Jacques Testart disse que «só os católicos me entendem»
| Jacques Testart, pioneiro da fecundação in vitro em França, previne a eugenesia que vem nos países democráticos |
Actualizado 31 de Março de 2014
Daniele Zappalà / Avvenire
Biólogo especializado em reprodução humana e animal, anteriormente director do conhecido laboratório transalpino Inserm e também ex-presidente da Comissão francesa para o desenvolvimento sustentado, «ateu e de esquerdas», Jacques Testart saltou para a fama em 1982 como pai científico do primeiro «bebé proveta» da França.
Desde então, ainda que não tenha renegado esse acto técnico que, ao mesmo tempo, não considera «uma grande proeza científica», Testart dedicou muitos livros a denunciar as crescentes derivas da tecnociência no campo da saúde e da reprodução humana.
A maternidade alugada [ventres de aluguer, mulheres que geram filhos de outros, por encargo, nd ReL] é, segundo ele, uma simples prática social equivalente nem mais nem menos que à «escravidão» e as suas críticas da tecnociência no sentido estrela acabam de ser concretizadas e resumidas em Faire des enfants demain («Fazer crianças amanhã», Seuil), um ensaio de grande clareza concebido para despertar do sono dogmático cientificista uma França todavia profundamente influenciada pela ideologia positivista.
Daniele Zappalà / Avvenire
Biólogo especializado em reprodução humana e animal, anteriormente director do conhecido laboratório transalpino Inserm e também ex-presidente da Comissão francesa para o desenvolvimento sustentado, «ateu e de esquerdas», Jacques Testart saltou para a fama em 1982 como pai científico do primeiro «bebé proveta» da França.
Desde então, ainda que não tenha renegado esse acto técnico que, ao mesmo tempo, não considera «uma grande proeza científica», Testart dedicou muitos livros a denunciar as crescentes derivas da tecnociência no campo da saúde e da reprodução humana.
A maternidade alugada [ventres de aluguer, mulheres que geram filhos de outros, por encargo, nd ReL] é, segundo ele, uma simples prática social equivalente nem mais nem menos que à «escravidão» e as suas críticas da tecnociência no sentido estrela acabam de ser concretizadas e resumidas em Faire des enfants demain («Fazer crianças amanhã», Seuil), um ensaio de grande clareza concebido para despertar do sono dogmático cientificista uma França todavia profundamente influenciada pela ideologia positivista.
- Você denuncia a difusão de uma «eugenesia democrática». Que quer dizer com isto?
- A respeito da eugenesia histórica, dolorosa e autoritária, hoje em dia difunde-se uma eugenesia consensual, no sentido que são as próprias pessoas as que podem ter uma criança normal, eliminando supostos embriões anormais.
Na Europa, o fenómeno começou com a fecundação in vitro e a escolha do doador de gametas masculinos por parte do médico. Isto apresentava-se como um acto de generosidade, dado que a escolha era conceber crianças sãs e parecidas com o pai. Mas tratava-se já da escolha de um pai sem que os progenitores pudessem intervir e sem que a criança pudesse conhecer um dia ao pai biológico.
No período imediatamente depois da guerra vieram formas de eugenesia também no Extremo Oriente, no Japão e em Singapura: por exemplo, com a oferta de uma casa ou de um carro no caso de matrimónio entre licenciados, segundo a ideia estúpida de que a universidade demonstra a inteligência e que concertar matrimónios entre licenciados beneficia o crescimento do país.
Hoje, o fenómeno estende-se por toda a parte com os bancos de gametas e a selecção de embriões».
- Segundo você corre-se o risco de «modelar outra humanidade». Não é uma previsão demasiado pessimista?
- Por agora, a fecundação in vitro é um processo doloroso para as mulheres. Mas se num futuro estas técnicas simplificaram-se e generalizaram-se, algo que me parece provável, todas os pares pediram o mesmo, quer dizer, uma espécie de criança perfeita segundo os cânones da época que tenderam a impor-se a escala internacional.
Se irá, assim, até uma espécie de clonagem social, sem passar pela clonagem no sentido técnico. Eliminaram-se alguns caracteres da humanidade de hoje, com a ideia de que os novos caracteres são superiores e vantajosos.
- Parece que junto a enormes dilemas éticos, esta normalização dos genomas apresenta já zonas de sombra puramente científicas.
