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terça-feira, 31 de julho de 2018

Afundamento do Lugre Patacho “Tejo”

Este lugre pertenceu à “Casa António Pedro da Costa”, localizada na Rua de S. Julião, 23, 1º, sendo eu bisneta deste armador. A companhia sofreu vários revezes durante a guerra de 1914-1918, de cujo fim estamos a celebrar o centenário.

Tive agora a oportunidade de consultar o livro de registos dos “Navios da Casa Antº P. da Costa” e de partilhar, mais precisamente, copiar o recorte de jornal, de 20 de maio de 1917, colado na página correspondente ao Lugre Patacho “Tejo”, mas cujo nome não aparece na notícia do periódico, nem na folha do livro. Eis, pois, o título da notícia:

O Afundamento do lugre português “Tejo”, o que nos declara o seu comandante.

E o seu desenvolvimento:

Chegaram ante-ontem [1] a Lisboa e apresentaram-se ontem, à tarde, no Instituto de Socorros a Náufragos, o comandante e os oitos tripulantes do lugre português “Tejo”, que à [2] dias, como em telegrama publicámos, foi metido no fundo à vista e a curta distância de Valência (Espanha), por um submarino alemão.

... e avistamos com o comandante do navio que nos conta o seguinte:

O “Tejo”, [era de construção inglesa [e] durante alguns anos pertenceu à casa Bensaúde, onde tinha o nome de “Navegador”, ocupando-se da pesca de bacalhau. Tinha três mastros, o comprimento de 198 pés (...) Foi adquirido para a casa do Sr. António Pedro da Costa Limitada o ano passado e andava actualmente ao serviço dos Açores e Cabo Verde...

A sua tripulação era composta por mim, Sebastião Magano, comandante, e tripulantes Júlio Simões Chuva, José Sacramento, José Pereira da Vela e Manuel Vicente Ferreira, todos naturais de Ílhavo, e Gustavo José Nobre, Frederico Cândido Fortes, Aurélio d’Oliveira e Filippe Martins, cabo-verdianos.

“A última viagem, que tínhamos feito, era de Bissau (Guiné) para Valência e a bordo levávamos 284:000 Kilos de coconote.

Com 59 dias de viagem chegamos às 20 horas (hora portuguesa) de 14 do corrente, a umas 9 milhas do Cabo de Santo António (Espanha), quando, com um andamento de 5 milhas à hora, vimos aparecer completamente fora d’água e navegando com toda a força, fazendo-se ao largo, um submarino alemão,  todo pintado de cinzento claro, quase com o dobro do comprimento da nossa embarcação com alguma artilharia a bordo, vendo-se distintamente a meio desse navio inimigo um grande canhão.

Eu vi, com o auxílio de um binóculo, navegar o “pirata” ao nosso encontro e, tendo como certo um ataque, embora não ostentássemos em qualquer dos três mastros do nosso barco bandeira ou outra indicação de que se travava de um navio português, mandei preparar para “à primeira voz” serem arriados os dois botes.

Entretanto, enquanto esta manobra se efectuava, o submarino que nós víamos navegar aceleradamente, veio ao nosso encontro e, quando estava à distância de uns cincoenta metros, disparou um tiro, mas não contra o nosso barco.

Foi uma intimidação para pararmos, o que nós fizemos, atravessando o nosso lugre.

Receando-se qualquer ataque, arriámos os nossos botes e neles tomámos lugar, com alguns mantimentos dos quais rapidamente nos pudemos apoderar.

De bordo do submarino inimigo, intimaram-nos a ir a bordo daquele. É claro que nos vimos forçados a obedecer e para ali nos dirigimos, eu e mais quatro dos nossos tripulantes.

Aguardavam-nos o comandante, rapaz novo, de pequeno bigode e atarracado. Os outros eram quase todos a mesma coisa: baixos e atarracados.

O comandante, falando num correcto idioma espanhol, como se fosse um oriundo da pátria de Cervantes, perguntou a que nacionalidade pertencia o navio do meu comando. Respondi-lhe que era português. E, sem mais pergunta alguma me fazer, o comandante do submarino e mais quatro dos seus marinheiros, que por sinal eram mulatos, o que bastante nos intrigou, desembarcaram. Nós e eles seguimos então para bordo do “Tejo”, onde os inimigos colocaram uma bomba na escotilha da ré, outra na da popa e ainda a meio do barco, pelo costado a baixo.

Finda essa operação, ordenaram-nos que os levássemos a bordo do submarino, onde os desembarcamos, ponde-nos, assim como o outro bote, com o resto da tripulação portuguesa, ao largo em direção a terra.

Vimos então as três fortes explosões e o nosso barco em chamas, lentamente, ir-se afundando.

Desde o ponto donde iniciámos a viagem para terra, às 10 horas, fomos lutando com algum mar e chegamos ao ponto mais próximo, a Denia, às 4 da manhã.

Aqui, soubemos que o mesmo submarino, a tiros de peça, tinha também afundado um grande navio inglês, afirmando-se também ali que o submarino era o “U. 45”

Nessa povoação espanhola fomos muito bem tratados, principalmente pelo vice-consul português, Sr. Luiz Soares.

Daquele porto espanhol, saímos no dia 16 para Madrid e dali para Lisboa, onde chegamos ontem, tendo já eu hoje feito a minha apresentação e reclamação na capitania do porto de Lisboa.

Agora, para fechar: da nossa casa, é este o terceiro barco que o inimigo mete no fundo: o primeiro, foi o palhabote “Lima”; o segundo, a galera “Argo”; e o terceiro, o lugre “Tejo”...

O resto do texto está ilegível, mas este excerto dá bem noção do ambiente, vivido nos mares, durante a primeira guerra mundial, e dos costumes da época. Fica, deste modo, a salvo uma parte das memórias averbadas neste livro de registo com mais de cem anos.

Isabel Vasco Costa



[1] Optámos por manter a grafia da época
[2] Na província de Alicante



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