Testemunho da encruzilhada no maior país árabe
| Expedita Pérez leva dois anos trabalhando num colégio no Cairo |
Actualizado 19 de Dezembro de 2013
F. Delgado-Iribarren / ReL
Expedita Pérez León (Las Palmas, 1960) é uma testemunha excepcional da realidade quotidiana que vivem e padecem os cristãos (chamados coptas) no Egipto. Depois de servir 8 anos no Sudão, esta missionária comboniana instalou-se há dois com a sua comunidade em pleno centro do Cairo para trabalhar num colégio. Nos últimos três anos, estima-se que pelo menos 100.000 coptas tiveram que exilar-se devido à terrível perseguição religiosa desencadeada neste país de maioria muçulmana.
Por causa de uma conferência sobre os cristãos perseguidos no Médio Oriente convocada pela organização sem ânimo de lucro Fuente Latina (que teve lugar na Associação da Imprensa de Madrid esta terça-feira 17 de Dezembro), a missionária fez um relato do que foi “escrevendo, vivendo e sentindo” conforme se sucediam os turbulentos e vertiginosos episódios que estão marcando a história do Egipto.
Esperanças na revolução egípcia
“Cheguei há praticamente dois anos (em Janeiro de 2012), quando se celebrou o primeiro aniversário da primeira revolução da Primavera árabe no Egipto (as manifestações iniciadas no Dia da Ira, 25 de Janeiro de 2011, provocaram às posteriori a demissão de Mubarak, que tinha governado o país durante 30 anos, em 11 de Fevereiro). Encontrei-me com um povo exaltado, muito alegre, com muitas esperanças, que falava até pelos cotovelos, como é natural no Egipto (e em todas as partes), e numa cidade cheia de vida.
Isto durou até alguns meses despois do resultado das eleições (21 de Julho), as primeiras eleições chamadas democráticas, mas que não foram de todo democráticas, porque houve coisas que não funcionaram segundo a legalidade. De todas as maneiras saiu vencedor Mursi, representante do grupo islamita dos Irmãos Muçulmanos. Foi aí onde começou a mudar o estado de ânimo da população.
Silêncio e medo no metro
Eu comecei a ver um povo que já não tinha tantas esperanças, um povo que já não partilhava na rua, nos meios públicos, um povo que já não era livre de dizer o que pensava. E isto surpreendia-me terrivelmente no metro. No vagão das mulheres (existem dois vagões no metro para as mulheres e eu os preferia por segurança), normalmente estas são muito alegres, muito expansivas, partilham coisas da sua vida... Mas agora iam todas caladinhas, com medo: Com quem estou sentada? O que é que pensa? O que é que não pensa?
F. Delgado-Iribarren / ReL
Expedita Pérez León (Las Palmas, 1960) é uma testemunha excepcional da realidade quotidiana que vivem e padecem os cristãos (chamados coptas) no Egipto. Depois de servir 8 anos no Sudão, esta missionária comboniana instalou-se há dois com a sua comunidade em pleno centro do Cairo para trabalhar num colégio. Nos últimos três anos, estima-se que pelo menos 100.000 coptas tiveram que exilar-se devido à terrível perseguição religiosa desencadeada neste país de maioria muçulmana.
Por causa de uma conferência sobre os cristãos perseguidos no Médio Oriente convocada pela organização sem ânimo de lucro Fuente Latina (que teve lugar na Associação da Imprensa de Madrid esta terça-feira 17 de Dezembro), a missionária fez um relato do que foi “escrevendo, vivendo e sentindo” conforme se sucediam os turbulentos e vertiginosos episódios que estão marcando a história do Egipto.
Esperanças na revolução egípcia
“Cheguei há praticamente dois anos (em Janeiro de 2012), quando se celebrou o primeiro aniversário da primeira revolução da Primavera árabe no Egipto (as manifestações iniciadas no Dia da Ira, 25 de Janeiro de 2011, provocaram às posteriori a demissão de Mubarak, que tinha governado o país durante 30 anos, em 11 de Fevereiro). Encontrei-me com um povo exaltado, muito alegre, com muitas esperanças, que falava até pelos cotovelos, como é natural no Egipto (e em todas as partes), e numa cidade cheia de vida.
Isto durou até alguns meses despois do resultado das eleições (21 de Julho), as primeiras eleições chamadas democráticas, mas que não foram de todo democráticas, porque houve coisas que não funcionaram segundo a legalidade. De todas as maneiras saiu vencedor Mursi, representante do grupo islamita dos Irmãos Muçulmanos. Foi aí onde começou a mudar o estado de ânimo da população.
Silêncio e medo no metro
Eu comecei a ver um povo que já não tinha tantas esperanças, um povo que já não partilhava na rua, nos meios públicos, um povo que já não era livre de dizer o que pensava. E isto surpreendia-me terrivelmente no metro. No vagão das mulheres (existem dois vagões no metro para as mulheres e eu os preferia por segurança), normalmente estas são muito alegres, muito expansivas, partilham coisas da sua vida... Mas agora iam todas caladinhas, com medo: Com quem estou sentada? O que é que pensa? O que é que não pensa?
