Páginas

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Exposição Organizada por Ocasião da Vinda dos Reis da Holanda a Portugal

No Museu de Arte Antiga de Lisboa, encontra-se aberta ao público até 7/1/2018 uma exposição de Rembrandt - Elos Perdidos -, organizada por ocasião da visita de Estado do Rei William-Alexander e da Rainha Máxima, dos Países Baixos. No segundo dia da sua visita a Portugal, suas Majestades, acompanhadas pelo Presidente da República Portuguesa inauguraram esta exposição, que foi concebida como um díptico. A título de curiosidade, foi o próprio Presidente, Presidente Honorário do Conselho de Curadores do Museu, que terá sugerido que, nas visitas de Estado, houvesse uma troca de obras de arte.

Face a este contexto, assinalando a colaboração com o Rijksmuseum, de Amesterdão, e o Museu Nacional de Arte Antiga, encontra-se exposta uma paisagem de um dos mais célebres artistas flangos, que deu o nome à exposição, Rembrandt van Rijn (1606-1669). Durante a visita guiada em que tive oportunidade de participar, fiquei impressionada com a beleza da paisagem pintura a óleo sobre madeira, de pequeno formato, datado de 1638, denominado “Paisagem com Ponte de Pedra”. Por uns momentos veio-me ao pensamento um quadro da mesma dimensão, igualmente uma paisagem, que se encontrava exposto na antiga quinta de família, antes das partilhas. Apesar de se encontrar assinado, ninguém sabia a sua proveniência, em virtude de se encontrar há séculos no mesmo local. Todos o admirávamos, pois não passava despercebido pela beleza da paisagem e requinte de execução. 

Mas esta paisagem de Rembrandt é única, de uma beleza e de pormenores ímpares. O nosso pintor não terá pintado mais do que uma dúzia de paisagens. Na época, havia falta de mercado para o colecionismo religioso. Mas este seu interesse pela paisagem não foi acompanhado pela sua clientela. A pintura em que a planura monótona da paisagem holandesa foi magistralmente criada, através de um grafismo reduzido ao essencial, com as sombras trabalhadas a pincel, com uma matéria muito diluída, perspetivando-se a borrasca, a tempestade, acentua-se com o empastamento nas zonas mais luminosas, o dramatismo da luz, pronunciador de tempestade, enquanto metáfora da vida humana em que recorda o eterno peregrinar, os acidentes do mundo, um tema aliás bastante comum na pintura nórdica. Na realidade constitui mesmo uma obra-prima. De enfatizar que as paisagens de Rembrandt são construídas e não uma reprodução de um local concreto. Ainda da coleção do Museu Nacional de Arte Antiga, encontra-se exposto um croqui que mostra um invulgar desenho de Rembrandt, cujo tema é igualmente a paisagem.

Chamou-me a atenção o cuidado havido no entrecruzamento das relações dos Países Baixos com Portugal, oriundas de prestigiosas Coleções Reais. Prova disso, o retrato da autoria de Joos Van Cleve, datado de 1530, da Rainha Dona Leonor da Áustria, terceira mulher do Rei D. Manuel I, de quem ficaria viúva em 1525. Foi por altura do seu casamento com Francisco I de França em 1530, do qual existem várias versões a partir do modelo criado por este autor, com o mesmo enquadramento, o mesmo penteado e o mesmo vestido, que Joos van Cleve a pintou, diferindo apenas nas jóias e no adereço que tem na mão, por vezes, uma flor, outras, um fruto, outras com uma carta. Na versão do Museu Nacional de Arte Antiga tem um anel, constituindo uma referência nítida ao seu casamento.

De referir que este consórcio foi imposto pelo Imperador Carlos V, na sequência do “Tratado de Paz de Cambrai” ou “Paz das Damas” uma vez que foi assinado por Margarida da Áustria, tia de Carlos V, e Luísa de Saboia, mãe de Francisco I, que poria fim à segunda guerra hispano-francesa, em 3 de Agosto de 1529, após a vitória sobre as tropas francesas na Batalha de Pavia. Joos van Cleve também pintaria o Imperador Carlos V em 1530. A representação dos dois irmãos torna-se bastante invulgar. Neste par de quadros (tondi) que vieram da “Stichting Historische Verzamelingen van het Huis Oranje-Nassau, Royal Collections, the Netherlands”, que tive a possibilidade de visualizar, durante a exposição, D. Leonor de Áustria exibe na sua mão uma maçã.

Por fim chegou o momento de observar duas obras de Gerard van Honthonst datadas de 1636 que representam duas irmãs, Sabina e Leonor filhas de D. Manuel de Portugal (filho de D. António Prior do Crato), que casaria com a Condessa Emília de Nassau. O casamento seria realizado em segredo. Tiveram 10 filhos. De reforçar que D. António vivia no exílio com dificuldades. O casamento de D. Manuel com a Condessa Emília de Nassau, concedendo alguma folga financeira, viria a permitir manter o estatuto de príncipe herdeiro ao trono de Portugal. Também se encontrava exposta uma carta da Condessa Emília de Nassau manifestando a sua vontade de casar com D. Manuel de Portugal, apesar de todas as oposições encontradas, o que aconteceria em 17 de Novembro de 1597.

É deveras impressionante como uma exposição confinada unicamente a uma sala tem tantas histórias para contar, em busca dos elos perdidos no tempo. Esta ideia de acompanhar uma visita de Estado com uma exposição alusiva, reveste-se do maior interesse histórico-cultural. E, como referiu o nosso Presidente, partilhamos uma longa história comum: a identidade marítima, a abertura ao mundo e a determinação em avançar em novos caminhos… a visita de Suas Majestades representará um marco relevante neste relacionamento secular numa fase de grande proximidade secular, social e económica…

Termino esta viagem pela história e pela pintura, referindo que o Museu Nacional de Arte Antiga cumpre a missão para a qual foi criado desde o ano 1884, habitando desde então Palácio Alvor, com um acervo que compreende o maior número de obras qualificadas como Tesouros Nacionais. Engloba igualmente obras de referência do património artístico mundial e alberga a mais relevante coleção pública do País, da Idade Média até ao século XIX. Pintura, escultura, ourivesaria, artes decorativas – portuguesas, europeias, de África e do Oriente. Depois, é igualmente gratificante fazer uma pausa para um café, ou fazer uma refeição, com uma vista maravilhosa sobre o Rio Tejo. A não perder de todo. Voltarei um dia, se Deus quiser. Como Fernando Pessoa escreveu: ”Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”.

Maria Helena Paes



Sem comentários:

Enviar um comentário