a fazer o bem. Que seja como uma pedra atirada ao lago, que provoca um círculo, logo outro e ainda outro e assim, continuamente, até conseguir produzir os seus frutos, esquecendo-nos de nós próprios.
Mas Deus é Pai e ouve-nos sempre. Tudo concorre para o nosso bem, podemos não o compreender hoje à luz dos sentimentos humanos, mas acredito que, de um modo sobrenatural, acreditamos sinceramente que um Pai afetuoso, carinhoso e preocupado, não nos pode, de todo, dar coisas más. Um dia far-se-á luz e compreenderemos o que Deus nos tinha reservado. E que, nestes momentos, todos sejamos sempre apoiados por Maria, nossa Mãe do Céu, grande intercessora, que nunca abandona um filho seu. Sou testemunha de vários acontecimentos que pareciam ser finais, e que recuperam quando já ninguém acreditava.
Passo a referir um. Uma pessoa muito amiga teve um dia um grave acidente de viação. Ficou em coma durante muito tempo. Os médicos referiram para nos prepararmos para o pior, dificilmente recuperaria. Mas se tal viesse a acontecer teria graves sequelas. Durante dias a fio acompanhei a amiga nas suas visitas ao marido que se encontrava nos cuidados intensivos. Questionava-me muito angustiada, com um pedido de ajuda, o que mais poderia fazer pelo marido. Não esqueço o seu olhar desesperado e um pouco desorientado. Tranquilamente, apesar de muito consternada com a situação vivenciada, transmiti-lhe que era necessário ter calma, que tudo iria correr pelo melhor, incutindo-lhe alguma esperança no futuro. E o tempo foi passando, muitas pessoas rezavam por esta família. Eu e o meu amigo, tínhamos uma coisa em comum. Gostávamos de tarde de maçã quente acompanhada por uma bola de gelado de baunilha. Lembro-me que durante uma visita, lhe ter perguntado: “Quando é que te pões bom para irmos comer uma fatia de tarte de maçã?
E o tempo continuou a passar… Um dia, ganhei coragem e disse à minha amiga: “Sabes, o melhor era ser-lhe ministrada a Unção dos Doentes. Acredito que é uma grande ajuda. Quando têm possibilidade de recuperar, a Unção dos Doentes constitui uma enorme ajuda. Por outro lado, se têm de partir, vão em paz”. A minha amiga, num tom muito esperançoso, disse-me: “Conheces um sacerdote que possa dar-lhe a Unção dos Doentes”? Respondi-lhe afirmativamente e de imediato, pedi a ajuda de um sacerdote, expondo a gravidade da situação e a sua urgência. Algumas horas depois o meu amigo levava a Unção dos Doentes. Sentimos uma enorme paz. No dia seguinte, quando o fomos visitar, abriu os olhos, tendo-me perguntado quando íamos comer a tarte de maçã. Foi indiscritível a alegria vivenciada naquele momento. Na verdade, não podemos nunca perder a esperança. A fé, a oração, o carinho, o afeto, nos momentos mais difíceis ajudam muito a enfrentar a doença. E “quando se gosta de alguém, gosta-se mesmo”.
Maria Helena Paes |
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