- A maioria dos genes que causam patologias graves protegem também de outras patologias. Em geral, não há um gene totalmente bom ou totalmente mau. Há genes que têm distintas acções que são todavia desconhecidas em grande parte. Não conhecemos a interacção entre genes.
Portanto, convertemo-nos em aprendizes de bruxo quando fazemos crer que sabemos tudo. A maioria dos genes influem em centenas de caracteres, patológicos ou não, de um modo que não sabemos. Além disso, influi-lhes o ambiente com os factores epigenéticos. Não sabemos em absoluto até onde vamos.
Menciono Darwin para recordar que, segundo as leis da evolução, sabemos que nos períodos de crise e de catástrofes uma espécie sobrevive só graças a diferentes genomas. Deste modo, numa população haverá indivíduos que são capazes de resistir. O exemplo mais conhecido é o da peste da Idade Média. Nas aldeias, 30% dos indivíduos conseguiu sobreviver, certamente por razões genéticas que ainda desconhecemos.
Com a mudança climática, poderiam propagar-se muito rápido novas enfermidades que nos achariam não preparados e indefensos. E neste contexto fabricar indivíduos geneticamente similares entre eles é correr o risco de assinar a sentença de morte da espécie no arco de dois ou três séculos.
- Você critica certas tendências da medicina. No campo da procriação, está-se superando o limite da legitimidade?
- De maneira muito clara. Quando, por exemplo, os ginecólogos franceses podem congelar os óvulos das mulheres que não tem nenhum problema, só porque por causa da sua carreira ou outro motivo não querem ter filhos quando são jovens, é evidente que não se trata de um problema médico. É uma questão social. Pode-se, por exemplo, impor ao chefe da empresa que não impeça a ascensão profissional das mulheres com crianças.
Não é competência dos médicos resolver a situação com artifícios deste tipo.
Paralelamente, é também verdade que hoje em França 25% dos pares que solicitam uma fecundação in vitro não a necessitam verdadeiramente. Seria suficiente que esperassem um pouco.
- Estes abusos estão baseados às vezes numa visão discutível ou distorcida da igualdade?
- Certamente. Por exemplo, no caso das mulheres que pedem que se congelem os seus próprios óvulos. Invoca-se uma presumível desigualdade em relação aos homens, que teoricamente são férteis toda a vida. Os ginecólogos pretendem compensar esta desigualdade com a técnica.
- As velhas tentações titânicas humanas associam-se, hoje, a lógicas mercantilistas a grande escala?
- Exactamente. Há uma convergência e muito poucos políticos se dão conta disso. Entre estes, os únicos que entendem o que digo e oferecem um pouco de resistência são os católicos. Pessoalmente, isto aflige-me. Sou um homem de esquerdas e exponho-me às troças dos meus amigos quando digo isto. Nem sequer quer falar disso.
- Entre os pensadores que você cita também há muitos cristãos, como Ivan Illich ou Jacques Ellul…
- A este propósito, digo a mim mesmo que não se pode fugir da própria cultura. Não recebi nenhum tipo de educação religiosa, mas pertenço à cultura judaico-cristã, sem ser directamente judeu-cristão.
Além disso, constato que as grandes religiões não conceberam por casualidade certas propostas comuns pelo bem da humanidade. Este é o modo para conseguir viver em sociedade, se bem historicamente talvez houve nisso algo de oportunismo.
(Tradução de Helena Faccia Serrano, Alcalá de Henares)
- A respeito da eugenesia histórica, dolorosa e autoritária, hoje em dia difunde-se uma eugenesia consensual, no sentido que são as próprias pessoas as que podem ter uma criança normal, eliminando supostos embriões anormais.
Na Europa, o fenómeno começou com a fecundação in vitro e a escolha do doador de gametas masculinos por parte do médico. Isto apresentava-se como um acto de generosidade, dado que a escolha era conceber crianças sãs e parecidas com o pai. Mas tratava-se já da escolha de um pai sem que os progenitores pudessem intervir e sem que a criança pudesse conhecer um dia ao pai biológico.
No período imediatamente depois da guerra vieram formas de eugenesia também no Extremo Oriente, no Japão e em Singapura: por exemplo, com a oferta de uma casa ou de um carro no caso de matrimónio entre licenciados, segundo a ideia estúpida de que a universidade demonstra a inteligência e que concertar matrimónios entre licenciados beneficia o crescimento do país.
