Palavra e Pão 90
XII Domingo do Tempo Comum
1 - Conheci a primeira Superiora das Irmãs de Belém, a Irmã Maria, no Verão antes da minha mudança para as paróquias de Camarate e Apelação. Depois de celebrar a Eucaristia para ela, que estava doente e muito fragilizada na sua cela, pedi-lhe que rezasse por mim e por essas paróquias cheias de problemas. Confessei-lhe, simplesmente, que tinha medo.
Ela
disparou: Medo?! Acho essa palavra deslocada na boca de um homem da Igreja.
Medo de quê?
Respondi-lhe:
De mim, dos meus pecados, das minhas incapacidades.
Ela
respondeu-me: Olhe para mim, sou muito mais pecadora do que você, e, no
entanto, veja as maravilhas que o Senhor tem feito, não digo graças a mim, mas
apesar de mim!
Fiquei
calado e ela continuou: Sabe quantas vezes, na Sagrada Escritura, aparece a expressão
“não temas” ou “não temais”? 366 vezes, uma para cada dia do ano, incluindo os
bissextos. Quando Deus quer falar com alguém na Terra, sabe qual é o indicativo
que Ele marca? “Não temas”! Portanto, vá tranquilo para essas paróquias.
Fica este Mosteiro a rezar por si e garanto-lhe que aí verá as maravilhas do
Senhor!
Desses 366 “não temais”, dois estão no Evangelho do próximo Domingo, ditos por Jesus aos seus discípulos, a nós hoje: Não tenhais medo dos homens! Não temais os que matam o corpo!
2 - É
natural ter-se medo perante o Coronavírus, numa situação de guerra ou diante de
situações que ameaçam a nossa existência. Quantas vezes, nas narrativas dos
martírios, se refere o medo dos cristãos perante os terríveis algozes! Mas a fé,
a vitória que vence o mundo, ajudou-os a superar esse medo. Se olharmos ainda
a continuação do texto do Evangelho do próximo domingo, encontramos a exortação
de Jesus para que temamos a Deus. O que é o temor de Deus? Muitas vezes se
repete na Sagrada Escritura que o temor de Deus é o princípio da sabedoria, e
também a coroa da sabedoria! O temor de Deus é a base de qualquer religião, do
Cristianismo também. No entanto, a nós cristãos, a manifestação de Deus, Pai
misericordioso e bom, leva-nos a viver numa atitude de confiança, mais do que de
temor. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no
temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba,
Pai! O próprio Espírito Se une ao nosso espírito para testemunhar que somos
filhos de Deus. E se somos filhos, também somos herdeiros; herdeiros de Deus e
co-herdeiros de Cristo (Rom 8, 15-17b).
De facto, também na 1ª. Carta de S. João 4, 18-19, se afirma: Não há temor no amor; pelo contrário: o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor implica castigo, e o que teme não chegou à perfeição do amor. Quanto a nós, amemos, porque Ele nos amou primeiro. Não vos parece, queridos irmãos, que esta palavra nega aquele “temei a Deus” que Jesus nos dá no Evangelho? Será possível os cristãos viverem sem temor a Deus? Há uma pequena nota na Bíblia de Jerusalém que afirma: O amor assume o elemento filial do temor religioso, mas exclui o temor servil, o medo de ser condenado por Deus, que deu, em seu Filho, tão grandes provas de amor. Temer a Deus, para nós cristãos, não significa ter medo de Deus, mas ter medo de O ofendermos gravemente, medo de não O amarmos como O deveríamos amar.
3 - O
contexto do Evangelho em que Jesus nos diz estas palavras é a evangelização: A
todo aquele que se tiver declarado por Mim diante dos homens, também Eu Me
declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus. Mas aquele que Me negar
diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus.
Dar testemunho corajoso de Jesus é o grande objetivo da vida cristã. É verdade
que o medo nos impede, muito frequentemente, de dar esse testemunho. Mas quem é
cristão e encontrou a Vida Eterna no Senhor Jesus Cristo, confia n’Ele, confia
no Pai e também no Espírito Santo. Dar testemunho de Cristo é muito mais do que
defender textos escritos ou ideias. É testemunhar a vida nova de filho de Deus
que recebemos do Senhor. Só quem recebeu o Espírito Santo e vive essa vida,
vence o medo e não pode deixar de dar testemunho, tal como os Apóstolos Pedro e
João disseram no Sinédrio àqueles que os proibiram de falar ou ensinar em nome
de Jesus: Julgai se é justo, aos olhos de Deus, obedecer mais a vós do que a
Deus. Pois não podemos nós deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos (Act
4, 19-20).
Dar testemunho de Jesus, caríssimos irmãos e irmãs, é dar testemunho da Verdade: tem a ver com sermos coerentes e inteiros, pois falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos (Jo 3, 11). Mas é muito mais do que isso: trata-se de manifestar ao mundo o amor de Jesus Cristo por todos nós, e também o nosso amor por Ele. É dar testemunho da Caridade.
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