Entrevista com Dom Fernando Chica, observador permanente da Santa Sé
 na FAO e nas Nações Unidas, sobre a encíclica do Papa Francisco
Na encíclica Laudato Si, o Papa Francisco convida a lutar 
contra a fome e outros flagelos do século, em um mundo onde há comida 
para todos, mas nem todos podem comer. É um apelo à conversão, porque 
significa não delegar, pensando que alguém consertará tudo, mas indica a
 responsabilidade de cada um de nós. Uma encíclica que como uma 
plataforma aberta, busca a colaboração de todos e ilumina a todos.
Foi o que afirmou o Observador Permanente da Santa Sé para as Nações 
Unidas, FAO, PAM e IFAD, Dom Fernando Chica, em entrevista concedida à 
Zenit, após o encontro "Combate à fome e conversão ecológica. O convite 
da encíclica Laudato Si a uma agricultura sustentável", organizado em Roma pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, na sala Alvaro del Portillo.
Zenit: Na encíclica Laudato Si há uma solicitação para salvar a casa que Deus nos deu, mas também um convite à conversão?
Dom Fernando Chica: Isto não é apenas uma intuição, mas uma verdade. 
Ao ler o texto da encíclica, que é riquíssimo, porque pode ser definida 
como inesgotável, é como uma canteira onde encontra-se realmente muitas 
ideias brilhantes. É uma encíclica que não pode ser lida rapidamente, 
porque tem grande variedade de tópicos e um convite à conversão 
explícito.
Zenit: Em que sentido?
Dom Fernando: O Santo Padre convida à conversão para combater a fome e
 outros flagelos de hoje, do século XXI, que caracterizam este mundo e o
 Papa as descreve como um verdadeiro escândalo.
A conversão acontece, por exemplo, ao abandonar essa prática que 
temos de recusar ou abandonar os grandes problemas, pensando que sempre 
haverá alguém, uma instituição ou outra pessoa tendo o cuidado de 
corrigi-lo e, logo, damos um passo para trás. Esquecemos e damos uma 
desculpa para não agir, entramos num limbo, numa paralisia, num engano 
total, pensando que alguém vai resolver o problema da fome no mundo.
Fome no mundo...
Dom Fernando: É um problema que clama ao céu e clamava o sangue de 
Abel, é uma injustiça o fato de que hoje milhões de pessoas no mundo 
sofram este verdadeiro flagelo, a fome, quando a terra pode alimentar a 
todos.
É um paradoxo real, há comida para todos, mas nem todos podem comer, 
alimentos para todos, mas nem todo mundo se beneficia deles, porque 
alguns não tem acesso, outros não podem produzir, muitos estão nas mãos 
de poucos, porque a comida deixou ser um direito para se tornar um 
produto de mercado, que muitos não podem obter devido aos preços. O 
alimento, que é um direito tão sagrado como o direito à vida, hoje, 
infelizmente, não está disponível para todos. Devo dizer com todas as 
letras que é um verdadeiro horror, uma injustiça, um escândalo. Aqui 
está a conversão.
Zenit: Portanto, não basta apoiar os organismos internacionais.
Dom Fernando: Não. Somente a cooperação internacional pode fazer algo
 para acabar com este flagelo, todos podemos fazer a nossa parte, 
ninguém está excluído desta causa nobre que é combater a fome e a 
pobreza no mundo.
Zenit: O Papa convida muitas pessoas que viam a Igreja e Deus como 
algo distante para a questão da defesa do criado e assim as aproxima da 
fé.
Dom Fernando: A encíclica tem algo de maravilhoso, nos primeiros 
números dirige-se a todos, e a palavra ‘todos’ é fundamental... O Papa 
fez uma ampla consulta, a muitos órgãos e pessoas, antes de escrever e 
as dispôs neste maravilhoso aparato crítico onde você vê que muitos 
convergem para o pensamento papal. O Santo Padre não pretende ter um 
único interlocutor, mas visa atingir a todos, não apenas os católicos, 
mas a todas as pessoas que querem ouvi-lo, a todas as pessoas de boa 
vontade, crentes ou não, instituições políticas internacionais, 
autoridades locais, universitários, todos.
 
Portanto, para quem quiser ouvi-lo, ele envia uma mensagem. Esta 
encíclica é como uma plataforma aberta para todos, busca a colaboração 
de todos, ilumina a todos os que estão envolvidos de uma maneira ou de 
outra, não apenas políticos, mas agentes sociais, culturais, 
universitários, ecologistas, a todos os que querem trabalhar para ir em 
frente, para ir ao encontro deste grito da terra.
Zenit: Parece que nunca houve um chamado tão grande na história da Igreja.
Dom Fernando: Esta é uma ideia que nos faz ver a grandeza deste Papa,
 que se coloca constantemente junto com a tradição viva da Igreja, com a
 palavra de Deus, com o rico fio condutor de reflexão de seus 
antecessores. Ou seja, o Santo Padre lança um rio de propostas e o 
oferece a este mundo.
Especialmente para a conferência que em poucos dias será realizada em
 Paris, ele pediu em várias instâncias resultados efetivos, e não apenas
 declarações de princípios, mas ações concretas, juridicamente 
vinculativas, équas. Porque contrário não se chegará a lugar nenhum.
(30 de Outubro de 2015) © Innovative Media Inc.
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