Hoje, o fenómeno estende-se por toda a parte com os bancos de gametas e a selecção de embriões».
- Segundo você corre-se o risco de «modelar outra humanidade». Não é uma previsão demasiado pessimista?
- Por agora, a fecundação in vitro é um processo doloroso para as mulheres. Mas se num futuro estas técnicas simplificaram-se e generalizaram-se, algo que me parece provável, todas os pares pediram o mesmo, quer dizer, uma espécie de criança perfeita segundo os cânones da época que tenderam a impor-se a escala internacional.
Se irá, assim, até uma espécie de clonagem social, sem passar pela clonagem no sentido técnico. Eliminaram-se alguns caracteres da humanidade de hoje, com a ideia de que os novos caracteres são superiores e vantajosos.
- Parece que junto a enormes dilemas éticos, esta normalização dos genomas apresenta já zonas de sombra puramente científicas.
- A maioria dos genes que causam patologias graves protegem também de outras patologias. Em geral, não há um gene totalmente bom ou totalmente mau. Há genes que têm distintas acções que são todavia desconhecidas em grande parte. Não conhecemos a interacção entre genes.
Portanto, convertemo-nos em aprendizes de bruxo quando fazemos crer que sabemos tudo. A maioria dos genes influem em centenas de caracteres, patológicos ou não, de um modo que não sabemos. Além disso, influi-lhes o ambiente com os factores epigenéticos. Não sabemos em absoluto até onde vamos.
Menciono Darwin para recordar que, segundo as leis da evolução, sabemos que nos períodos de crise e de catástrofes uma espécie sobrevive só graças a diferentes genomas. Deste modo, numa população haverá indivíduos que são capazes de resistir. O exemplo mais conhecido é o da peste da Idade Média. Nas aldeias, 30% dos indivíduos conseguiu sobreviver, certamente por razões genéticas que ainda desconhecemos.
Com a mudança climática, poderiam propagar-se muito rápido novas enfermidades que nos achariam não preparados e indefensos. E neste contexto fabricar indivíduos geneticamente similares entre eles é correr o risco de assinar a sentença de morte da espécie no arco de dois ou três séculos.
- Você critica certas tendências da medicina. No campo da procriação, está-se superando o limite da legitimidade?
- De maneira muito clara. Quando, por exemplo, os ginecólogos franceses podem congelar os óvulos das mulheres que não tem nenhum problema, só porque por causa da sua carreira ou outro motivo não querem ter filhos quando são jovens, é evidente que não se trata de um problema médico. É uma questão social. Pode-se, por exemplo, impor ao chefe da empresa que não impeça a ascensão profissional das mulheres com crianças.
Não é competência dos médicos resolver a situação com artifícios deste tipo.
Paralelamente, é também verdade que hoje em França 25% dos pares que solicitam uma fecundação in vitro não a necessitam verdadeiramente. Seria suficiente que esperassem um pouco.
- Estes abusos estão baseados às vezes numa visão discutível ou distorcida da igualdade?
- Certamente. Por exemplo, no caso das mulheres que pedem que se congelem os seus próprios óvulos. Invoca-se uma presumível desigualdade em relação aos homens, que teoricamente são férteis toda a vida. Os ginecólogos pretendem compensar esta desigualdade com a técnica.
- As velhas tentações titânicas humanas associam-se, hoje, a lógicas mercantilistas a grande escala?
- Exactamente. Há uma convergência e muito poucos políticos se dão conta disso. Entre estes, os únicos que entendem o que digo e oferecem um pouco de resistência são os católicos. Pessoalmente, isto aflige-me. Sou um homem de esquerdas e exponho-me às troças dos meus amigos quando digo isto. Nem sequer quer falar disso.
- Entre os pensadores que você cita também há muitos cristãos, como Ivan Illich ou Jacques Ellul…
- A este propósito, digo a mim mesmo que não se pode fugir da própria cultura. Não recebi nenhum tipo de educação religiosa, mas pertenço à cultura judaico-cristã, sem ser directamente judeu-cristão.
Além disso, constato que as grandes religiões não conceberam por casualidade certas propostas comuns pelo bem da humanidade. Este é o modo para conseguir viver em sociedade, se bem historicamente talvez houve nisso algo de oportunismo.
(Tradução de Helena Faccia Serrano, Alcalá de Henares)
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