Sé de Beja, 31 de maio de2020
Senhor Padre Novais, caro diácono, religiosos e religiosas,
seminaristas e fiéis leigos. Caríssimos irmãos e irmãs:
1 – Hoje é dia de Pentecostes!
Depois do confinamento a que nos obrigou
a pandemia, abriram-se de novo as portas das igrejas para vos acolher e
podermos celebrar juntos, com verdadeiro gozo, a Eucaristia, memorial da Páscoa
do Senhor.
É dia de Pentecostes!
Hoje se completam os cinquenta dias
da Páscoa com a vinda do Espírito Santo. Transformando em apóstolos
missionários aqueles discípulos amedrontados e fechados em casa, Ele fez
aparecer no mundo a Igreja nascente. Escutámos, na leitura do livro dos Atos, que
o Espírito Santo desceu sobre a Virgem Maria e os Apóstolos neste dia último do
tempo pascal, significando assim que o fruto da Páscoa de Jesus é a comunicação
do Espírito Santo, é o dom de Deus mesmo que Se oferece aos homens.
Mas no Evangelho de São João que
ouvimos há momentos, vemos que foi na tarde do dia em que ressuscitou, no próprio
dia da Páscoa, que o Senhor Jesus Cristo apareceu vivo no meio dos Seus
discípulos. Depois de lhes dizer que os enviava a anunciar o Evangelho ao mundo
como o Pai O tinha enviado, Jesus soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o
Espírito Santo ( Jo 20,22)! Mas, se lemos com atenção a Paixão do Senhor
escrita por S. João, podemos reparar que Jesus nos entregou o Seu Espírito,
quer dizer, a sua própria vida, quando morreu na Cruz: inclinando a cabeça,
entregou o Espírito (Jo 19,30). E na água e no sangue saídos do Seu lado
trespassado pela lança, desde sempre os cristãos viram o nascimento da Igreja,
nova Eva, à imagem da antiga Eva nascida do lado de Adão adormecido no paraíso.
E, de facto, é como Novo Adão, iniciador da nova Humanidade que o Senhor
Ressuscitado, marcado com as chagas dos cravos e da lança, sopra sobre os seus
discípulos para lhes comunicar o Espírito da nova criação, o Espírito Santo.
A grandeza e a densidade deste
mistério da Páscoa de Jesus foi desdobrado, para nós celebrarmos e vivermos, em
diversos momentos: a entrada em Jerusalém, a última Ceia, a Sua morte e
sepultura, a descida aos Infernos, a Ressurreição e as aparições às mulheres e
aos apóstolos, a Ascensão ao Céu e, finalmente, a vinda do Espírito Santo, tudo
isto são aspetos deste único e incomensurável mistério de amor de Jesus Cristo Nosso
Senhor que por nós Se entregou e deu a Sua vida para que deixemos de viver
para nós próprios, e vivamos para Ele que por nós morreu e ressuscitou (Cf.
2Cor 5,15).
2 – O Pentecostes é a manifestação da
Igreja ao mundo. Pedro, à frente dos apóstolos, anuncia corajosamente a
ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Cheio do Espírito Santo, Pedro faz em
Jerusalém o primeiro anúncio que suscita a fé em muitos daqueles que escutaram
a sua pregação. E vemos que este dinamismo evangelizador habita e move os
primeiros discípulos, e que a comunidade cristã se organiza e aproveita todas
as circunstâncias para anunciar o Evangelho. Partindo de Antioquia, Paulo e
Barnabé semeiam o Evangelho na Ásia Menor e na Grécia. Mais tarde em Éfeso,
surgirão os escritos joaninos com a sua dimensão sapiencial e mística.
Como em qualquer corpo vivo, encontramos
nas igrejas primitivas três funções principais que se vão definindo para
servirem a vida da comunidade: a estrutura, representada por Pedro e os
apóstolos, o crescimento, simbolizado por Paulo e Barnabé, e o
coração, que tem os seus grandes representantes em S. João, o discípulo
amado, e na Virgem Maria. O cristianismo continua hoje estruturado por estas
três dimensões. Há mesmo teólogos que veem, a partir deles, a História da
Igreja: o primeiro milénio centrado em Pedro, o segundo em Paulo, e tudo indica
que o terceiro milénio que estamos começando será centrado em S. João.
Hoje, na Igreja, estas três funções
manifestam-se na hierarquia, nos missionários e nos religiosos. Vemos, no
evangelho de S. João e nos Atos dos Apóstolos como Pedro, a pedra estabelecida
por Jesus, sempre é escutado por Paulo e que João, o discípulo amado do Senhor,
ao chegar ao sepulcro, espera por Pedro e deixa-o entrar primeiro. Vemos que
Pedro, Paulo e João sempre atuam movidos pela caridade, respeitando os dons uns
dos outros, conscientes de que, na sua diversidade, esses dons proveem do mesmo
e único Espírito Santo, para o bem comum.
