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segunda-feira, 8 de junho de 2020

Ver ou não ver, eis a questão

Se há uma colectânea de visões caolhas dos problemas brasileiros, creio que nada supera a miopia da questão policial. Convencida de que a segurança pública é prioritária, pelo caos em que nos encontramos, a sociedade tem emitido cheques em branco para os órgãos de repressão ao crime, que os têm preenchido com particular gosto. Equipamos polícias e subsidiamos efetivos com aposentadoria precoce e bem remunerada nas patentes mais elevadas. Um luxo, que não tínhamos o direito de nos dar. Caolhos não têm visão de profundidade.

O vício de maquiar os problemas e empurrar com a barriga tem impedido a perseguição de soluções efetivas. Por outro lado, a farsa das soluções ideológicas nos tem afastado da verdade. Em sua pregação em Assunção, o Papa Francisco resumiu a essência das ideologias: terminam usando os pobres a serviço de outros interesses políticos, terminam mal, têm uma relação enferma, incompleta ou má com o povo, não o assumem. Em que terminaram as ideologias? O Papa responde: em ditaduras. Pensam pelo povo, não deixam o povo pensar.

Façamos um esforço para nos mantermos longe de discursos ideológicos e busquemos a origem de tanta violência que enxergamos no mundo e particularmente no Brasil. Poderíamos ceder à tentação simplista e defender, como inelutável constatação, que o capitalismo é intrinsicamente agressivo e que o socialismo real é sempre uma pregação autoritária, que cerceia a liberdade. Encerraríamos, então, indagando qual o sistema a adotar. Está por surgir, responderia.

Se existe um rio de criminalidade, aquela que nos tolhe e amedronta, à qual infelizmente nos habituamos e que gera boletins de ocorrência, há um oceano de violência que a sociedade prefere ignorar ou trata de tirar de seu campo de visão. A legislação cada vez mais complexa - que busca qualificar no detalhe e com nuances os ilícitos,- é de uma ineficiência palmar. Porque, arriscaria, o conjunto legal privilegia e se deixa dominar pela Ética de seu tempo e não pela Moral de todo e qualquer tempo. Matar, por exemplo, é imoral, mas pode ser autorizado pela pena de morte, pelo aborto ou pela eutanásia legalizados. Matar pode ser eticamente aceitável.

A violência entre casais, com agressão física, na qual a parte feminina normalmente leva a pior, gerou até o casuísmo de criação de delegacias da mulher. Creio que seria melhor combater  este crime com a publicação em praça pública da foto dos agressores. Não há empresas que estampam para os clientes a foto do funcionário do mês? Poderíamos estampar num mural os “Covardes do mês”. Tal prática pode até ser considerada medieval e, no cipoal de leis que nos comandam, por certo abriria uma brecha para indemnizações pelo controvertido instituto do dano moral. Sua virtude, porém, seria a de tratar as palavras machão e covarde como sinónimos circunstanciais. Além de caolhos, nos tornamos míopes: só enxergamos o que está bem perto.

Outra violência, ainda maior, é o abandono de crianças à própria sorte. Não sei se pode haver algo pior, fruto da covardia, da perversão de adultos, da irresponsabilidade. Como combater isto? Protegendo a família, desestimulando a promiscuidade e pregando a paternidade responsável. O que fazem os governos? Em nome da saúde pública, distribuem preservativos ...

Não subscrevo na íntegra o texto do livro “Cultura da agressividade”, de autoria do psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, mas recomendo sua leitura aos interessados. Culto e corajoso, dispara algumas ideias originais sobre o tema, até porque não o trata como crónica policial. Defende  que o homem tem direito à transcendência, como “um propósito de civilidade maior – e não um meio, a minoridade do aplauso anónimo nas grotescas instituições da riqueza – o jogo do Eu”. Afirma que “num tempo sem ética, a proposta moral há que ser revolucionária”. Critica pesadamente a televisão e suas três ameaças: a despersonalização pela via da passividade, a homogeneização pelo predomínio de programas dirigidos aos ignorantes e pouco educados e a manipulação, que compromete a liberdade e a cultura. Por fim, afirma que a televisão deve ser impedida de transformar-se no “canal da vulgaridade, da ignorância e da violência obscena”.

O apelo é tardio: a televisão já é este infame canal. Já não bastasse o contínuo processo de destruição da família, vivemos o tempo da perversa ideologia de género. Parece, agora, que ficamos cegos. Nada ver, porém, não nos protege. Afinal, olhos cegos também choram.

J. B. Teixeira





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