Infelizmente, lembrámos recentemente os dois anos passados do atentado que em França fez perder a vida a mais de cem pessoas. São imagens que nos aterram, aquelas onde vemos homens e mulheres como nós (que podiam ser nossos e que o são no fundo, como pertença à mesma e única Humanidade) caídos no chão pela vontade arbitrária de alguém (ou alguéns) que, sem motivo, determina o fim de um caminho único e irrepetível que é uma vida humana, cheia de projetos, amores vividos, laços de amizade que estabelecem conexões únicas, neste mundo da era digital.
Cada ser humano é dotado de uma vontade e inteligência próprias, dons intransmissíveis inerentes à liberdade que cada um possui, como direito pessoal. Uma liberdade concedida que tem os seus riscos, sim, e as suas responsabilidades, mas que é, a meu ver, o nosso maior tesouro, que nada nem ninguém pode violar.
Contudo, neste mundo moderno, estamos a ser confrontados, cada dia e aos mais variados níveis, com a violação desse dom pessoal. Para o caso concreto, trago a esta reflexão, a notícia do Diário de notícias (DN), de 14 de novembro, a propósito da campanha das autoridades chinesas de uma comarca no sul do país, que visa “transformar os crentes na religião em crentes no Partido”.
Para começar, gostaria de dizer que estas minhas palavras seriam escritas no caso de estar em causa qualquer outra religião, bem como qualquer outro partido que ousasse ter a mesma iniciativa. O caso traduz-se na obrigatoriedade de os cristãos locais substituírem os retratos de Jesus Cristo, cruzes e outros símbolos religiosos que têm em suas casas por imagens do Presidente chinês. Quem não o fizer, está sujeito à forte possibilidade de perder o direito a receber os subsídios de combate à pobreza (numa população onde se estima que 10% vive abaixo do nível de pobreza, ou seja, com menos de um dólar por dia).
Estamos ou não a falar de violação da liberdade pessoal, de violação à crença profunda que um ser humano, inteligente e com vontade própria, tem direito a ter? Ou será que, como sugere um dos líderes locais do partido comunista, crer em Deus é um sinónimo de ignorância, erro de visão que os camponeses acabarão por perceber depois do “trabalho” destes líderes? Infelizmente, não é uma visão da qual estejamos livres mesmo no nosso mundo dito civilizado, quando a crença de uma minoria não abona à pretensão de uns quantos e, neste caso, à pretensão clara de poder e glória pessoal de um homem.
Vem aqui a propósito o que o estimado Papa emérito Bento XVI escreveu na sua carta encíclica “Salvos na Esperança” sobre o erro fundamental de Marx (nº21): “Ele esqueceu que o ser humano permanece sempre humano. Esqueceu o ser humano e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal.” Neste caso, uma liberdade que pretende apagar a liberdade dos outros à força de impor a sua verdade.
“O Governo chinês apela às igrejas católicas do país para aderirem ao “socialismo com características chinesas” e adotarem “a direção correta de desenvolvimento” lê-se no referido artigo do DN. Ignora assim a característica essencial do “desenvolvimento autêntico”, conforme citado na Caritas in Veritate, de Bento XVI: “este deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” e isso, acrescento eu, não está certamente na mão de nenhum outro homem.
Cristina Berrucho Figueiredo
professora
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