Páginas

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Participação e democracia

1. Partidos e clima eleitoral
Embora as eleições para a Assembleia da República e constituição de um novo governo só devam acontecer para fins de Setembro ou início de Outubro, no entanto os partidos já começaram a lançar propostas de solução dos problemas, mais na linha da economia que do desenvolvimento social do país. Sem me poder pronunciar sobre a realidade dessas propostas, quero apenas tocar em alguns pontos essenciais para o aprofundamento democrático da nossa sociedade, como muitos o desejaram há quarenta e um anos com a revolução de 25 de Abril.

Nota-se hoje um certo individualismo, alheio aos ideais democráticos, que leva a uma atitude de indiferença em relação ao bem comum e ao aumento da abstenção nos actos eleitorais. Os partidos fariam bem em estudar as causas desse abstencionismo e procurar envolver as pessoas na elaboração dos seus programas, em vez de pensarem apenas em impressos, grupos de propaganda, artistas para os comícios, encontros de maledicência e, por vezes, até mesmo de difamação, querendo quase obrigar a comunicação social a transmitir o que não interessa ao povo.

A doutrina social da Igreja tem princípios que, tidos em conta, poderão ajudar a ultrapassar o desinteresse reinante pelos actos eleitorais. Um deles, que hoje quero abordar com algumas considerações, é o da participação em todos os aspectos da vida das pessoas e das suas relações sociais, familiares, religiosas, laborais e políticas. Esta dimensão da pessoa humana, essencial para a realização da sua dignidade, de que a liberdade é elemento constituinte, precisa de ser educada e exercitada, logo desde a infância. Uma educação passiva, em que tudo é dado sem exigências, sem esforço e sem mérito, leva ao desinteresse e abstencionismo na construção da sociedade. Como diz o nosso povo, de pequenino é que se torce o pepino. Não admira que vivamos de costas voltadas para tudo o que exige participação e procura de consensos na realização do bem comum.

Precisamos de desenvolver métodos de participação em todas as dimensões do desenvolvimento da pessoa humana e das suas múltiplas relações. Nisto todos os partidos se deveriam por de acordo, antes de começarem a divergir, parecendo que é mais o que nos separa que aquilo que nos une. Muitos começam logo a prometer mundos e fundos, sem dizer como pensam realizar isso, tendo em conta as possibilidades reais do país. Nos sucessivos governos que se foram formando ao longo dos 41 anos de democracia constatamos a desilusão de promessas não cumpridas. Como é costume dizer-se, numa qualquer um cai, em duas apenas cai quem quer... Embora saibamos que a política não é uma ciência exacta, por isso mesmo os candidatos deveriam ter mais respeito pelo povo e não prometerem o que não sabem.

Ainda temos alguns meses para repensarmos os nossos ideais e as possibilidades reais das nossas políticas, para não criarmos mais desilusões e aumentarmos o desinteresse e o abstencionismo.

2. Participação no desenvolvimento pessoal e comunitário
Como dizia acima, a participação, além de ser um princípio da doutrina social da Igreja, é essencial para a realização da liberdade e da dignidade da pessoa humana, para o desenvolvimento das suas capacidades, pessoais e comunitárias. Por isso deve ser aprendida e exercitada desde o nascimento. Ninguém aprende a alimentar-se correctamente, a andar, a falar e a relacionar-se com as pessoas e os ambientes, caso não se arrisque e tente, e os adultos o permitam. A pedagogia da aprendizagem faz-se mais pelo testemunho dos mestres que por transmissão de ensinamentos académicos.

A criatividade e a investigação nascem da admiração, da curiosidade e da atitude participativa no desenvolvimento pessoal e comunitário. Esta pedagogia participativa também deve ser aplicada na construção da polis, da cidadania e das comunidades eclesiais. Fico apreensivo quanto ao futuro do nosso país quando vejo os líderes partidários e as caravanas dos candidatos repetirem slogans, sem um discurso racional e lógico na base das propostas gritadas através de megafones e altifalantes ensurdecedores. Dir-se-ia que a falta de argumentos é compensada pelo ruído sonoro. Mas também não me resigno a ver as nossas comunidades eclesiais a viver de rotinas, sem desejo de repensar as verdades da nossa fé, sem apetite de formação, sem participação na construção da família eclesial. Isto 50 anos depois do Concílio Vaticano II!

Uma sociedade sem participação das pessoas, de acordo com as suas capacidades, não tem futuro. Nem todos somos candidatos, mas todos queremos conhecer em quem vamos votar, não apenas os líderes partidários. Num diálogo tranquilo, apesar dos graves problemas que temos de enfrentar e tentar resolver, mais próximo das pessoas, com exemplos de boas práticas e não apenas de boas ideias, mostrando também o modo de envolvimento de todos na solução desses problemas, tudo isso contribuirá para desenvolver a democracia, fomentar a participação e superar a abstenção. Sem participação das pessoas na solução dos problemas sociais, políticos e laborais, nem a democracia se fortalece, nem a produtividade cresce, nem a dignidade da pessoa humana se respeita. Por isso, todos ficaríamos a ganhar, se aproveitássemos este tempo que antecede as eleições para encontrar métodos e meios de interessar e envolver as pessoas na solução dos problemas que os candidatos prometem resolver, mas com a participação das pessoas, famílias, instituições e grupos, e não apenas com o seu voto nas urnas.

† António Vitalino, bispo de Beja

Nota semanal em áudio:





Sem comentários:

Enviar um comentário