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sábado, 6 de junho de 2020

Homilia na Solenidade de Pentecostes

Sé de Beja, 31 de maio de2020

Senhor Padre Novais, caro diácono, religiosos e religiosas, seminaristas e fiéis leigos. Caríssimos irmãos e irmãs:

1 – Hoje é dia de Pentecostes!

Depois do confinamento a que nos obrigou a pandemia, abriram-se de novo as portas das igrejas para vos acolher e podermos celebrar juntos, com verdadeiro gozo, a Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor.

É dia de Pentecostes!

Hoje se completam os cinquenta dias da Páscoa com a vinda do Espírito Santo. Transformando em apóstolos missionários aqueles discípulos amedrontados e fechados em casa, Ele fez aparecer no mundo a Igreja nascente. Escutámos, na leitura do livro dos Atos, que o Espírito Santo desceu sobre a Virgem Maria e os Apóstolos neste dia último do tempo pascal, significando assim que o fruto da Páscoa de Jesus é a comunicação do Espírito Santo, é o dom de Deus mesmo que Se oferece aos homens.

Mas no Evangelho de São João que ouvimos há momentos, vemos que foi na tarde do dia em que ressuscitou, no próprio dia da Páscoa, que o Senhor Jesus Cristo apareceu vivo no meio dos Seus discípulos. Depois de lhes dizer que os enviava a anunciar o Evangelho ao mundo como o Pai O tinha enviado, Jesus soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo ( Jo 20,22)! Mas, se lemos com atenção a Paixão do Senhor escrita por S. João, podemos reparar que Jesus nos entregou o Seu Espírito, quer dizer, a sua própria vida, quando morreu na Cruz: inclinando a cabeça, entregou o Espírito (Jo 19,30). E na água e no sangue saídos do Seu lado trespassado pela lança, desde sempre os cristãos viram o nascimento da Igreja, nova Eva, à imagem da antiga Eva nascida do lado de Adão adormecido no paraíso. E, de facto, é como Novo Adão, iniciador da nova Humanidade que o Senhor Ressuscitado, marcado com as chagas dos cravos e da lança, sopra sobre os seus discípulos para lhes comunicar o Espírito da nova criação, o Espírito Santo.

A grandeza e a densidade deste mistério da Páscoa de Jesus foi desdobrado, para nós celebrarmos e vivermos, em diversos momentos: a entrada em Jerusalém, a última Ceia, a Sua morte e sepultura, a descida aos Infernos, a Ressurreição e as aparições às mulheres e aos apóstolos, a Ascensão ao Céu e, finalmente, a vinda do Espírito Santo, tudo isto são aspetos deste único e incomensurável mistério de amor de Jesus Cristo Nosso Senhor que por nós Se entregou e deu a Sua vida para que deixemos de viver para nós próprios, e vivamos para Ele que por nós morreu e ressuscitou (Cf. 2Cor 5,15).

2 – O Pentecostes é a manifestação da Igreja ao mundo. Pedro, à frente dos apóstolos, anuncia corajosamente a ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Cheio do Espírito Santo, Pedro faz em Jerusalém o primeiro anúncio que suscita a fé em muitos daqueles que escutaram a sua pregação. E vemos que este dinamismo evangelizador habita e move os primeiros discípulos, e que a comunidade cristã se organiza e aproveita todas as circunstâncias para anunciar o Evangelho. Partindo de Antioquia, Paulo e Barnabé semeiam o Evangelho na Ásia Menor e na Grécia. Mais tarde em Éfeso, surgirão os escritos joaninos com a sua dimensão sapiencial e mística.

Como em qualquer corpo vivo, encontramos nas igrejas primitivas três funções principais que se vão definindo para servirem a vida da comunidade: a estrutura, representada por Pedro e os apóstolos, o crescimento, simbolizado por Paulo e Barnabé, e o coração, que tem os seus grandes representantes em S. João, o discípulo amado, e na Virgem Maria. O cristianismo continua hoje estruturado por estas três dimensões. Há mesmo teólogos que veem, a partir deles, a História da Igreja: o primeiro milénio centrado em Pedro, o segundo em Paulo, e tudo indica que o terceiro milénio que estamos começando será centrado em S. João.

Hoje, na Igreja, estas três funções manifestam-se na hierarquia, nos missionários e nos religiosos. Vemos, no evangelho de S. João e nos Atos dos Apóstolos como Pedro, a pedra estabelecida por Jesus, sempre é escutado por Paulo e que João, o discípulo amado do Senhor, ao chegar ao sepulcro, espera por Pedro e deixa-o entrar primeiro. Vemos que Pedro, Paulo e João sempre atuam movidos pela caridade, respeitando os dons uns dos outros, conscientes de que, na sua diversidade, esses dons proveem do mesmo e único Espírito Santo, para o bem comum.

