
100 anos depois
Clara Raimundo | 25/08/2025
Em 1925, após a I Guerra Mundial, o arcebispo luterano Nathan Söderblom reuniu mais de 600 líderes ortodoxos, anglicanos e protestantes de 37 países para um encontro histórico em Estocolmo. Um século depois, com tantos países em guerra, líderes cristãos de todo o mundo – e desta vez também católicos – voltaram a reunir-se na capital sueca para uma Semana Ecuménica. A iniciativa terminou este domingo, 24 de agosto, com um forte apelo à paz e à unidade: uma paz “que não é passiva” e uma unidade que é “diversidade reconciliada”.
Ao longo de uma semana, foram mais de 60 as conferências, mesas-redondas, cultos e eventos culturais que integraram a programação da Semana Ecuménica de Estocolmo 2025, a qual culminou numa celebração na catedral de Storkyrkan – tal como há cem anos. Nela, marcaram presença os reis da Suécia, o primeiro-ministro e, entre os líderes religiosos, o pastor Jerry Pillay (secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas), o Patriarca de Antioquia e de Todo o Oriente, Moran Mor Ignatius Aphrem II (chefe da Igreja Ortodoxa Siríaca Universal), a pastora Anne Burghardt (secretária-geral da Federação Luterana Mundial), o arcebispo Flavio Pace (secretário do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos do Vaticano) e o Patriarca Ecuménico Bartolomeu (primaz da Igreja Ortodoxa de Constantinopla), entre muitos outros.
Foi a este último que coube conduzir o momento em que todos recitaram o Credo Niceno-Constantinopolitano, cujas origens remontam ao Primeiro Concílio Ecuménico de Niceia, em 325 d.C., e cujo 1700º aniversário também se comemora neste ano.
“Nunca a voz de um cristianismo unido foi tão necessária quanto hoje”

“A reconciliação e a paz exigem uma reversão radical daquilo em que se está a tornar cada vez mais a forma normativa de sobrevivência no nosso mundo”, defendeu o Patriarca Ecumênico Bartolomeu. Foto © Albin Hillert/WCC
“Rezemos pela paz do mundo inteiro, pela estabilidade das santas igrejas de Deus e pela unidade de todos”, pediu Bartolomeu I no seu discurso, citando as Divinas Liturgias de São Basílio Magno e São João Crisóstomo. “A reconciliação e a paz exigem uma reversão radical daquilo em que se está a tornar cada vez mais a forma normativa de sobrevivência no nosso mundo. A paz interior e a paz global são a forma distinta de romper o ciclo de violência e injustiça”, defendeu.
“Nunca, continuou o Patriarca Ecuménico, a voz de um cristianismo unido foi tão necessária quanto hoje. A construção da paz está integral e inseparavelmente associada à coexistência de todas as pessoas e à sobrevivência do nosso planeta. Ela reflete-se na maneira como nos tratamos uns aos outros e na maneira como tratamos o meio ambiente”, continuou.
Assegurando que o encontro e o diálogo ecuménicos são um elemento integrante do desejo do seu Patriarcado, Bartolomeu sublinhou que se trata “de cumprir a vontade do Senhor de que os seus ‘discípulos sejam um’” e recordou que “essa abertura à união e à comunhão, à unidade e à comunidade, também estava no coração do arcebispo de Uppsala, Nathan Söderblom, um visionário e pioneiro do movimento ecuménico”.
Igreja Católica pede “perdão pelo pecado da divisão”
E se, em 1925, a Igreja Católica Romana manteve distância da conferência de Estocolmo e optou por não participar, desta vez fez questão de expressar o quanto está envolvida no movimento ecuménico.
O cardeal Anders Arborelius, bispo da diocese católica de Estocolmo, conduziu um dos momentos de oração, enquanto o secretário do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos do Vaticano,arcebispo Flavio Pace, fez um dos discursos.
“O que estamos a celebrar aqui e durante a Semana Ecuménica, comemorando a feliz intuição que moveu o arcebispo Nathan Söderblom há cem anos, provém do coração do Pai que deseja a unidade dos seus filhos”, afirmou. “Esta semana, portanto, ao reconhecermos as maravilhas da graça operada pelo Senhor, pedimos perdão pelo pecado da divisão e, para fazer um apelo credível pela paz neste mundo martirizado pelas guerras, renovamos o nosso compromisso com a unidade e a reconciliação, redescobrindo o tesouro da única fé”, acrescentou.
Apesar de não ter estado presente, o Papa Leão XIV enviou uma mensagem dirigida a todos os participantes no encontro, e lida por Flace na sexta-feira, 22. “O que nos une é muito maior do que o que nos divide”, sublinhou, lembrando que “desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica abraçou de todo o coração o caminho ecumênico”. “Embora a Igreja Católica não estivesse representada naquele primeiro encontro, posso afirmar, com humildade e alegria, que hoje estamos ao seu lado como companheiros discípulos de Cristo”, assegurou, defendendo que é necessário “enfrentar a divisão com coragem, a indiferença com compaixão e a levar cura onde houve ferida” e exortando os “irmãos cristãos a não esperarem por um consenso sobre todos os pontos da teologia, mas a unirem-se no ‘cristianismo prático’, para servir juntos o mundo na busca pela paz, justiça e dignidade humana”.
Um apelo final

Líderes religiosos de diversas tradições reunidos para apresentar um apelo ecuménico durante o culto na Catedral de Uppsala. Foto © Albin Hillert/WCC
Durante celebração ecuménica que encerrou a iniciativa, desta vez na Catedral de Uppsala, velas foram acesas para simbolizar o passado, o presente e o futuro, fizeram-se orações e leituras em línguas tão diversas como o sueco, árabe, inglês, alemão e aramaico siríaco, e vários líderes falaram sobre o significado da conferência de Estocolmo de 1925 e sobre a importância desta semana para o celebrar e recordar.
O apelo final, então lido, lembra que este encontro aconteceu num tempo que clama por paz, tal como há cem anos. “Uma paz que não é meramente a ausência de guerra, mas é marcada pela justiça e pela reconciliação”, diz o texto. “Neste tempo, Deus chama-nos — como igrejas, como irmãos na fé, como seres humanos — para sermos portadores da paz de Deus.”
Essa “busca pela paz e a possibilidade de reconciliação são centrais para o testemunho comum das igrejas”, diz ainda o apelo. E essa paz não é passiva: “Ela é ativa. Busca justiça. Constrói pontes. Cura feridas e cria espaço para a reconciliação”, esclarece o apelo. ” Portanto, não podemos permanecer em silêncio quando as pessoas são deslocadas, quando o ódio se enraíza, quando as mudanças climáticas causadas pelo homem ameaçam o futuro da vida.”
O apelo assinala ainda que a missão da igreja não é para o próprio bem, mas para o bem do mundo. “Estamos juntos — diferentes em tradições, línguas, contextos e expressões — mas unidos em Cristo”. E essa unidade é possível, conclui, porque não é uniformidade, “mas uma diversidade reconciliada que reflete o amor criativo de Deus”.
Sem comentários:
Enviar um comentário