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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Mister Guterres

Já tudo foi dito sobre o Eng.º António Guterres. E foi dito em todas as línguas, sem uma nota discordante: a pessoa certa para ocupar o mais alto cargo da diplomacia mundial, da mesma forma que o cargo é o mais ajustado para António Guterres. Não foi nomeado pela cor política, por interesses mais ou menos obscuros, por manobras de bastidores. Prestou provas públicas de que eu sou acérrima defensora, foi avaliado pelo seu mérito próprio e em comparação com os outros candidatos. Venceu todas as provas, provou ser o melhor e foi finalmente eleito por unanimidade e por aclamação.

É consolador ver na eleição do atual Secretário das Nações Unidas um sinal de mudança na política internacional: houve transparência, ignorou-se a cristalização de última hora, venceu o valor, a competência, escolheu-se a pessoa certa para o cargo, oriunda de um pequeno país que não tem grande peso nas decisões internacionais, após um longo e difícil processo eleitoral.

O cargo que ocupou durante dez anos como Alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados foi igualmente conquistado por provas públicas. Tudo na vida pública de António Guterres é transparente e cristalino. As palavras que escolheu para comentar a sua eleição, humildade e gratidão, definem, bem o seu caráter: gratidão, porque ele sabe que nada se consegue sozinho, e humildade porque se quer pôr ao serviço dos outros.

Assisti por mero acaso a um episódio que demonstra a simplicidade de Guterres: estava eu sentada no avião que ia para Genève, quando vejo entrar o Eng.º Guterres, que se sentou no seu lugar, em classe turística, tal como eu. Passados uns minutos veio o comandante que o conduziu à classe executiva. Tratava-se do Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados e não um passageiro comum. Portanto, viajou em classe executiva, sim, mas a convite do comandante, não por iniciativa própria. Mais uma prova da sua humildade.

Mais tarde li o episódio na comunicação social.

O mundo celebrou as qualidades de Guterres. E por cá? Também, claro. Quem se atreveria a destoar? E qual a imagem que o canal estatal escolheu para passar na televisão? Um Guterres atrapalhado, numa campanha eleitoral, perante uma pergunta de um jornalista, a fazer contas de cabeça, a calcular o valor do PIB per capita, com dificuldade em acertar, ele o engenheiro licenciado pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, o melhor aluno até hoje dessa escola de engenharia, uma das mais prestigiadas da Europa, num dos cursos mais exigentes (e eu sei do que falo!), o curso de Engenharia Eletrotécnica e de Comunicações, com a nota de 19 ou 20 valores. A mesquinhice! A crueldade! O homem acabava de fazer uma visita, dentro da campanha eleitoral, ao Hospital da Universidade de Coimbra e aproveitou para colher informações junto de um médico sobre a doença de que sofria a sua mulher, sem dizer de quem se tratava. E o que ouviu foi aterrador: não havia hipótese de salvação. Naquele momento, mesmo que lhe perguntassem que número calçava, também teria de fazer cálculos de cabeça, certamente. Foi o momento da vida pública de Guterres que a Comunicação Social achou mais marcante para ilustrar a notícia de que Guterres era o novo Secretário-geral das Nações Unidas. O jornalista que escolheu esse momento entra bem na caracterização que o Prof. João Lobo Antunes fez de Portugal, no discurso proferido quando lhe foi atribuído o Prémio Pessoa: Portugal é um país onde a inveja é decreto-lei e a mediocridade a portaria que o regulamenta.

Temos no mais alto cargo da política internacional um homem de valor excecional. Um engenheiro que vai construir pontes e não levantar muros. Um humanista, não um tecnocrata. Vai resolver todos os problemas com que o mundo se defronta? Não, não vai. Nem é possível. Mas que vai aliviar, dialogar, construir consensos, propor soluções, trabalhar, em suma, isso vai. E esse homem é português.

Cecília Rezende



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