E se Pedro cortasse relações com João
e com Paulo? E se Paulo se indispusesse contra Pedro e contra João? E se João,
por ter reclinado a Sua cabeça no peito de Jesus e por ter sido o único dos
apóstolos a estar com Maria junto à Cruz do Senhor, no Calvário, se
considerasse melhor que Pedro e Paulo?
3 – Caríssimos irmãos e irmãs: olho
hoje para esta diocese de Beja tão empobrecida e tão fragilizada e pergunto-me:
como apascentar estas ovelhas do Senhor que são os padres e os diáconos? Como
encher de zelo missionário as ovelhas que são também os praticantes de missa dominical?
Como suscitar vocações de consagração ao Senhor na vida religiosa? Como
apascentar sabiamente os cordeiros, ou seja, as crianças, os adolescentes e os
jovens cristãos?
Na agricultura, a natureza ensina-nos
que é necessário lavrar novamente o campo de uma seara depois de ceifada, se
queremos vê-lo a produzir nova colheita. Apresento-vos outra comparação: como poderá
alguém esperar fruto abundante de árvores que têm as raízes podres e secas? Não
será preciso cuidar, antes de mais, dessas raízes?
As raízes da vida cristã são a fé
suscitada pela pregação dos apóstolos. Essa é a fé que nos leva ao Batismo e
nos constitui membros da Igreja, corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo!
Pode receber o Espírito Santo apenas quem, professando a fé católica e
apostólica, renova as promessas do Batismo, vive como membro vivo da Igreja e
se esforça por corresponder ao amor do Senhor, pondo-se ao Seu serviço.
Quem não tem a mesma fé de Pedro, de
Paulo e de João, ainda que seja muito religioso, será que é mesmo cristão? Quem
não vive em comunidade, quem vive para si mesmo, ainda que saiba toda a
doutrina, não pode considerar-se um cristão autêntico. Quem não é dócil ao
Espírito Santo, ainda que seja padre ou bispo, não é cristão de verdade. Só vivendo
voltados para o Senhor, convertidos e abertos à ação do Senhor em nós, podemos
humildemente servi-l’O a Ele, em vez de nos servirmos a nós mesmos.
4 – Perante estas palavras que
denunciam a debilidade da nossa vida cristã, que poderemos fazer?
Convertamo-nos! Sim, irmãos e irmãs,
convertamo-nos ao Senhor! Voltemo-nos para Ele em cada dia para podermos beber
d’Ele, fonte da salvação e da graça, a água viva do Espírito Santo que nos faz
participantes da natureza divina e dá testemunho ao nosso espírito de que, pelo
batismo que recebemos, somos filhos de Deus. Não tenhamos medo de escutar as
palavras que a Igreja e os apóstolos nos dirigem. É verdade que nos denunciam
como pecadores; mas são também elas que nos revelam e anunciam a divina misericórdia,
criadora e recriadora. Celebremos a
Eucaristia Dominical, onde a Igreja se manifesta em oração ao Pai, por Cristo,
com Cristo e em Cristo, no Espírito Santo. Como filhos de Deus resgatados do
mundo, cultivemos a vida em comunidade, na qual aprendemos a acolher e a
integrar as diferenças num verdadeiro amor fraterno, dando assim testemunho de
que o Senhor ressuscitado vive em nós. E sempre que nos damos conta de que
precisamos do sopro do Espírito Santo para deixarmos de ser egoístas,
maldizentes, luxuriosos e violentos, peçamos, como filhos que somos, o Espírito
Santo ao Pai, lembrados das palavras de Jesus: Se vós que sois maus, sabeis
dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito
Santo àqueles que lh’O pedem (Lc 11,13) !
Estes conselhos que vos dou,
caríssimos irmãos e irmãs, são apenas explicitações do versículo 42 do capítulo segundo
do livro dos Atos dos Apóstolos, no qual S. Lucas nos oferece os 4 pilares da
vida cristã: eram assíduos ao ensino dos apóstolos, à comunhão fraterna, à
fração do pão e às orações.
5 – Daqui até ao dia 12 de julho,
data em que celebraremos os 250 anos da restauração da Diocese de Beja,
convido-vos a viver intensamente a dimensão pascal da nossa vida. Aproveitai
estas seis semanas para virdes à Igreja fazer oração e para confessardes,
arrependidos, os vossos pecados, para participardes na Eucaristia, sobretudo
aos Domingos e festas de guarda.
Aproveito para vos anunciar que na sexta-feira
dia 19 de junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o seminarista Nuno
Oliveira será instituído leitor na Sé, ás 18 h, e que no domingo 28 de junho, Véspera da
Solenidade de S. Pedro e S. Paulo, o diácono Francisco Molho será ordenado
presbítero também aqui na Sé de Beja, pelas 17 horas. Rezemos por eles e
peçamos ao Senhor que nos dê muitos e santos pastores, para esta diocese se
poder renovar e produzir abundantemente, os frutos do Espírito Santo.
+ J. Marcos
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