E se Pedro cortasse relações com João e com Paulo? E se Paulo se indispusesse contra Pedro e contra João? E se João, por ter reclinado a Sua cabeça no peito de Jesus e por ter sido o único dos apóstolos a estar com Maria junto à Cruz do Senhor, no Calvário, se considerasse melhor que Pedro e Paulo?

3 – Caríssimos irmãos e irmãs: olho hoje para esta diocese de Beja tão empobrecida e tão fragilizada e pergunto-me: como apascentar estas ovelhas do Senhor que são os padres e os diáconos? Como encher de zelo missionário as ovelhas que são também os praticantes de missa dominical? Como suscitar vocações de consagração ao Senhor na vida religiosa? Como apascentar sabiamente os cordeiros, ou seja, as crianças, os adolescentes e os jovens cristãos?

Na agricultura, a natureza ensina-nos que é necessário lavrar novamente o campo de uma seara depois de ceifada, se queremos vê-lo a produzir nova colheita. Apresento-vos outra comparação: como poderá alguém esperar fruto abundante de árvores que têm as raízes podres e secas? Não será preciso cuidar, antes de mais, dessas raízes?

As raízes da vida cristã são a fé suscitada pela pregação dos apóstolos. Essa é a fé que nos leva ao Batismo e nos constitui membros da Igreja, corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo! Pode receber o Espírito Santo apenas quem, professando a fé católica e apostólica, renova as promessas do Batismo, vive como membro vivo da Igreja e se esforça por corresponder ao amor do Senhor, pondo-se ao Seu serviço.

Quem não tem a mesma fé de Pedro, de Paulo e de João, ainda que seja muito religioso, será que é mesmo cristão? Quem não vive em comunidade, quem vive para si mesmo, ainda que saiba toda a doutrina, não pode considerar-se um cristão autêntico. Quem não é dócil ao Espírito Santo, ainda que seja padre ou bispo, não é cristão de verdade. Só vivendo voltados para o Senhor, convertidos e abertos à ação do Senhor em nós, podemos humildemente servi-l’O a Ele, em vez de nos servirmos a nós mesmos.

4 – Perante estas palavras que denunciam a debilidade da nossa vida cristã, que poderemos fazer?

Convertamo-nos! Sim, irmãos e irmãs, convertamo-nos ao Senhor! Voltemo-nos para Ele em cada dia para podermos beber d’Ele, fonte da salvação e da graça, a água viva do Espírito Santo que nos faz participantes da natureza divina e dá testemunho ao nosso espírito de que, pelo batismo que recebemos, somos filhos de Deus. Não tenhamos medo de escutar as palavras que a Igreja e os apóstolos nos dirigem. É verdade que nos denunciam como pecadores; mas são também elas que nos revelam e anunciam a divina misericórdia, criadora e recriadora.  Celebremos a Eucaristia Dominical, onde a Igreja se manifesta em oração ao Pai, por Cristo, com Cristo e em Cristo, no Espírito Santo. Como filhos de Deus resgatados do mundo, cultivemos a vida em comunidade, na qual aprendemos a acolher e a integrar as diferenças num verdadeiro amor fraterno, dando assim testemunho de que o Senhor ressuscitado vive em nós. E sempre que nos damos conta de que precisamos do sopro do Espírito Santo para deixarmos de ser egoístas, maldizentes, luxuriosos e violentos, peçamos, como filhos que somos, o Espírito Santo ao Pai, lembrados das palavras de Jesus: Se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lh’O pedem (Lc 11,13) !

Estes conselhos que vos dou, caríssimos irmãos e irmãs, são apenas  explicitações do versículo 42 do capítulo segundo do livro dos Atos dos Apóstolos, no qual S. Lucas nos oferece os 4 pilares da vida cristã: eram assíduos ao ensino dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações.

5 – Daqui até ao dia 12 de julho, data em que celebraremos os 250 anos da restauração da Diocese de Beja, convido-vos a viver intensamente a dimensão pascal da nossa vida. Aproveitai estas seis semanas para virdes à Igreja fazer oração e para confessardes, arrependidos, os vossos pecados, para participardes na Eucaristia, sobretudo aos Domingos e festas de guarda.

Aproveito para vos anunciar que na sexta-feira dia 19 de junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o seminarista Nuno Oliveira será instituído leitor na Sé, ás 18 h,  e que no domingo 28 de junho, Véspera da Solenidade de S. Pedro e S. Paulo, o diácono Francisco Molho será ordenado presbítero também aqui na Sé de Beja, pelas 17 horas. Rezemos por eles e peçamos ao Senhor que nos dê muitos e santos pastores, para esta diocese se poder renovar e produzir abundantemente, os frutos do Espírito Santo.

+ J. Marcos



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