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quinta-feira, 29 de junho de 2017

Bar-Mitzvá

Por conta de investigações que fiz acerca de imigrantes europeus que deram com o costado no Brasil em meados do século XIX, travei contato com algumas histórias notáveis, obtidas aqui e ali em arquivos públicos e literatura específica. Aquela gente desafiava o Atlântico em embarcações a vela. Saídos de Hamburgo, da Antuérpia ou de outros portos menos conhecidos, enfrentavam condições terríveis, todos, pobres ou mais remediados. Apertados em camas estreitas, ou no convés, depois de alguns dias em alto mar passavam a tomar água da pior qualidade. Quando chegavam na linha do Equador, então, batiam na ante sala do inferno.

Naquela altura os ventos cessavam e a progressão tornava-se desesperadoramente lenta, debaixo de um sol ainda mais tórrido. Sob tal circunstância a divisão da embarcação em classes tornava-se risível, eis que literalmente estavam todos no mesmo barco. Tangidos pelas dificuldades na origem, que os empurrava em hordas para o Novo Mundo, muitos não resistiram e tiveram como sepultura as hostes de Netuno. Quanto sofrimento marítimo nos precede! A nós todos, brasileiros, exceção feita aos autóctones, cujo padecimento causado pelos invasores não foi, sabidamente, nem um pouco menor. Pelo contrário, foi genocida.

A saga de um patriarca judeu, com quarenta e poucos anos, viúvo, aqui chegado em 1858 com cinco filhos, o mais velho dos quais tinha quatorze anos, atraiu minha atenção. Quanta coragem. Ou quanta pressão os empurrou para os trópicos! Cinco filhos. O mais novo tinha oito anos. Todos chegaram no porto de Rio Grande, de onde rumaram para Porto Alegre pela Laguna dos Patos, num barco movido a vapor, para depois se instalarem no Vale do Caí. Não deixaram muitos registos. Pude, entretanto, reconstituir o que encontraram nesta região a partir do livro Uma colónia no Brasil, escrito por Marie Barbe Antoinette Rutgeerts Van Langendonck, uma poetisa belga que passou pelo Porto dos Guimarães, dormiu na Harmonia e seguiu para o empreendimento Nossa Senhora da Soledade, na actual São Vendelino. Corria o ano da graça de 1857, vivíamos sob o Império, e no ermo deste gigantesco país instalava-se uma gente que arrancara suas raízes em terras distantes, para aqui recomeçar. Gente de toda espécie, inclusive bandidos e mal encarados.

Conhecida como Madame Van Langendonck, esta belga descreveu de maneira admirável o que encontrou em nossa região. No armazém em que se hospedou no Porto dos Guimarães, hoje São Sebastião do Caí, havia escravos à venda. Veio de Porto Alegre a vau, conduzida por homens que pisavam no charque transportado. Estranha e fascinante figura, tinha quase sessenta anos quando veio nesta viagem de reconhecimento e aventura. Mais tarde voltaria para a Bélgica, onde publicou seu livro e viveu seus últimos dias.

Recomendo aos que se interessam por história, particularmente a dos imigrantes que recebemos no Rio Grande do Sul, o livro mencionado. Do tanto que li, das descrições da vida rústica e da poesia da nova vida, fiquei marcado pelo judeu - um pequenino Moisés em terras do Exílio,- e seus filhos. Pelo menos para a grande maioria das pessoas, um menino de 13 anos é, na melhor das hipóteses, um adolescente. Para o judaísmo, nesta idade o menino já deve ser suficientemente maduro para que seja responsabilizado pelo que faz. Ou deixa de fazer. Segundo o Talmud, um menino torna-se adulto com 13 anos e um dia, tenha ou não atingido a puberdade, e seu pai deixa então de ser responsável pelos seus atos. Uma cerimónia marca o ritual de passagem, com a leitura pelo menino de um trecho da Torá.

Esta tradição tem, certamente, a força que impulsiona o amadurecimento dos adolescentes judeus, aos quais fica definitivamente vedado o prolongamento da infância em corpo de adulto, como muito frequentemente vemos em nossas plagas. Parece que as mães em qualquer parte do mundo têm maior tendência para super-proteger os filhos. Velhos, carecas, barba branca, não deixam jamais de ser meninos para suas mães. Não houvesse partido de maneira prematura,  minha mãe não teria sido talvez muito diferente, mas meu pai sempre fez o contraponto.

Temos algumas coisas a aprender com os judeus, nossos irmãos mais velhos na Fé. Se as mães tendem a mostrar-se mais preocupadas, os pais devem estimular autonomia, ainda que também se preocupem. Por mais duro que pareça, precisamos empurrar os filhos para o mundo, como pássaros que expulsam filhotes do ninho para que voem. Ninguém voa no ninho. Há que voar, porque, como Ícaros, temos asas de cera. Que derretem sob o inclemente sol do tempo.

J. B. Teixeira






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