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quinta-feira, 15 de junho de 2017

Enquanto é tempo

Junto as goiabas caídas pelo chão e as levo até o galinheiro. Metade delas já foi bicada por aves menores, que as esculpiram saciando a fome. A árvore é alta e dela não comemos um fruto sequer,mas a alegria da fauna voadora faz com que ela seja património histórico, gastronómico e cultural da casa. As goiabas não são muito apreciadas pelas galinhas, soberbas pela abundância de opções no terreno em que ciscam com imemorial habilidade. Do manuseio destas frutas, a maioria das quais meio passada e esborrachada, deixa um legado extraordinário mas mãos: o aroma. Aspiro e recuo no tempo, meus cabelos retornam e voltam a ser castanho escuros. É o cheiro da infância, quando subia nas goiabeiras com a destreza de um macaco sem cauda.

Sem pedir licença, o cheiro invade minha memória e me faz lembrar o perfume das geléias de goiaba, que com um pão caseiro e uma boa nata fazem com que as crianças aprendam que as coisas simples são as melhores. Quando rezo preocupado com o futuro, não penso em carros, passeios, luzes, viagens. Na vigília que antecede o descanso peço apenas “o pão nosso de cada dia” e a saúde para plantar, colher e moer o trigo metafórico das minhas atividades profissionais. Mas falava de cheiro e não de caraminholas que tentam, nos adultos, substituir os carneirinhos. Pois bem, aquele cheiro que o doce de goiaba tinha já não tem. Usualmente compro produtos de várias marcas e todas pontificam pela insuficiência. Falta algo. Sobra açúcar, falta goiaba.

Dias atrás tomei parte de um grupo animado. As mulheres falavam pelos cotovelos. Volta e meia os homens tentavam falar, mas só o conseguiam após muitas tentativas. Dizem que as mulheres falam sete mil palavras por dia. Não é verdade, me disse um amigo, fingindo indignação: “Pode ser que falem sete mil em casa, mas em grupo ultrapassam de longe este número!”. Quando consegui falar, disse a elas que não entendia por que ainda reclamam por empoderamento ...

Eta palavrinha horrível, filha da dinâmica da língua portuguesa, que dobra os joelhos diante dos anglicismos. Empoderamento! De onde saiu isto? Seria a tradução de “empowerment”? Não sei, mas vejo uma legião de adesistas conjugando o verbo empoderar ... Amigo que mora na Bahia publicou um texto no qual ironiza outro neologismo: a palavra comunidade, quando substitui favela. A precariedade é a mesma, a falta de infraestrutura prossegue, mas dizer comunidade é mais bonito. E assim, quase instantaneamente, a palavra favela passa a ser preconceituosa. Num passe de mágica vocabular, está mitigado o débito social. Assim caminha o Brasil.

As mulheres parecem seduzidas pela execrável palavrinha empoderamento, como se o bálsamo do mundo fosse a chegada feminina aos cimos do poder. Nada a objetar. Virtudes teologais não têm sexo e admiro qualquer um que as tenha, não importando seus níveis de testosterona. Mas Deus nos criou diferentes e, na média, os atributos de homens e mulheres são bem desiguais, como atestam índices olímpicos, de um lado, e o poder de agregação familiar, de outro.

Ninguém imagine que me refira aos homens como sinônimo de brutalidade ou às mulheres como tradução de pieguice. Aliás, há anos escutei de um sacerdote que as mulheres são pragmáticas e que sonhadores são os homens. As mulheres podem ser românticas, mas dois mais dois dá quatro. Já os homens não desconhecem isto, mas com razoável frequência preferem, em sua matemática, dois pássaros voando que um na mão. O sacerdote tinha razão. Além disto, os que descreem da narrativa da Criação desprezam também a simbologia do Jardim do Éden, que tirou da solidão o incompleto Adão e o aquinhoou com uma companheira. E assim se pertenceram e se multiplicaram. Aos que reduzem tudo à vala comum de coisas tolas, sugiro que pensem no maravilhoso equilíbrio numérico entre homens e mulheres. Que sugere acasalamentos estáveis, convidando os homens a terem a fidelidade dos cisnes e não a promiscuidade dos macacos. 

Durante as comemorações do dia internacional da mulher houve uma passeata pró-aborto no Brasil. Algo antes inimaginável num país de raízes cristãs. As defensoras do aborto reivindicam liberdade sobre o corpo. Trata-se de posição frágil diante de considerações teológicas,mas muito que bem. Grávida, porém, a mulher carrega em si outra vida e por isto o direito sobre o feto é uma falácia. Mas o mundo se lixa para a verdade. Francis Bacon escreveu que “Não é somente a dificuldade e a canseira que o homem experimenta ao perseguir a verdade, nem sequer o fato de, uma vez encontrada, se impor aos pensamentos humanos, o que o leva a conceder às mentiras os maiores favores; é sim, um natural mas corrompido amor da própria mentira”. A verdade tem o cheiro das goiabas. As meias verdades têm açúcar demais. E não têm alma.

J. B. Teixeira



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