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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Tempos Difíceis

Quando disse anos atrás a um colega que visitara o Museu do Vaticano, descrevi algumas curiosidades e dentre elas, com pouco relevo, mencionei a presença de tecidos e tapeçarias com vários séculos e de várias procedências. Pertencente a uma denominação religiosa um tanto hostil à Igreja Católica, olhou-me com certo espanto e me perguntou se eu acreditava na veracidade da informação. Naturalmente seu objetivo era outro e muito simples: buscava pela pergunta sugerir que as coisas da Igreja não passavam de grosseira manipulação. Filho modesto mas feliz do tronco da cristandade, apenas repeti que sim, que naturalmente não tinha dúvida alguma. Não tinha à época maturidade para entender e admitir que o ramo ao qual pertencia aquele rapaz era igualmente cristão, ainda que naturalmente com menos seiva que o tronco.

Provavelmente o mesmo cidadão, visitando o Museu do Cairo, não duvidaria da autenticidade das roupas de Tutankamon lá expostas, de suas luvas, de uma túnica que o vestiu ou de sua sapatilha. Acreditaria, no Cairo, em peças de algodão com mais de três mil anos mas terminantemente poria em dúvida a possibilidade de que o tecido em Turim possa ser o Santo Sudário. Para todos os que têm fé, não faz diferença se aquele pano foi ou não a mortalha de Cristo mas é indigno que se ponha em dúvida sua autenticidade por conta da permanente suspeita de que a Igreja seja uma contumaz mistificadora. Ou, pior, falsificadora. O que fazer diante de tais ataques, por maiores e cegos que sejam? Deixar sempre que a caridade fale mais alto e jamais esquecer que é bem melhor ouvir besteiras do que ser surdo.

Erros desta natureza, entretanto, são pequeninos se comparados aos que infelizmente cada vez mais  escutamos de pessoas ligadas a religiões cristãs. Tomo um exemplo particular que tem a força de demonstrar o que nos deve preocupar a ponto de quase perdermos o sono. Encontrava-me em São Paulo e ao me apresentar a uma pessoa pronunciei meu nome. De pronto lembrou que se tratava do nome do primo de Jesus. Este mesmo, respondi, o pregador do deserto, vestido com pele de carneiro, nas primícias do Cristianismo, a alimentar-se de mel e gafanhotos. Meu interlocutor fitou-me por breves instantes, franziu o nariz e pôs em dúvida a dieta daquele que segundo Cristo foi o maior homem nascido de mulher. Será mesmo? disse ele. Certamente, respondi. Será? só se foram outros gafanhotos, maiores. As objeções às circunstâncias bíblicas, partidas de um cristão, me surpreenderam. Respondi então que naturalmente jamais duvidara da dieta. Porque alimentar-se de gafanhotos era pouco diante do preço de suas convicções, que acabaram por colocar sua cabeça numa bandeja. Sem falar que orientais comem coisas bem piores que gafanhotos e sem mencionar que em certos reality-shows, destes que rebaixam a condição humana, sobrariam candidatos a engolir dúzias deles, vivos, em troca de quase nada.

Outros há que buscam na etimologia das palavras razões para supor que a interpretação das Escrituras foi eivada de erros pela Igreja. Esquecidos que foi São Jerônimo, monge e linguista privilegiado, quem traduziu inúmeros textos para o 

latim. Dominava grego e hebraico, que estudou com o propósito de bem cumprir a tarefa a que se propusera. Nesta linha de contestação freqüente outro cidadão me dizia que a passagem “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus” deriva de um erro de tradução porquanto Kamelos significaria corda grossa, destas com as quais amarram-se barcos. Bem, não há como contestar que a associação entre agulha e corda é mais palatável que agulha e camelo. Mas tais considerações não nos permitem imaginar que só haja metáforas e que tudo foi bem diferente do que aprendemos. Como tentam fazer crer os enfraquecidos na Fé. Ora, corda ou camelo, importa que entrar no Reino é tarefa de fato bem mais fácil para os pobres.

Há até os que despregaram Cristo da Cruz e o casaram com Maria Madalena. Outros imaginam que ao expulsar demônios Cristo talvez agisse como uma espécie de psicólogo ou como um xamã do deserto. Como há os que na onda da metaforização de tudo tentam fazer crer que o pecado original é mera figura de linguagem. E que o diabo sequer existe e não passa de recurso aterrorizante para controle das massas. Foi nesta linha que seguiu Marx, atribuindo à religião o caráter de ópio do povo. Para edificar o maior sistema de controle que a humanidade conheceu. Os frutos? Perseguições, extermínios e  desgraças outras na busca de reduzir tudo ao materialismo. As trevas continuam e o diabo, pai da mentira e anjo decaído, infelizmente existe. Calma, porém. Não há o que temer: as portas do inferno jamais triunfarão (Mt 16,18).

J. B. Teixeira



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