Na época de Natal, quando era criança, na cozinha, olhava com admiração para a empregada que diante de um alguidar de barro enorme, juntava farinha, ovos, fermento, entre outros, que depois amassava. Quantas vezes, de joelhos sobre um banco, para melhor poder apreciar a Emília a juntar com as suas mãos os diferentes produtos, questionando-lhe o que ia fazer, ao que ela respondia: “São os doces de Natal, menina”. Quais? Perguntava, a sentir crescer água na boca. “Vários - respondia a Emília -, uns serão fritos, outros recheados com grão, batata-doce. Outros serão de abóbora. Contudo, todos serão passados por açúcar e canela, conforme a menina e os seus irmãos gostam”. Constituía uma autêntica maravilha observar a Emília a fazer os doces da época. A certa altura, quando entendia que a massa já se encontrava pronta, fazia nela o sinal da cruz e dizia: “Deus te acrescente, que é para muita gente!”. Depois acrescentava: “Menina, agora vá brincar com os seus irmãozinhos. A massa fica a repousar, e eu vou fazer os vários recheios”. Obedecia prontamente. Agora era coisa de crescidos. Certamente, quando estivesse tudo pronto, seria chamada para provar e dar o meu parecer.
Mas por que razão a Emília dizia sempre depois de fazer o sinal da cruz: “Deus te acrescente que é para muita gente?”. Um dia, já mais crescida, resolvi perguntar-lhe diretamente. A Emília esclareceu a minha curiosidade. “Menina, é porque tenho fé. A massa fica a levedar. Se não ficar boa, os doces não sairão bem. Por esse motivo, peço a ajuda de Deus, para que a menina, os seus irmãozinhos, os pais e a toda a família, os saboreiem com prazer e tenham um doce Natal”. Na realidade, nunca provei uns doces de Natal tão bons quanto os da Emília!
Há uns anos atrás, encontrava-me em Viena de Áustria por motivos profissionais. Numa pausa passei pela famosa pastelaria “Demel”. Aproximava-se o Natal. Os seus chocolates e bolos são deliciosos e conhecidos mundialmente. Para mim o melhor era o apfelstrudel com molho quente de baunilha. Apesar de não apreciar demasiado coisas doces, não resistia a essa doce tentação. Enquanto degustava o bolo, observava através dos vidros, já que a cozinha era toda envidraçada, os cozinheiros a decorarem a magnífica doçaria de Natal. Na altura, vinha-me sempre à memória a infância e em particular a Emília a preparar os doces de Natal. Tudo tem o seu tempo!
Volto aos tempos antigos. Como tudo era bonito então! As luzes da decoração cintilavam nas suas múltiplas cores. A elaboração do presépio constituía um momento de extrema importância. O pinheiro era verdadeiro com um cheiro que perdurava toda a época. Na realidade, não eram só os paladares, mas também os diferentes cheiros que marcavam esta época. O musgo para o presépio era apanhado pelos mais pequenos. Com mais ou menos arte, procurávamos fazer lagos, montes, pontes, mas sobretudo, que ficasse em relevo, o estábulo onde nasceria Jesus. A ceia da consoada era sempre muito alegre, animada, com a presença de muita família, e, na verdade, com alguma ansiedade, para que chegasse a hora do nascimento de Jesus. Depois já poderíamos ver se havia alguma prenda no sapatinho. O normal seria só vermos no dia seguinte, porque entretanto adormecíamos, cansados com tanta brincadeira e excitação.
O que pretendo partilhar, é que o Natal da minha infância não era melhor nem pior do que agora. Unicamente são tempos e realidades diferentes. Recentemente um familiar referiu: “Os mais novos não vão ter as nossas doces memórias, agora tudo se modificou”. Mas, se Deus quiser, terão outras igualmente boas, ajustadas a novos tempos. Estão a construí-las e a armazená-las no baú das recordações, ou seja, na sua memória.
Vamos procurar que as vivências sejam igualmente boas, e procurando transmitir as nossas recordações, histórias de vida, tradições e valores familiares. Sobretudo, já que hoje em dia a vida, por um lado, encontra-se mais facilitada, mas por outro, mais complicada, enquanto avós, procuremos aliviar o fardo dos filhos e netos que o viver a vida acarreta, nesta luta contínua em prol da defesa da família e do seu bem-estar. Procuremos, de um modo positivo, ver o bem nos acontecimentos e deixá-lo fluir. Todos ganharemos serenidade, autoconfiança e paz interior, e a celebração do Natal será mais feliz e acolhedora.
No Presépio, deixaremos aos pés do Menino que agora nasce, todas as nossas preocupações, pedidos e orações. Maria, Rainha da Família, intercederá por todos nós. Para todos, onde quer que se encontrem, fica o desejo de um Santo Natal.
Maria Helena Paes |
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