Esta foi a experiência durante todo o Governo de Mursi, até poucos meses antes de que o tiraram do poder (o golpe de Estado foi em 3 de Julho de 2013). Em Abril e Maio começou a sentir-se que algo voltava a renascer. O grupo Tamarud estava recolhendo assinaturas para pedir a demissão do presidente Mursi. Em 30 de Junho houve novamente uma explosão de alegria e de voltar a esperar e isto não só por parte dos cristãos, mas sim da maioria do povo egípcio.
Fala-se de que saímos à rua uns 30 milhões de pessoas, numa população de 80 milhões. E eu, a nível pessoal, e creio que também a Igreja, unimo-nos a esse renascer da esperança do povo, de que algo podia mudar se o povo saía à rua e pedia os seus direitos”.
A "discórdia" dos Irmãos Muçulmanos
Expedita Pérez tem muito cuidado de distinguir entre os muçulmanos e os Irmãos Muçulmanos. A estes últimos define-os como grupo “particular, religioso, fundamentalista”. No seu entender eles são “o único problema a nível de Islão no Egipto”, porque são “os que trazem a nota de discórdia”. A missionária assegura que o povo egípcio em geral é “moderado, não extremista” e que o Islão também o é.
Apresenta como prova que cristãos e muçulmanos puderam conviver neste país, se bem que não em pé de igualdade. “Os cristãos não tiveram em nenhum momento os mesmos direitos, tampouco com Mubarak”, afirma. Sem dúvida, “a nível de vida quotidiana há respeito e existem muitos laços de amizade entre cristãos e muçulmanos, muitos mais dos que nós podemos pensar”. Considera que uma das causas das fortes tensões sociais é a desigualdade, num país onde 40 por cento vive debaixo do umbral da pobreza.
Fala-se de que saímos à rua uns 30 milhões de pessoas, numa população de 80 milhões. E eu, a nível pessoal, e creio que também a Igreja, unimo-nos a esse renascer da esperança do povo, de que algo podia mudar se o povo saía à rua e pedia os seus direitos”.
A "discórdia" dos Irmãos Muçulmanos
Expedita Pérez tem muito cuidado de distinguir entre os muçulmanos e os Irmãos Muçulmanos. A estes últimos define-os como grupo “particular, religioso, fundamentalista”. No seu entender eles são “o único problema a nível de Islão no Egipto”, porque são “os que trazem a nota de discórdia”. A missionária assegura que o povo egípcio em geral é “moderado, não extremista” e que o Islão também o é.
Apresenta como prova que cristãos e muçulmanos puderam conviver neste país, se bem que não em pé de igualdade. “Os cristãos não tiveram em nenhum momento os mesmos direitos, tampouco com Mubarak”, afirma. Sem dúvida, “a nível de vida quotidiana há respeito e existem muitos laços de amizade entre cristãos e muçulmanos, muitos mais dos que nós podemos pensar”. Considera que uma das causas das fortes tensões sociais é a desigualdade, num país onde 40 por cento vive debaixo do umbral da pobreza.
Cristãos sempre discriminados
Um exemplo desta desigualdade perante a lei é que aos cristãos se lhes permitia reparar os seus templos, mas não construir outros novos. E, na prática, tampouco se lhes permitia reparar. “Eu recordo-me de um exemplo de há 20 anos, quando queriam reparar os degraus de uma paróquia. O pároco tinha que ausentar-se, e quando começavam os trabalhadores a consertar chegava de seguida a polícia a detê-los”.
Também afirma que "um cristão não pode ser professor da língua árabe. Porque através da língua vai todo o doutrinamento islamita". E denuncia que os "cristãos não podem escolher na universidade a carreira que eles desejam. Leva-se os para carreiras onde não possam ter influência para mudar, um pouco, a sorte ou as rendas do país".
Mesmo assim assinala que o culto se tornou cada vez mais dificultado pelos crescentes ataques aos templos, ante a passividade consciente das forças da ordem.
À pergunta de se os cristãos egípcios se converteram no bode expiatório das iras sociais desencadeadas nos últimos anos, responde: “Sim, mas eu creio que o foi sempre ao longo da história”.
Um exemplo desta desigualdade perante a lei é que aos cristãos se lhes permitia reparar os seus templos, mas não construir outros novos. E, na prática, tampouco se lhes permitia reparar. “Eu recordo-me de um exemplo de há 20 anos, quando queriam reparar os degraus de uma paróquia. O pároco tinha que ausentar-se, e quando começavam os trabalhadores a consertar chegava de seguida a polícia a detê-los”.
Também afirma que "um cristão não pode ser professor da língua árabe. Porque através da língua vai todo o doutrinamento islamita". E denuncia que os "cristãos não podem escolher na universidade a carreira que eles desejam. Leva-se os para carreiras onde não possam ter influência para mudar, um pouco, a sorte ou as rendas do país".
Mesmo assim assinala que o culto se tornou cada vez mais dificultado pelos crescentes ataques aos templos, ante a passividade consciente das forças da ordem.
À pergunta de se os cristãos egípcios se converteram no bode expiatório das iras sociais desencadeadas nos últimos anos, responde: “Sim, mas eu creio que o foi sempre ao longo da história”.
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