Páginas

quinta-feira, 10 de maio de 2018

O fascínio do que só parece grandioso

Na premiação de uma das modalidades femininas dos jogos pan-americanos, quando as moças se posicionavam para as fotos, assisti uma cena comum, mas raramente tão categórica. A vencedora estampava um sorriso que quase lhe ultrapassava as orelhas, enquanto as outras duas, segunda e terceira colocadas, mostravam o famoso sorriso amarelo. Era impressionante o abismo entre a alegria e a decepção, entre o júbilo e a inveja. A primeira colocada olhava para a arquibancada, à procura de rostos conhecidos. Não era bonita e seu sorriso tinha dentes sobrando, mas a alegria que irradiava traduzia seu sentimento naquele momento. As outras duas, bem mais altas, tinham os olhos quase estáticos, mirando as câmeras fotográficas, talvez prometendo a si mesmas que na próxima vez haverão de reduzir aquela nanica a pó.

Quando experimentamos uma derrota, enquanto juntamos os cacos temos a oportunidade de corrigir e aprimorar, sob uma perspectiva mais humilde e portanto mais humana. Tentar explicar derrotas apelando para o fator sorte - criando fantasias ou lançando mão de argumentos pouco honestos,- é jogar fora esta oportunidade, diminuindo o efeito terapêutico da defecção.

Também já fui vitimado pela estupidez de explicar derrotas com argumentos pífios. Como a do time pelo qual torço, invocando a intervenção da fatalidade ou do apito amigo. No mais das  vezes incorremos em erro grotesco quando nos deixamos dominar pelo despeito. Seria mais simples reconhecer a superioridade do adversário, o que faríamos sem trauma algum se não nos escravizasse a soberba. Admitir que o outro é melhor pode ser uma descoberta dolorosa.

Um erro filosófico pode nascer na adulteração de alguma ideia para sustentar uma tese de nosso agrado, mas há outras formas igualmente rasteiras. Algumas pessoas, prontas para bater em retirada de um debate, apelam para a adjetivação pouco lisonjeira. Chamam o opositor de radical ou mesmo de maluco. Podem até mesmo evocar o testemunho de desconhecidos, ou apelar para frases que algum ilustre de séculos atrás sequer disse. Convivi com gente assim e reputo seu comportamento como odioso, porque pleno de golpes baixos e desonestidades intelectuais.

No mais das vezes, porém, certos deslizes históricos não passam de ardores demasiados por pessoas carismáticas. A história registra alguns psicopatas de todos os quadrantes e épocas que conseguiram magnetizar multidões e as levaram a grandes vitórias e depois ao caos. Napoleão foi um deles e seus despojos repousam num panteão exclusivo nos L’Invalides, em Paris, prova de que a humanidade também gosta de homenagear os sanguinários.

Palavras de ordem sedutoras ou livros que prometem revelar desde os mistérios da origem do universo até seu final escatológico também têm seu dedo em muitos desvarios humanos. Aliás, cá entre nós, livros que buscam explicar tudo já começam mal pela própria dimensão da ambição. É pretensão demais, que acaba por dar com os burros n´água.


Faz pouco, um conhecido que mora na Bahia comentou comigo que está lendo um best seller que explica tintim por tintim o que se passou do homem da pedra ao bípede que envia sondas espaciais. Mostrava-se muito entusiasmado, como se estivesse prestes a descobrir o que o Oráculo de Delfos sequer suspeitou. Como se o livro permitisse, uma vez vencida sua última página, decifrar qualquer enigma. Como se sua leitura rendesse um diploma de bruxo e profeta. Ora, isto já não seria sequer um livro. Seria um vade-mécum, um alfarrábio com o qual sonharam alquimistas de todas as eras. E que não existe.

Segundo apurei, lá pelas tantas o autor desta oitava maravilha da literatura afirma que o culto aos santos é uma reedição do politeísmo. Perguntei ao meu conhecido se os seus quatro filhos o admiravam. Para minha surpresa, logo respondeu, com convicção, que sim. A despeito de seu cabotinismo, disse a ele que esta é a mecânica da admiração pelas virtudes dos santos. Se os seus filhos admiram suas virtudes, por que não enaltecer aqueles que foram testemunho vivo de grandes conversões, como Santo Agostinho, ou pautaram suas vidas por virtudes heroicas? Por fim, lembrei a ele que muitos santos morreram exatamente combatendo o politeísmo, o que de pronto derruba a tese do autor. O fato, em si, é menor, mas penso que ilustra bem o estrago que podem causar certas afirmações, chanceladas por edições tão sedutoras quanto especiosas.

J. B. Teixeira







Sem comentários:

Enviar um comentário